722-OS CRIMES DA VIUVA NEGRA - Criminal

Não era bonita nem elegante, mesmo no tempo em que casou com a primeira vítima. Era baixa e gordinha, cabelos cortados curtos, á altura do pescoço, olhos pretos, nariz chato e boca de lábios salientes. Deselegante, usava sempre sapatos de meio salto, e roupas simples, compradas em magazines e lojas sem muita classe.

Ninguém pensaria jamais que ela fosse capaz de casar-se três vezes e viver em comum com dois homens, todos mortos em situações misteriosas, além de praticar a bigamia durante alguns anos de sua vida.

Sonia Zamora tinha como ponto forte a prática da mentira, e graças a excelência em enganar pessoas e entidades, tornou-se uma trambiqueira de sucesso e serial killer, uma matadora em série. E graças aos seus inúmeros crimes, acumulou uma fortuna estimada em 50 milhões de reais, numa estimativa feita por volta de 2005.

Natural do Uruguai, onde nasceu em 1950, desde os tempos de estudante mentiu e enganou. Praticou pequenos golpes em Montevidéu e a polícia a espantou para o Rio Grande do Sul. Seu primeiro golpe internacional foi conseguir uma certidão de nascimento que lhe possibilitou ter uma carteira de identidade brasileira, com outro nome. A partir de então, usou e abusou de identidades falsas. Para cada crime, um nome diferente.

Começou sua carreira de falcatruas de maior vulto no início da década de 1970. Com vinte e poucos anos, foi presa por aplicar golpes no antigo INPS em quatro estados brasileiros. Formou-se em direito e seu campo de ação ampliou-se, pois passou a conhecer as firulas da legislação brasileira, que lhe permitiram dirigir seus esforços nos sentido de acumular muito dinheiro sem fazer força e sem pagar taxas e impostos.

Apesar de ser apenas um rosto na multidão e passar despercebida (e talvez por isso mesmo), teve sucesso no seu desiderato: tal qual uma voraz viúva negra, a aranha mais mortal que existe, devoradora de suas vítimas. Sonia realizou a primeira parte de seu plano casando-se com o vendedor de seguros Marcos Saldanha.

Tinha ela, então, trinta anos, e não tardou em praticar o primeiro crime hediondo da sua vida, a fim de ficar com os bens do marido. Marcos foi assassinado a tiros, no meio de uma rua movimentada no centro de Magé, cidade do estado do Rio de Janeiro. em 13 de maio de 1983.

No primeiro momento, nenhuma suspeita caiu sobre a viúva. Não havia razão, o atirador não foi localizado e as investigações policiais não chegaram a uma conclusão sobre o motivo do crime nem quem teria sido o mandante.

Quase dois anos após, guardado um tempo discreto de espera, construindo nova teia, ela se casou novamente. Desta vez, em janeiro de 1985, tomou por marido em sua insidiosa e invisível armadilha, Alberto Luciano Ramos, com quem ficou até 1990.

A causa da morte de Luciano também foi misteriosa. Ele morreu em uma pousada em Teresópolis, aparentemente vítima de uma queda em uma alta ribanceira de pedras. Sonia estava com ele e prestou depoimento à polícia:

— Em um momento ele estava ao meu lado, conversando. Quando olhei para o lado, procurando uma orquídea que ele tentava me mostrar, ele tropeçou e caiu pelo paredão. – Maria Helena explicou, nervosa e aparentemente condoída. — Não tive nem como tentar segurá-lo, tão rápida foi a queda.

Em 15 de julho de 1985, seis meses após ter se casado com Luciano, Sonia casou-se de novo, com o major do exército Ariovaldo Santana. Cometeu, assim, o crime de bigamia.

Não se sabe em detalhes dos artifícios e artimanhas usados por ela para este novo casamento nem para sua manutenção em segredo. A situação de bigamia durou cinco anos, até a morte de Luciano em 1990, como registrada acima.

