Por medo...
Um gato pulou da janela da casa atrás de alguma presa distraída. A casa guardava uma família assustada. Ela era grande e situada numa fazenda próxima à cidade, Dourados... que apesar do brilhante nome, era apenas um vilarejo esquecido no meio do cerrado brasileiro. Mas sim, a casa... a casa era assunto na região, ela era antiga e grande demais para os seus quatro habitantes. Diziam por lá, que a casa era assombrada por fantasmas dos nativos que serviram como escravos ali, mas isso fora há muito tempo... a população local culpava os nativos por muitas coisas... Eu fui atraída para aquele local durante uma guerra... por ali eu permaneci durante algum tempo, andei muito por aquela região, vi a casa ser erguida, vi os primeiros que a habitaram e conheci a menina que se tornou mulher naquele local. Encontrei ela sete vezes, busquei seu pai e seus dois irmãos, busquei seu filho e sua mãe e tempos depois o seu esposo, no sétimo encontro ela escapou de mim.
Grande casa com paredes caiadas, foi bonita à sua época e houve risos também... hoje era só uma casa avermelhada pela terra, próxima demais da morada dos nativos. Passei a evitar aquela casa, decidi fazer isso por um tempo. Minha ausência deu fama àquele local, onde ela, agora, era uma das habitantes, apesar de ignorada. Espalhou medo nos que passaram por lá, trouxe tristeza e pavor... e nunca foi reconhecida. Muitos culpam os nativos pelos acontecimentos... tolos amedrontados pelo desconhecido... mal sabem eles que aqueles apenas se deixam deslizar leves para os meus braços quando a sua hora se apresenta. Ela fora ignorada por tempo demais, mas naquele dia eu me apresentei para lhe dar o reconhecimento.
A árvore onde ela se enforcou era alta e muito bonita, uma grande paineira com grossos galhos, num dos quais eu me coloquei. O gato saltou da janela e sibilou assustado ao se deparar com ela... ela viria, sem notar a minha presença, se lamentar mais uma vez sob a paineira. Observei seu choro durante alguns minutos e então ela me notou, assustou-se, como era de se esperar, e quis fugir, mas eu a chamei pelo nome:
- Janice... – sussurrei eu, com voz de vento.
Ela estacou e me olhou.
- Você me conhece?
- Estive aqui por você há alguns anos – ambas sussurrávamos sem bem saber o porquê – Conte-me, por que me evitas?
Ela se lembrou e derramou mais lágrimas.
- O meu bebê, eu o matei.
- Eu sei...
- Eu o coloquei na água fria quando ele teve febre, não confiava em ninguém... – disse entre lágrimas – mesmo quando o curandeiro veio vê-lo eu o repudiei por sua origem... eu o matei.
- Janice, o garoto já era meu no momento em que você sentiu a sua febre. Eu já o chamava... venha comigo também – e desci flutuando para junto dela, olhei bem no fundo dos seus olhos e estendi minha mão – Você fez o que pôde.
Ela desviou o olhar para a casa, ouvindo o choro da criança no berço e recuou um passo.
- Não há mais nada lá para você, Janice... o que é teu eu já levei, seus pais, irmãos, esposo e filho. Não fuja novamente.
Me aproximei um passo mais e ela me olhou novamente. Prendi seu olhar com o meu, tão intensamente que mal percebi quando ela deslizou para o meu abraço.
Janice teve medo, faz-se coisas muito tolas baseadas no medo... Medo do desconhecido. A morte é muito feia para quem não a conhece, mas ela não tem uma só face. Abandonei aquela cidade depois disso... ela não era mais problema e os nativos nunca foram...