A MÃO DA MÚMIA
Há alguns anos, tomei conhecimento de uma estranha história protagonizada pelo mais famoso quiromante que o mundo já teve, o conde Louis Hamon, que usava o pseudônimo de Cheiro (a pronúncia é igual ao nome da capital do Egito, Cairo), e sua esposa.
Na década de 1890, o conde Louis Hamon estava trabalhando no Vale dos Reis, nas proximidades de Luxor, no Egito, e tinha uma boa amizade com um guia egípcio que lhe salvara a vida. Certo dia, quando anunciou que iria partir de Luxor e regressar à Europa, Hamon recebeu um presente desse guia.
– Mas é uma mão! – Exclamou Hamon, alarmado.
A mão estava em excelente estado de conservação. Era delicada e devia ter pertencido a uma mulher da nobreza. As unhas tinham uma forma perfeita e estavam cobertas de ouro laminado. No primeiro dedo havia um anel de ouro, no qual Hamon conseguiu ver alguns minúsculos hieróglifos.
De constituição sólida, como se tivesse sido esculpida em madeira maciça, a mão tinha uma cor que lembrava a da noz. Fora decepada praticamente no ponto em que se iniciava o pulso, e seus ossos tinham a brancura e o brilho de uma pérola.
Uma mão não é o tipo de presente que alguém gosta de receber. No entanto, o quiromante interessou-se por ela, quando o egípcio falou:
– A história dessa mão é verdadeiramente fantástica e tem sido passada de geração em geração através dos séculos.
– E que história é essa? – Indagou Hamon.
– Ela pertenceu a uma das filhas de Akhenaton e Nefertiti, a princesa Meketaten. Certa vez, a princesa Meketaten montou um exército e atacou o Templo de Karnak, em Tebas, numa tentativa de arrasar o poder dos adoradores do deus Amon de uma vez por todas e instituir definitivamente o culto ao deus Aton. Mas terminou sendo morta. Então, teve a mão decepada e mumificada. Durante vários séculos, a mão ficou exposta no Templo de Karnak, para que todos fossem testemunhas do poder indestrutível de Amon. Depois, minha família se tornou sua guardiã.
O egípcio fez uma ligeira pausa, olhou com veneração para a mão e concluiu:
– Dentro dessa mão está o ka, a energia vital da princesa Meketaten. E, agora, você está se tornando seu guardião.
Hamon voltou para a Europa; e, por mais de três décadas, a mão ficou sobre uma almofada carmesim, em sua sala de visitas.
Em 1922, Hamon e sua mulher residiam em Dublin. Como a Irlanda estava sendo abalada por disputas políticas, decidiram mudar para a Inglaterra.
Quando empacotava as coisas para a mudança, Hamon notou que a mão estava meio macia e que algumas gotinhas de sangue haviam vazado dos nós dos dedos e de sob as unhas. Imediatamente, o quiromante levou a mão a um farmacêutico, que, após examiná-la, deu seu parecer:
– Para que possa ser conservada e ter rigidez, deve aplicar nela uma camada de piche e verniz.
Hamon seguiu a orientação do farmacêutico; e, durante alguns dias, aquilo surtiu efeito.
Em 31 de outubro de 1922, uma terça-feira, estava tudo pronto para a mudança. A única coisa que faltava empacotar era a estranha mão mumificada de Meketaten, pois voltara a sangrar.
O casal, então, resolveu colocar um ponto final no problema. A mulher apanhou o Livro dos Mortos do Antigo Egito e leu:
– Ó Isis, que teu sangue atue! Que tua radiação atue! Que a força de tua magia atue! Protege, ó deusa, este poderoso espírito e evita-lhe o contato com os seres que lhe inspiram horror e repugnância!
Enquanto ela lia, Hamon jogou mão e almofada na lareira acesa.
No mesmo instante, as chamas tornaram-se mais brilhantes; e o ar ficou impregnado do delicioso aroma de várias especiarias. Hamon e sua esposa ficaram estáticos, olhando para a lareira, até a mão ser completamente queimada. Em seguida, certos de que tinham feito o melhor possível, retiraram-se para dormir.
Era uma noite clara e limpa. Porém, no exato momento em que o casal começava a subir as escadas, um vento forte os fez parar. O vento parecia reunir uma força tremenda, que castigava as portas de carvalho maciço. Enquanto Hamon e sua esposa olhavam horrorizados, pareceu desenvolver-se uma grande pressão contra as portas, que subitamente se abriram com estrondo. Lá fora, entretanto, não havia nada além do jardim banhado pelo luar.
Depois, do outro lado da porta, alguma coisa pareceu materializar-se. Em seguida, essa coisa movimentou-se pelo terraço e pela saleta de entrada, onde gradualmente começou a tomar forma e deu lugar a uma figura de mulher. Era muito bonita; e seu rosto, cujos traços denotavam nobreza e orgulho, voltou-se para o casal. Na cabeça trazia um adorno de ouro com formato de asas de escaravelho, cujas extremidades repousavam de forma graciosa nos ombros. No centro da testa havia uma argola dourada, que é o símbolo da realeza egípcia.
A figura ficou parada por alguns segundos. Então, começou a movimentar-se pela sala, olhando diretamente para Hamon e sua esposa. Suas duas mãos estavam juntas, como num momento de êxtase. Parecia estar tentando falar alguma coisa, mas de seus lábios não saía som algum. De repente, jogou a cabeça para trás; ergueu lentamente as mãos, formando um arco; e fez várias reverências para o casal. Depois, ainda mantendo a mesma postura, afastou-se, atravessou a porta e perdeu-se na escuridão.
Foi um espetáculo assustador demais; e, naquela noite, Hamon e sua mulher não conseguiram conciliar o sono.
Pela manhã, o quiromante revolveu as cinzas apagadas da lareira e encontrou o que restava da mão: alguns ossos meio queimados. Em seguida, viu o anel de ouro, intacto; e deduziu que o ka da princesa Meketaten tinha sido finalmente libertado da prisão criada havia vários séculos pelos sacerdotes do Templo de Karnak.
O mais estranho nessa história é que o ka da princesa Meketaten foi aprisionado pelos sacerdotes do deus Amon; e, 34 séculos depois, libertado por um homem com o sobrenome de Hamon. Agora, fica a pergunta: será que o conde Louis Hamon, com toda sua sapiência e seus conhecimentos de ocultismo, percebeu que havia uma analogia entre seu sobrenome e o nome do deus egípcio?