O Nariz de Poliana
Há conheci quando ela havia acabado de completar vinte anos, eu tinha dezenove. Poliana era linda. Namoramos por três anos. Embora seu corpo torneado naturalmente fosse estonteante, o que mais me atraia nela era o seu atrevido nariz. Um nariz afilado e harmonioso. O ângulo formado entre ele e o lábio superior era em torno de 100 graus. Eu mesmo medi. De um tamanho médio, com narinas pequenas, arrebitado para céu no ponto exato de deixá-la petulantemente irresistível. Uma verdadeira obra de arte aquele nariz.
Nós nos encontrávamos todas as noites no jardim de sua casa. Nas horas em que seus pais se ausentavam, ou iam dormir, nos acomodávamos no sofá da sala e começávamos a “sessão coruja”. Passávamos horas em amassos quentes. Contudo, ela não cedia. Nunca cedeu. Ficava sempre por um triz. Apesar das minhas sinceras e um tanto dramáticas juras de amor.
Ela sempre dizia que não era a hora, que não estava preparada, e que só faria sexo depois de casar. Eu a admirava por sua postura e a amava ainda mais por conta disso, no entanto, minha cabeça de baixo, a que não pensa, não a compreendia.
Eu estava diante de um grande dilema. Enquanto minha mente racionalizava, trazendo com ela todos os preceitos morais e religiosos que formavam meu caráter, que gritavam em minha consciência advertindo-me sobre o mal da fornicação, o meu corpo urrava pelo dela. Uma força alucinada me possuía, tornando-me cego de desejo.
Eu voltava dos encontros com o saco doído e túrgido de desapontamento. Nunca fui adepto da masturbação. E sofri muito por conta disso. Fui criado seguindo rigorosamente os mandamentos de Deus. Mesmo eu não acreditando muito naquilo que me doutrinavam, certos ensinamentos, especialmente as lições sobre pecados e suas punições, enraizaram-se em mim fortemente.
Minha tia Zulmira, - a mulher que me criou -, controlava meu tempo de banho, e quando eu me demorava um pouco a mais em baixo do chuveiro, as pancadas na porta não tardavam em chegar seguidas das amedrontadoras palavras: “Meu filho, saia logo daí, lembre-se que Ele tudo vê, sobretudo aquilo que fazemos dentro do banheiro.”. Porém, eu não via Ele, e achava que era assombração, assim como o Raul.
Hoje em dia estou livre desta perseguição e bisbilhotice metafísica; graças a Deus.
Meu primeiro orgasmo acordado foi inusitado, - até então eu só havia sentido sensação igual dormindo e levantava-me constrangido e orava fervorosamente pedindo perdão -, aconteceu num sarro em uma amiga, numa fila para comprar ingressos para um show de uma banda de rock. As pessoas aglomeraram-se em frente a bilheteria, provocando um grande empurra-empurra. Ficamos colados, e naquele vai e vem, com a moça a minha frente e o meu pau roçando em sua bunda, ao passo que os seios da desconhecida que estava atrás de mim se espremiam em minhas costas, não me controlei e tive uma potente ereção e ejaculei tão poderosamente que quase caí em decorrência da tremedeira que acometeu minhas pernas. Senti que ela havia percebido, no entanto, pareceu não ter se importado, já que sempre que ela sabia de um novo show, me ligava convidando-me para acompanhá-la. Eu tinha dezesseis anos.
Num dia em que nos encontrávamos no sofá, eu e Poliana, assistindo televisão, depois de mais uma tentativa de avançar o sinal sem êxito, ela deitada em meu colo, olhando para a TV, eu admirando seu lindo nariz, que de perfil ficava muito mais tentador, tive a impressão que ela não estava bem. Parecia distante, triste; arredia. Falei-a sobre minhas impressões, que foram refutadas de imediato por ela, que culpou uma cólica terrível por seu comportamento esquivo. Despediu-se com um beijo morno e dizendo que eu só viesse na sexta-feira, pois estava muito atarefada com a faculdade, muitas provas, e não teria tempo para me ver durante a semana.
Achei estranho, entretanto, nada disse, nunca fui afeito a discussões, e sempre comportei-me de forma indolente nos meus poucos relacionamentos amorosos. Não obstante ao queimor que fervilhava minha alma, meramente balancei minha cabeça em concordância. Ainda era domingo e, em três anos de namoro, nunca havíamos ficado tanto tempo sem nos ver.
Passei a noite em claro, perdido em elucubrações sinistras. Com a chegada da segunda-feira e o corre-corre diário entre o curso técnico em química e o estágio remunerado na fábrica de sabão, acabei serenando e os dias passaram quase tranquilos.
As noites eram mais difíceis e meus testículos a cada dia ficavam mais entumecidos. Eu estava irremediavelmente apaixonado por Poliana, e ficar sem vê-la, sem tocá-la, sem beijá-la, me transtornava. Seu cheiro, sua voz, seu calor, faziam meu coração disparar. Sem falar naquele narizinho. Ah, aquele narizinho....
