"O Demônio de Blackchapel" - Parte XVIII
Capítulo 18:
O Doutor
Aquele que chamava-se a si mesmo de "Doutor", fechou com cuidado a porta atrás de si e começou a caminhar lentamente pelo longo corredor que se estendia à sua frente. Andava a passos lentos, como se de alguma forma apreciasse o que acabara de fazer. Minutos antes, lançava a si mesmo a um de seus mais diversos costumes. O "Doutor", era um homem de hábitos, metódico, sempre seguia um procedimento que já adotara há tanto tempo que nem conseguia se lembrar mais. E desta vez não foi diferente, fazendo uso de uma máscara veneziana branca, lavou com extrema precisão os acessórios utilizados: facas, bisturis, e um cortador de unha, levando cerca de 20 minutos para higienizar tudo. Por fim, retirou sua máscara veneziana branca, e a lavou também, no entanto, o fez com um cuidado excepcional, um cuidado maior do que o que utilizara para lavar os demais instrumentos. Era como se aquela máscara tivesse um significado especial e único. Algo simbólico e profundo que preenchia a existência complexa do "Doutor".
Terminada a tarefa, pendurou a máscara perto da porta e antes de sair, virou-se para dar uma olhada no quarto, sem a pretensão de achar ou averiguar nada. Apenas virou-se para olhar. O lugar era pequeno e desconfortante, de iluminação precária e tom avermelhado. O silêncio agora era total. Não se ouvia um único som vindo de parte alguma. A respiração do "doutor" era agora tão viva e nítida como nunca fora. Tão ressoante como uma tossida em um grande teatro, durante a apresentação de uma orquestra em seus movimentos mais silenciosos.
Um cheiro especial tomava conta do ambiente, fundia-se com o silêncio de forma quase artística, conferindo um ambiente único e assustador. O "doutor" fechou seus olhos de forma lenta e inspirou, como se estivesse a apreciar o aroma. Era um cheiro apavorante, era um cheiro macabro. Era um cheiro de sangue e morte.
(...)
O homem abriu uma porta e atravessou um corredor que possuía apenas duas passagens, uma em cada extremidade. Não havia janelas e a única iluminação, vinha de um total de treze candelabros com duas velhas cada, dispostos nas duas paredes do local.. O piso fora revestido por um carpete vermelho cor de vinho e as paredes eram de um madeira nobre de tom escuro. O lugar, apesar de pequeno e obscuro, possuía certa elegância e sempre que passava por ali, o "Doutor"sentia um ar de renascimento, de sabedoria, de preponderância e de refinamento. Embora para ele, o mais artístico era o que geralmente acabava de fazer quando andava por ali, retornando à mansão.
Apesar do ambiente escuro, podia-se notar a presença de alguns quadros, cada um com o seu significado especial. Mas um quadro em especial, chamava à atenção. Localizada em cima da porta aonde o homem se dirigia, havia uma pintura peculiar. Uma figura masculina de terno, com asas negras de anjo, retirava uma máscara veneziana branca com tons de um vermelho vivo respingado, como se o artefato estivesse sujo de sangue e um grande sorriso. E ao relevar o rosto, uma surpresa ao espectador, não havia nenhum rosto. Apenas um grande abismo negro inundava a parte onde deveria haver a face do homem. Não havia ali, literalmente nada, apenas uma imensidão negra e sem fim. Não havia também cenário, apenas tons de cinza escuro que davam pano de fundo à pintura. Era praticamente impossível, passar por ali e não olhar aquele peculiar quadro que enfeitava de forma sombria, uma das extremidades do corredor.
Quando chegou à outra extremidade do corredor, parou em frente à porta e ficou ali parado, pensativo por alguns minutos, como se estivesse a refletir sobre suas ações. Logo depois, pôs a mão na maçaneta a abriu a porta.
Do outro lado da porta, o corredor dava para uma escada de madeira nobre, de exatos vinte e sete degraus. Na extremidade superior, havia uma outra porta que dava à uma grande e aconchegante biblioteca. Havia algo peculiar, a porta fazia parte de uma passagem secreta, localizada atrás de uma das várias estantes existentes ali. Quando uma dessas estantes se moveu, o homem surgiu e a estante voltou ao seu local original, escondendo então a passagem.
(...)
Após tomar um banho e trocar-se de roupa, trajando agora um elegante traje tenue de ville com camisa e sapatos sociais, uma calça de brim e um blazer, Dirigiu-se à sala de estar e ligou o aparelho de som e o pôs para tocar um CD que já estava inserido. Quando a música começou a tocar, um ar de erudição e espiritualidade encheu o grande salão. A obra era a Sonata para piano No.14, Op.27 de Beethoven, uma obra profunda e triste, melancólica e solitária, tal como a alma do homem pôs-se a ouvi-la naquele momento.
Logo depois, o homem direcionou até uma adega de vinhos e retirou um garrada, pondo o conteúdo em uma refinada taça. Colocou o vinho de volta e caminhou até um aparelho de telefone. Exalou o aroma do vinho e após tomar um gole tomou o telefone em suas mãos e digitou calmamente um número. Após um certo tempo, ninguém atendeu e a ligação caiu na secretária. Após o bipe, com uma voz charmosa e intensa, o homem falou:
- Olá Melissa...