610-UMA FORTUNA MISTERIOSA-Mistério e Suspeita
CONTINUAÇÃO DOS CONTOS ANTERIORES
#608 - PAVOR NA RODOVIA
#609 - A CHAVE QUE VEIO DO ALÉM
Viajava muito devido a minha profissão, e só nos feriados mais longos (como Natal, Carnaval, Semana Santa, etc.) é que permanecia em casa, em dias de merecido descanso com minha família.
Não havia me refeito dos estranhos acontecimentos narrados anteriormente (1) ocorridos no Natal de 1968. Toda vez que pensava naquele camarada na rodovia, me entregando um envelope com chave que abriu o baú da felicidade de uma viúva, um frio me corria pela espinha. Me sentia incomodado por ter sido usado de maneira tão — digamos assim — misteriosa e sobrenatural.
Durante os dias de carnaval de 1969, estava eu em casa, aproveitando para ver os cadernos das crianças, todas cinco estudando em escolas públicas ou no Colégio Professor Alencar Assis.
Era segunda feira e minha mulher havia saído para algumas compras no centro da cidade. Eu havia insistido para que ela fosse no carro, mas ela não quis.
— Deixa na garagem, Joaquim. Vou num pé e volto noutro. — disse Eleonora.
A campainha da porta tocou alguns minutos após. Fui atender. Dois rapazes e uma mulher estavam de pé. O sol batia em suas costas e não vi suas faces.
— Sim? O que desejam?
A mulher se adiantou, entrando na área sombreada. Reconheci-a, então.
— A senhora...
— Bom dia, doutor. Nós precisamos conversar com o senhor.
Era a mulher a quem tinha levado a chave, há mais de dois meses, no dia de Natal do ano passado.
— O senhor me desculpe, mas os meus filhos insistem em conversar com o senhor.
Ao relembrar aquela tarde em que cumpri a promessa feita a um fantasma —agora tenho certeza—, voltaram todo o pavor que senti na estrada e o medo de me envolver com a herança deixada no baú de metal. Entretanto, por mais que não quisesse me envolver com a história —já estava metido nela até o pescoço— por questão de educação, disse:
— Entrem. Não podemos conversar aqui na porta. Entrem.
Os três entraram. Ela parecia em melhores condições do que no dia em que a visitei. O olhar estava vivo, as feições rosadas —poderia ser uma maquiagem—, o cabelo bem penteado. Trajava um vestido de seda coral, muito vistoso e que brilhava na claridade da manhã. Sapatos de salto e meia fina, tudo muito elegante.
Os dois rapazes tinham a mesma estatura e a mesma pele morena, cabelos negros. Um era um pouco gordo e o outro...magro como o pai — quer dizer, como o tipo que apareceu na estrada naquela noite que mais parecia um pesadelo.
— Sentem-se, por favor.
Sentaram-se. Ela tomou a iniciativa na conversa.
— Eu não queria vir, mas eles — e olhou para os moços — é que insistiram.
Ficamos em silêncio. Eu não tinha nada para dizer. Será que o pesadelo não acabou? pensei.
— Primeiro tenho de me apresentar: meu nome é Berenice. Naquele dia a gente nem se conheceu direito. O senhor saiu de repente. Nem sabia onde morava.
— Sim. Mas como é que me encontraram?
— Pelo carro. Vi que o senhor tinha uma Vemaguete amarelinha e os meus filhos tanto procuraram pela cidade que viram na frente de sua casa.
— Mas o que querem de mim?
— Em primeiro lugar, a gente quer agradecer o senhor pela entrega da chave. Mas deixa eu dizer os nomes de meus filhos. Este é Carlos e aquele ali é o Luiz.
Apertamos as mãos.
— Prazer.
— Muito Prazer.
— Meu nome, não sei se vocês já sabem, é Joaquim.
— Pois é — disse o rapaz que estava quase ao meu lado, Carlos, o mais magro. — Nós queremos agradecer o senhor e oferecer uma recompensa.
Não gostei. Não sei se não gostei da palavra ou da voz do rapaz, que me lembrou a voz do...fantasma. Respondi de chofre:
— Não quero. Não quero recompensa nenhuma. Só cumpri minha parte no trato.
— A gente não sabe por que o senhor levou a chave pra mamãe. — agora era o Luiz quem falava. — Também não queremos saber. A caligrafia no envelope é igual a de papai, que Deus o tenha. E a chave a gente pensava que estava perdida, no local do acidente. E ninguém imaginava que papai pudesse ter guardado tanto dinheiro.
— Por isso pensamos em lhe agradecer...com um pouco daquele dinheiro. — Disse Berenice.
— Já disse. Não quero. — Eu estava ficando de saco cheio com aquela história.
Devo dizer que quando vi aquela dinheirama no baú, pensei instantaneamente Como um simples caminhoneiro pode ter guardado tanto dinheiro?A mesma pergunta voltou. Se fosse dinheiro ilegal, roubado, sei lá, fosse o que fosse, eu não ia meter a mão naquilo, de jeito nenhum.
Mas a curiosidade me instigou a perguntar:
— Seu pai...como se chamava?...sempre foi caminhoneiro?
— Sim. Ele se chamava Romualdo e sempre trabalhou com o caminhão.
— Ganhou muito dinheiro, então. — Falei baixo, para mim mesmo.
— Era muito econômico — Disse Berenice.
— Bom, mas o caso é que vocês podem fazer bom proveito da fortuna deixada pelo seu pai, pelo marido bom e trabalhador que foi. Romualdo. Romualdo de quê?
— Romualdo Carneiro Guimarães. Ele me falou que entre os amigos de estrada o chamavam de Guima. — Disse ela.
Um silêncio caiu entre nós.
— Bem...— Quebrei o silêncio.
— Nós insistimos na recompensa. O senhor foi muito honesto.
— Que nada. — Eu disse. — Olha, façam o seguinte: façam doação da quantia que pretendem me dar, a uma instituição de caridade.
Notei que a idéia não agradou a nenhum deles.
— Olha, doutor Joaquim... — começou a mulher.
— Não sou doutor, minha senhora. — retruquei com certa aspereza.
Ela continuou, aparentemente sem me ouvir:
— ...eu não queria contar, mas meu marido tem aparecido em sonhos e me mandou que eu entregasse a metade do dinheiro pro senhor.
Puta merda! Mas esta história não tem mais fim. — Pensei.
— Não, não quero mesmo. Vocês façam o que quiserem com parte que pretendem me dar.
Pareceu-me que eles ficaram muito decepcionados com minha recusa. Vendo minha firmeza, levantaram-se e se despediram sem muito entusiasmo.
Mal sabia eu que estava completamente enredado que aquela gente e com a fortuna de Romualdo Carneiro Guimarães – o perigoso Guima, como eu viria a saber mais tarde.
ANTONIO GOBBO
BELO HORIZONTE, 03.06.2010
Conto # 610 da SÉRIE 1.OOO HISTÓRIAS