Havíamos conversado por telefone uma vez. Foi ela quem me ligou, o que era um bom sinal. Sua voz nada lembrava a apatia do domingo, assim mesmo ela retificou que eu só poderia vê-la na sexta. Contudo, não aguentei esperar o combinado e resolvi visitá-la na quinta, sem nenhum aviso prévio. Faria uma surpresa.
Quando cheguei na esquina da casa de Poliana a vi conversando diante do portão com um homem de cabelos grisalhos. Eles estavam se despedindo. E ele antes de partir em seu carro, deu três beijos nela. Dois em suas faces e o terceiro na ponta empinada de seu belo nariz. Ela sorriu e passou a mão carinhosamente no rosto dele. A visão da cena me atingiu em cheio. Paralisei. “Como ela pôde permitir que outro homem a beijasse no nariz? No nariz não! Ele é meu, só meu!”. Grunhi.
Caminhei vagarosamente, tentando controlar meu ímpeto e minha fúria. Eles não haviam me visto. Por isso, esperei que ele fosse embora e quando ela travava o cadeado eu apareci de supetão e disse:
— Então foi por isso que você não queria me ver estes dias? Hein? — Ela assustou-se, ficou pálida, entretanto, rapidamente recuperou sua cor e torceu seu nariz arrebitado, fazendo a cara mais linda e mais arrogante do mundo.
— Tá doido, Pedro, quer me matar de susto?
— E você tá querendo me matar de decepção? — Retorqui sério, controlando minha raiva e minha vontade de gritar. Meu sangue fervia, minha boca estava seca e meu pescoço queimava.
— Você tá me espionando, é? — Ela falou ao mesmo tempo em que abria o cadeado. Entramos. O carro de seus pais não estava na garagem, eram oito da noite.
— Quem era aquele coroa, Poliana? Hã? Me diga logo, não enrola.
— Só um amigo.
— Desde de quando você tem amigos daquela idade? O cara tem a idade do meu pai, porra! — Aumentei o tom de minha voz. Ela não gostou.
— Que isso, Pedro? Se controla, não fala assim comigo! — Ela falou ainda mais alto do que eu.
O clima estava pesado. Eu andava de um lado pro outro como um felino encurralado. Ela me olhava num misto de espanto e indignação. Ela nunca havia me visto daquele jeito. Eu nunca havia me visto daquele jeito.
— Como posso me controlar se eu vi um fulano beijando a minha namorada? Hã? Me diga! — Disse quase gritando.
— Deixa de ciúme besta, ele é meu professor e me deu uma carona pra casa, só isso. — Ela falou com mais serenidade, tentando acalmar os ânimos.
— Como assim só isso? Ele beijou o seu nariz.
— E daí?
— E daí? E daí? É só isso que você tem a dizer? Ele não pode beijar o seu nariz, você não podia deixar ele chegar nem perto do seu nariz, quanto mais permitir que ele beijasse o seu nariz. Esse cara tá querendo te comer, caralho, você não percebeu? Isto se ele já não comeu. — Minha voz tremia, minha mão tremia, eu estava quase chorando de ódio.
— Agora você passou dos limites. Saia já da minha casa. AGORA! — Ela gritou.
— Você é uma PUTA. — Também gritei, quase cuspindo em sua cara.
— SEU MOLEQUE DESGRAÇADO! FILHO DA PUTA — Ela me xingou e acertou-me uma tapa na cara. Empurrei-a com brutalidade. Ela tentou correr para as escadas da casa. Segurei-a pela blusa e puxei-a violentamente para mim, fazendo com que o tecido se rasgasse, ela não usava sutiã, e seus seios se mostraram, duros, fartos, tão atrevidos quanto o seu nariz. Soquei-a na boca. Ela caiu no sofá. O sofá em que namorávamos. O sofá que ela brincava comigo, o sofá no qual ela me fazia de tolo, no sofá em que eu padecia de desejo todas as noites. Todas as longas noites naqueles três anos.
Despedacei o que restava de suas roupas e a possuí a força. Ela parecia em estado de choque. Apenas chorava, enquanto eu matava minha tara, saciava minha lascívia. No momento do gozo, abaixei minha cabeça de encontro ao seu rosto, escancarei minha boca e arranquei com uma mordida o objeto de minha obsessão. Neste mesmo momento, os pais dela abriram a porta, e viram horrorizados o rosto ensanguentado da filha. Seu Afonso, o pai de Poliana, voou sobre mim e retirou-me de cima dela. Ele estava pronto para me socar, mas afastou-se quando viu meu sorriso maligno e avermelhado, com o nariz de Poliana entre meus dentes.
Paguei cinco anos em regime fechado pelos meus atos e Poliana não morreu. Recuperou-se a contento, fez plástica e está bonita como sempre fora. Todavia, seu nariz nunca mais foi o mesmo depois de mim.
Sou um homem arrependido e em paz atualmente. Mudei-me de cidade e hoje namoro uma bela mulher, a Darci. A Darci tem orelhas incríveis.