394-ZÉ DA MOTOCA E OS LEÕES-
De repente, ao fazer uma curva da estrada, o motoqueiro dá de encontro com um grupo de leões estendidos sobre o asfalto, aquecendo-se ao sol ameno da manhã.
- Putz! Que merda é essa? Devo estar sonhando.
Acostumado a milhares de situações estranhas e experiências inusitadas, vivenciadas durante sua vida de aventuras, Zé-da-Motoca não acredita nos próprios olhos e só consegue frear a motocicleta a poucos metros do bando. Num relance, conta os componentes do grupo: um leão e quatro leoas.
O encontro foi inopinado. Os bichos estavam deitados, logo após uma curva, onde a estrada passa entre dois altos e íngremes paredões. Quando deu por si, estava frente a frente com os leões. Alertado por sua aproximação, o macho se levanta e encara fixamente o homem na moto. Quando o veículo pára, homem e animal se encaram, distantes apenas dois metros um do outro
Apavorado com inesperado encontro, Zé não se detém na verificação dos detalhes. Vira o guidão e num átimo, está percorrendo a estrada no sentido contrário, retornando a Tabatoa, de onde vinha.
- Ainda bem que verifiquei os freios da moto em Tabatoa. Se não freasse a tempo, acabava misturado com os bichos. Cruz-Credo!
A paixão de Zé Mirinda sempre fora motocicletas. Mecânico por profissão, dedicava maior parte do tempo consertando motos e a elas se afeiçoou. Até o dia em que, dando asas aos seus anseios, comprou uma e saiu pelo mundo. Batizou-a com seu apelido, Mirinda e a tratava como se fosse sua namorada ou amante. Seu propósito era ir de sua cidade até Brasília, percorrendo mais de mil quilômetros. Levava consigo o suficiente para paradas onde desejasse. A princípio, nem era notado por onde passava, mas à medida que a quilometragem percorrida aumentava, foi sendo alvo de notícias aqui e ali. De Zé Mirinda passou ser conhecido como Zé-da-Motoca.
O percurso até Brasília demorou pouco mais de dois meses. Chegou à capital federal precedido pelas notícias e foi recebido pelo Presidente Lula, que tentou dar uma voltinha montado na moto. Entusiasmado e gostando da vida de motoqueiro de estrada, ampliou seu objetivo. A partir de então, tendo realizado seu primeiro sonho, partiu para outro objetivo: percorrer todos os estados do Brasil, com incursões nos países vizinhos, onde fosse possível. Estava há seis anos nesta vida de cigano motorizado, quando topou com o bando de leões na estrada, no interior de Pernambuco.
Zé-da-Motoca voltou apavorado, acelerando a Mirinda ao máximo.
Agora entendo porque aquele motorista do Corsa piscou diversas vezes pra mim. "Quis me avisar, mas o desgraçado vinha que nem um louco, quase me atropela".
Quando Zé-da-Motoca chegou na Delegacia de Tabatoa, os policiais já se preparavam para ir até o local. A notícia, dada pelo motorista do Corsa, despertara a curiosidade do pessoal. Muitos nem acreditavam na história.
O jipe do delegado de polícia foi seguido por dois caminhões e diversos carros. Os leões ainda permaneciam no mesmo lugar, gozando das delícias do sol matutino. O movimento da estrada ou era muito pequeno, ou todos os usuários que tinham topado com os leões teriam fugido sem falar nada.
Como acontece nessas ocasiões, há sempre um elemento mais afoito, que se mete a corajoso ou valentão, Garibaldo foi um dos primeiros a chegar. Sem pestanejar, avançou até onde estavam os animais e começou a conversar com eles. Uma conversa mansa.
— Pode chegar, gente. Os bichos são mansos. — gritou para os companheiros, que o observavam, bem distantes.
Sim, os bichos eram mansos (até onde leões e leoas podem ser considerados “mansos?) e aceitaram a conversa de Garibaldo. Não fizeram tenção de agressão nem fugiram.
Pedidos de reforço foram enviados à cidade mais próxima, de onde vieram dois caminhões com jaulas e funcionários do Ibama. Na mesma tarde, devidamente engaiolados, leão e leoas foram para um local apropriado, de onde seriam distribuídos a zoológicos.
Não se sabe de onde vieram os leões. Provavelmente foram abandonados por algum circo que passou pela região, do que não há registro. Zé-da-Motoca, considerado na ocasião um “herói”, não gosta nem de lembrar os momentos pavorosos que viveu quando, com sua Mirinda, topou com os leões na estrada de Tabatoa.
Antonio Gobbo -
BH, 25 de abril de 2005. –
Conto # 394 da série “Milistórias