Era noite quando o dia finalmente chegou.
Era noite quando o dia finalmente chegou…
O sol se levantava amarelado no horizonte, com raios ainda pálidos que batiam na janela de Marie, dizia “acorde, está mais do que na hora”. Era sempre assim quando o dia estava a iniciar, sempre a mesma voz dizia a mesma coisa. Mas aquele dia fora diferente, a luz disse algo mais “Acorde!! Deve estar bem, hoje é seu fim. Há de ser triste, pleno, e belo”.
Marie levantou-se em um pulo. Os olhos estavam esbugalhados tal qual o cabelo desgrenhado. Ela olhou lá fora, de trás da enorme janela de vidro de seu quarto. Lá estava o sol “sínico”. Ela fitou-o por alguns minutos e então decidiu que fora só um sonho. Levantou-se e vestiu-se. Penteou os cabelos castanhos, observou-se no espelho enquanto o fazia, os olhos negros eram um abismo, os lábios rosados uma trouxa de carne perfeitamente esculpida. A roupa que se vestiu mostrava os ombros delicados e revelava com certa cautela uma fenda entre os seios. Algo simbólico.
O quarto estava claro, bem como o campo verdejante lá fora, sua casa feita de madeira ficava em um lugar belíssimo, cercado por campos.
Abriu a porta do quarto, e prostado na frente dela estava Senhor, o gato que ganhara quando pequena, tinha pelagem cinzenta e olhos verdes. Senhor esfregou-se curiosamente em sua perna, raras eram as vezes que se mostrava tão afetuoso. Ela o pegou no colo com certo espanto e alegria. O gato lambeu-a e se contorceu para ter o máximo de contato com ela. “Deve de estar carente” pensou, “ou será fome?”. Correu e colocou a ração de Senhor que não ligou nem um pouco, arrastou toda sua fofura para a dona novamente, que sorriu e o agarrou com força. Ela adiou o café da manha para demonstrar amor ao gato, que por vezes a olhava como se fosse dizer algo e... Miava. “mas que fofura”.
Logo após o café foi até lá fora onde gostava de observar a paisagem, o céu estava lindo, o sol benevolente e os campos encantadores. E lá estava Senhor, olhando-a do chão e miando. Esfregou-se em sua perna e seu miado passou a parecer triste e desolado. Ela não entendeu.
Marie passou o dia a perambular pela casa, arrumando aqui e ali. Tratou de regar as plantas que pareciam mais murchas do que de costume, e mais desbotadas também. E a todo momento, lá estava, com toda fofura Senhor a inclinar a cabeça e desatar a miar. Ela o olhava e sorria abaixando e fazendo carinho na sua cabeça.
A noite em fim chegou, ela foi se deitar, mas dessa vez deixou Senhor entrar e ficar na cama com ela. A janela descortinada revelava a lua cheia e branca. Sua luz era fraca, mas bela e agradável. Marie sentiu um aperto no coração, uma lágrima desceu de seu rosto. A luz da lua bateu no vidro e ela ouviu “é chegada a hora” o gato agora miava descontroladamente, lambia-a e ela nada entendeu.
Senhor parou de miar, afastou-se e foi em direção onde a luz da lua não alcançava, Marie grunhiu, seu coração parou, sua pele empalideceu, seus olhos não mais enxergaram, seu corpo se esvaiu, seu gato, Senhor, miou, sua vida se foi, Marie.... Morreu.
Era vida quando a morte finalmente chegou...