Revolução no terreiro...
Andava em polvorosa o terreiro. Mas tudo a bico pequeno, pois se o galo soubesse, seria um veneno. As galinhas se queixavam, tramavam e conspiravam. Achavam uma injustíça tantos direitos ao galo e a elas, quase nada.
Por quê um só galo, com aquela plumagem colorida, aquela pompa toda: crista, barbelas, esporas, tudo reluzente e elas, simplezinhas, feito operárias no batente? Demais, o galo cantava na hora que lhe convinha, tinha voz, tinha pose e presença, mas precisam daquela ladainha? Seria mais para intimidá-las, mostrar quem era o rei do terreiro? O que subia mais alto no poleiro?
E depois, toda hora que queria aquilo não havia galinha, ou franguinha a resisti-lo. Se corresse, ele corria atrás, e zás! E não dava chance aos mais novos. Quanto franguinho, ainda ensaiando o canto era escamuçado pelo todo-poderoso galo, e quando menos se davam contas, já teria ido para alguma panela...
Queriam igualdade, nada mais que igualdade, as galinhas. Não chegavam a ponto de querer cantar - senão quando seus ovos botassem - ou de passar pra cima na hora das necessidades harmonais naturais, mas não achavam certo que um só galo se responsabilizasse por todas elas. Onde o romance, o envolvimento, a discussão da relação, a felicidade a dois?
Olhavam pros quintais vizinhos e não viam muita coisa que encorajasse, senão um ou outro galo mais atlético, daqueles bons de briga. Mas com os mesmos privilégios e vícios de seu senhor. Nenhum queria saber de concorrência em seus haréns. E curiosamente, apesar de algumas delas andarem beirando a cerca, eles não pareciam estar nem ali. Pular a cerca então, nem pensar. Será que eram respeitadores assim por estarem já fartos de oferta em seus próprios haréns? Ou seria temor de invadir o terreiro vizinho e ser esquartejado sem dó nem piedade?
Uma greve, alguma galinha sugeriu. Greve de sexo? Mas como, se o galo era absoluto, não lhes dava nem tempo de se encostarem numa parede para fugirem de seu assédio?
E as galinhas mais veteranas deram de cismar que havia muita franguinha fazendo charminho em excesso, iniciando a vida antes da hora, se exibindo, etc. Estas reagiram acusando as mais experientes de quererem monopolizar o reprodutor, e muitas delas já nem mais tinham postura regular, andavam em fim de ciclo e, egoístas não queriam dar vez às mais jovens.
Até que um dia caiu, não se sabe como, tudo aquilo no ouvido do senhor galo. Ele reuniu todas elas no galinheiro e lhes passou um sermão: onde já se viu tal traição, quererem alterar a ordem natural das coisas. Ele fora citado até no Evangelho, cantando duas vezes antes que Pedro traísse três a Jesus. Ele estivera também no presépio e não aceitava presepadas. Essas moderninhas - dizia - andavam muito enganadas com essas idéias revolucionárias, com suas lamentações despropositadas, ele estava ali para defender o terreiro, a pátria, a raça, a família, os bons costumes e patati, patatá.
No dia seguinte, após alguma cantada, e antes de qualquer trepada, virou empada. E a revolução deu em nada.