Livre de Luciano, Sonia passou a planejar o fim do major, o terceiro marido. Em julho de 1992, finalmente, conseguiu livrar-se dele. Atraído para a realização de um negócio, o militar foi morto a marretadas, com a participação dela, numa sala comercial em Copacabana.

Esse crime despertou a atenção das autoridades policiais para Sonia Zamorra, disfarçada sob outro nome, pois as mortes de três homens estavam associadas a ela e um vínculo foi estabelecido entre os eventos. Mas apenas a morte do coronel foi comprovadamente atribuída a ela, que passou a ser conhecida a partir de então como Viúva Negra.

Antes de matar o coronel, a voraz Viúva Negra conhecera, em 1987, o rico comerciante libanês Nagib AlFarrah, a quem se apresentou como juíza aposentada (a mentira acima de tudo!). Estabeleceram um relacionamento íntimo. No fim de 1989, disse a Nagib que estava grávida e quando a criança nasceu, em julho de 1990, foi batizada com o sobrenome do libanês.

Sonia conseguiu que apartamentos e bens do rico Nagib fossem transferidos para a filha, antes de lhe aplicar picada fatal.

Nagib gostava de beber e tomava porres fenomenais. Morreu em consequência de uma dessas bebedeiras, e a perícia legal verificou que o sangue do corpo continha 10 gramas de álcool por litro, um índice impossível de ser ingerido como bebida. A suspeita, nunca comprovada, é de que a Viúva Negra teria injetado na veia de seu amante, enquanto ele se encontrava inconsciente, uma quantidade letal de álcool.

Era incrível a capacidade de manter relacionamentos simultâneos. Mas para a próxima vítima a Viúva Negra teceu uma teia bem elaborada e só em 1983, estando livre e desimpedida, pegou a próxima vítima: de novo um rico libanês, Halim Daud, de 84 anos, com qual passou a viver.

Não se casou com Halim, mas teve o cuidado de obter procurações que a possibilitaram manipular os bens dele, após a sua morte, num atentado em 1997.

Então, já dona de um valioso patrimônio, a perigosa senhora procurou diversificar suas atividades criminosas, aplicando o que poderá ser o último grande golpe no Brasil.

Em 2005, ela retirou a velhinha Sara AlFarrah de uma casa de repouso na Zona Sul do Rio, sem autorização da família. Isto foi em janeiro. Sara era irmã de Nagib AlFarrah e era dona de diversos e valiosos imóveis no Rio. Em novembro do mesmo ano, Sara faleceu no apartamento de Helena, deixando todos os seus bens para uma filha da Viúva Negra.

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Quisera eu que essa narrativa fosse fruto de minha imaginação. Uma história de mentiras, crimes e terror, trama rocambolesca e gótica, criada por um autor da literatura de ficção. Infelizmente, trata-se de uma sequência de fatos reais, cujo epílogo ainda está por ser definido. Nomes foram escondidos e alguns dados permanecem não conhecidos. Apesar do vasto dossiê policial, passaram-se dezenove anos antes que a Viúva Negra fosse condenada por um de seus crimes: a morte do terceiro marido, major Ariovaldo Santana. Mas quando a condenação aconteceu, a terrível mulher já havia sumido do Brasil.

Ainda há que se acrescentar nessa história sem fim.

O paradeiro de Sonia Zamora é conhecido das autoridades policiais. Reside hoje em Las Vegas, nos Estados Unidos, tendo se casado (outra vez!) com o americano Rick Grandsteal, naturalmente outro golpe para obter a cidadania americana. A mulher é realmente ponderosa, pois, embora condenada a dezoito anos de prisão no Brasil, encontra-se sob a proteção das leis americanas. Sua prisão agora é um assunto diplomático.

Mas a pergunta que insiste é essa: escapará Rick, o marido americano, do final que certamente está lhe preparando a Viúva Negra?

ANTONIO GOBBO

Belo Horizonte, 29.03.2012

Conto # 722 da Série 1.OOO HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 22/03/2015
Reeditado em 22/03/2015
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