O que foi feito de Joana
Certamente que Joana jamais imaginaria encontrar-se naquela situação tão incomum. O pátio do presídio não era espaçoso o suficiente para abrigar tantas mulheres. Joana era a única que não usava uniforme de prisioneira por estar recém chegada e ainda sem paradeiro definitivo. Quando soou a campainha para o término do banho de sol houve uma correria em direção ao refeitório. Joana, ali, bem próximo à entrada, não quis, todavia, participar da reunião para o almoço. Estava completamente sem fome. Aproveitaria os minutos seguintes para se ver um pouco sozinha com seus pensamentos e refletir o motivo de ter ido parar naquele lugar.
De onde estava não conseguia enxergar além de um enorme muro que escondia uma beleza natural estonteante. Porque privaram-na de algo tão comum e necessário ao ser humano que é sentir e apreciar a obra de seu criador? Depois de caminhar um pouco, usufruindo desse breve e proposital abandono, retornou para dentro e recolheu-se sozinha a sua cela. Dejanira, a companheira, que há dias dividia com ela a falta de liberdade, ainda estava lá, comendo junto com as outras mulheres. Foi quando se deu o estrondo.
- Pronto! Mandaram mais uma para o inferno – foi a voz de Dejanira soando repentina atrás de Joana.
- Quer que eu morra do coração? – reagiu dessa forma Joana à má conduta de sua companheira. – Bem, pelo menos seria uma morte mais natural – completou.
O corredor da morte era uma realidade dentro daqueles muros. Joana mal havia sido presa, aguardava por seu julgamento e, é certo que, se condenada, teria a morte como pena máxima; assim era a lei naquele estado. Dali, logo dali, de sua minúscula janela, via-se, longe e embaciado, o cenário de morte: o alto palanque e nele o cadafalso, a corda com seu terrível nó estrangulador e cadeiras para os homens da lei. Por trás, ampla área sem vegetação; apenas um piso infértil, de terra batida, em que curiosos se reuniam para assistir à execução.
Como evitar a reação se vieram com a arma em sua direção para, de certo, assassiná-la? A confusão generalizou-se logo após o ocorrido. Joana, em estado de choque, mal ouvia as pessoas a volta de si. O corpo ensanguentado da vítima jazia a menos de dois metros de onde estava. Holofotes, câmeras exibiam luzes e flashes em sua direção. O ambiente tornou-se impenetrável em poucos minutos. A primeira providência foi atar-lhe o par de algemas e encaminhá-la na direção da viatura policial.
Joana e Dejanira dividiam um exíguo compartimento prisional em que mal cabiam duas pequenas camas de solteiro e um vaso sanitário protegido por um biombo rosa maltratado pelo tempo e pela poeira fácil do exterior. Foi uma amizade instantânea; dir-se-ia que à primeira vista e também o único ponto positivo, poder-se-ia assim dizer, naquele fim de mundo hostil e solitário.
- Você sempre foge do assunto quando quero falar no ocorrido dentro da loja – disse Dejanira em uma das conversas que mantinham, ambas em suas respectivas camas, único lugar para se sentar.
- Não é que eu fuja. Simplesmente não consigo me lembrar. Minha memória me trai toda vez que tento encaixar as coisas; e você ainda me faz voltar àquelas cenas terríveis!
- Desculpa, vá! Essa minha mania de ser curiosa ainda vai me causar problemas.
E o tempo passou. Um mês, seis meses, dois anos até que, finalmente, Joana recebe, em sua cela, a visita de um advogado, o seu advogado de defesa fornecido pelo estado.
- Não vejo uma solução feliz para esse caso. Você está em maus lençóis. Em todo caso, temos uma alternativa que deve funcionar, segundo minhas experiências.
- E qual seria essa alternativa? – quis saber logo Joana em meio a pensamentos confusos e duvidosos.
- Confesse o crime, será a sua única saída.
- Não acredito no que está falando! Como vou confessar um crime que não cometi?
- Ouça o que digo. O mais importante agora não é se você cometeu ou não o crime, mas que se livre do enforcamento. Sei o que estou falando. Eles não perdoam crimes de assassinato. Não há testemunhas a seu favor; encontraram suas impressões na arma que matou a vítima e, para piorar, uma das testemunhas afirma que a viu conversando nervosamente com o homem que morreria horas depois.
- Era ele quem vinha me ameaçando. Já disse, eu não atirei naquele sujeito.
- Mas, e a arma? E suas impressões?
- É claro que são minhas as impressões; mas isto não prova nada. Ele me obrigou a ficar segurando a arma por baixo da minha bolsa e ficar aguardando sua chegada. Alguém, por certo, desconfiou do que ele estava para fazer e o eliminou antes que de mim se aproximasse. O que diz o exame de balística?
- Impossível. A bala saiu por suas costas e não mais foi encontrada. Sei que o fato de ser do mesmo calibre da sua arma não quer dizer muita coisa, mas... ouça: confesse o crime. Vai por mim. Pegará no máximo trinta anos, mas sairá muito antes que isso por ser réu primária e possuir curso superior; se bater de frente com eles estará perdida.
- Quais serão minhas chances?
- já disse: a confissão. Aqui é tudo muito diferente do convencional. A confissão é, para eles, uma espécie de arrependimento. Segundo a crença, é dada ao réu a oportunidade de aprender com o erro e não mais voltar a cometê-lo. Mas não pense que será fácil a reclusão. Não há trabalhos forçados, mas tratamento diferenciado aos condenados por homicídio. Tirar a vida de outro ser humano é, para eles, o pior dos pecados. Mesmo a lei se debate com este dilema, só enforcam em casos extremos e irrevogáveis. Mas, alerto: a prisão, por mais curta que seja, é o pior dos infernos. Mesmo assim, é melhor do que a morte. O que acha?
Mas Joana não seguiu o conselho do experiente homem da lei. Julgada e condenada acabou no corredor da morte. Há cinco anos que ali se encontra. Nem mesmo Dejanira consegue notícias de sua velha amiga.
Qual será o seu fim? Nenhum pedido de clemência tem obtido sucesso até o momento. Só resta agora esperar e contar com a sorte e a boa vontade daqueles que têm em mãos o seu destino.