Dois homens, uma vida
Roberto era um homem casado e que odiava passeios em família, apesar de viajar muito a trabalho. Era um homem muito caseiro. Sua esposa, Cláudia, jamais reclamava, afinal, Roberto sempre fora daquele jeito. Ele gostava de brincar com as crianças, jogar videogame, e as incentivava a brincar na rua e jogar bola com outras crianças. Ele tinha dois filhos rapazes.
Sávio era outro homem casado e que também odiava passeios em família, apesar de viajar muito a trabalho. Sua esposa, Inês, nunca o questionou por isso, pois ele havia sempre sido daquela forma. As histórias eram bem parecidas, mas n’uma análise profunda, eram extremamente diferentes – a iniciar pelas crianças: Roberto tinha dois meninos, Sávio apenas uma menina.
Ambos trabalhavam embarcados. Ficavam dois meses em alto mar e apenas um com suas famílias. Enquanto embarcados mantinham sempre contato com suas esposas. Quando estavam em casa, seguiam rotinas diferentes.
Roberto preferia fazer sexo durante a noite, quando as crianças já estivessem dormindo, enquanto Sávio preferia fazer no início da manhã, pelo mesmo motivo. Roberto gostava de ovos fritos no café da manhã e pão com manteiga, enquanto Sávio preferia pão de batata com queijo prato. No almoço, Roberto preferia pratos apimentados, enquanto Sávio optava por pratos sem pimenta. Roberto gostava de jogar videogames com seus dois rapazes, enquanto Sávio não brincava muito com sua filhinha. Roberto era romântico com sua esposa, já Sávio era mais sério e deixava o romantismo apenas para a cama, na qual Roberto era mais agressivo.
Seus ódios, no entanto, eram os mesmos.
Odiavam que insistissem para que saíssem de casa. Odiavam comer verduras. Odiavam que suas esposas ficassem muito tempo fora de casa devido ao longo período que passavam longe do lar, embarcados. Odiavam que seus times de Rugby perdessem. Odiavam gatos. Odiavam filmes infantis. Odiavam suas sogras. Odiavam várias coisas.
Um dia, Inês e Cláudia estavam no supermercado quando se esbarraram atravessando de um corredor para outro. Cláudia derrubou as compras de Inês e, sem graça, ajudou-a a pegar as coisas. Dali, passaram a conversar até o momento de se despedirem, quando Cláudia convidou sua nova colega para conhecer sua casa. Inês, de bom grado, aceitou o pedido. Estava marcado para a semana seguinte.
Seis meses após o encontro das duas na casa de Cláudia, teve início o julgamento desta. Ela havia, n’um desentendimento com sua, recém-feita colega, matado Inês por motivos desconhecidos. O marido de Cláudia apesar de ter sido, também, atacado com a mesma faca e ido em emergência para o hospital, era investigado por alguma suposta cumplicidade. Após investigações, Roberto foi liberado de qualquer suspeita sobre o assassinato.
Cláudia foi condenada a ficar doze anos na prisão, embora tenha ficado apenas cinco e cumprido o resto em liberdade condicional.
Três meses após a condenação de Cláudia, Roberto fez uma visita a sua amada. Queria entender o crime, o que motivou sua mulher a agir de maneira tão agressiva ao ponto de cometer um homicídio e deixar uma filha sem mãe. Sua mulher lhe respondeu que o motivo era amor e ciúmes.
Quando Cláudia saiu da prisão, voltou para sua antiga casa, na qual morava com Roberto. Seus filhos estavam pouco mais velhos e viviam sob a guarda dos tios, por parte de pai, e não fizeram muita festa quando sua mãe voltou para casa. Os pais de Roberto fizeram seus netos crer que seu pai estava preso por culpa de sua mãe – “tudo ia tão bem até ela tentar matá-lo!” eles diziam – e as crianças acreditaram.
Dois anos depois de Cláudia ser condenada, finalmente ocorreu o julgamento de Roberto. Ele era acusado de falsificação de documentos, bigamia e outros crimes. Sua condenação, por levar uma vida dupla, uma com Cláudia e outra com Inês, não foi muito adiante e pouco tempo depois estava cumprindo sua sentença em liberdade, tal qual a assassina de sua segunda esposa.
Certa noite, Cláudia apareceu na casa dos pais de Roberto, onde ele estava, e lhe pediu desculpas. Ela queria reiniciar a vida que outrora tiveram, embora jamais as coisas fossem ser da mesma forma. Entretanto, a moça afirmava veemente que tudo voltaria ao normal, e sua justificativa era que, havia muito tempo, ela sabia de tudo. Quando confrontada por seu antigo marido ela respondeu que sabia da vida dupla dele há alguns anos.
Ela começou a notar quando se questionou sobre o motivo de Roberto ficar dois meses embarcado e apenas um em terra – descobriu que o tempo que se passa no mar é o mesmo que se passa em casa – e começou a investigar. Ainda tinha dúvidas se Inês era mesmo a amante de Roberto, portanto planejou o encontro no supermercado de forma a conhecer melhor sua rival. Ali, conversando, percebeu que Roberto tinha criado um disfarce perfeito, mas que tinha algumas falhas. E seu marido lhe perguntou o que, para qual ela respondeu “um homem pode gostar de várias coisas diferentes, mas jamais consegue fingir gostar de algo que odeia”.
Os dois estavam em liberdade, poderiam voltar a viver juntos, mas Roberto não quis. Ele havia sido duas caras, duas pessoas, mas quando sentiu na pele o próprio veneno – sua esposa viver com ele sabendo de tudo e nada mudar para ela, planejar um crime de forma a não parecer premeditado – percebeu que era demais para aguentar. No fim das contas, um duas caras não consegue amar alguém de igual psicopatia.