UM CADÁVER NO MEU JARDIM (cap. 5)
Cris chegou a se sentir tonto. Apagou a luz quase no mesmo instante que a acendeu e fechou a porta que separava a cozinha da sala com um estrondo. Pegando Poncho pela coleira, o garoto arrastou o cachorro até o jardim. Por nenhum momento o cão soltou o pé de Tereza, que exalava um fedor pavoroso.
- Solta este troço, Poncho! – murmurou Cris sacudindo o bicho para que ele largasse o pé.
Mas não teve jeito. Poncho parecia estar gostando muito do pé de Tereza e mantinha os dentes cravados ali. A cova havia sido escavada pelo cão e Cris, apesar do escuro, pôde ver o cobertor cor-de-rosa de Amanda por entre a terra.
- Solta, Poncho! Puta que pariu, cachorro, solta esta merda!
Como o cão não havia jeito de largar o pé de Tereza, Cris pegou um balde, encheu de água e jogou sobre ele. O bicho latiu, incomodado, e o soltou. Mais que imediatamente, Cris chutou o pé para dentro da cova, empurrou com um cabo de vassoura bem para o fundo e pulou histérico sobre a terra até que esta ficasse lisa. Com a calça embarrada e um cão molhado sacudindo-se todo ao seu lado, Cris era a imagem do desamparo. Para não correr o risco de Poncho desenterrar o corpo inteiro, o garoto se viu obrigado a amarrá-lo junto à casinha. E que lá ficasse de castigo a noite toda.
Amanda observou a cena do seu quarto, no terceiro piso da casa. Um cachorro esfomeado, um irmão transtornado, um pé humano enfiado dentro de uma cova rasa, a empregada desaparecida.
Sua família era demais.
*
Cris passou reto pela sala, ignorando pais e irmão. Não passou despercebido a sujeira das calças do jovem e sua pressa em alcançar o andar de cima. Carlos murmurou:
- Acho que ele se desentendeu com o Poncho.
André sentiu o coração acelerar. Pressentindo que algo havia acontecido – e grave -, ele disfarçou e disse:
- Bem, se vocês me dão licença, estou achando este filme uma merda e vou dormir. Boa noite.
- Mas você não acabou de dizer que o filme era excelente? – perguntou Marília sem entender nada.
Aquela altura André já estava na metade das escadas, quase no encalço do irmão. Ela olhou para o marido e comentou:
- Estes dois garotos estão muito estranhos. Você não acha?
- E alguém é normal nesta família?