QUANDO SE SONHA COM FLORES

Não sabia de que modo acordar.O sonho estava intenso,de modo que não tinha pleno controle de suas vontades.Os olhos não abriam,as pálpebras pareciam ter mais de duas toneladas.Podia mexer seu globo ocular,mas não abrir os olhos.

Sentia um cheiro doce,cheiro de flores.Cheiro de rosas molhadas com gotas de chuva.Aquele odor doce e suave que sobe quando a chuva passa,misturado com o tradicional e bem vindo cheiro de terra molhada.Um cheiro magnífico.

Sabia que estava sonhando.Sabia que em breve acordaria daquele sonho bom,então,quis aproveitar ao máximo toda aquela situação.Aquele momento.Estava adorando.E muito.

Podia sentir o colchão macio sob seu corpo,era como se estivesse acordado,como se estivesse dividido entre sonho e realidade.Nunca havia sentido aquilo.Apenas lembrava que na noite anterior,estava numa festa de fomatura,vestido a caráter,com os cabelos engomados.Lembrava de seus amigos apertando sua mão e dando-lhe parabéns.Após seis anos,estava se formando.Sabia que estava feliz,sabia também que,com certeza,havia bebido muito e todas.Muito mesmo.

Voltou a se concentrar no cheiro das rosas,no cheiro das flores.Era um cheiro gostoso.Ele nunca havia parado para reparar,precisou um sonho meio que real demais aparecer para o fazer perceber as coisas simples e boas da vida.Cheiro de flores.Por que não havia reparado antes?Por que só reparava em mulheres,por que só reparava nas novas tecnologias,nas novas formas de ganhar dinheiro sentado em frente a um computador clicando e desclicando.Sentiu-se um tolo.Quando acordasse,tudo seria diferente.Passaria a prestar atenção no voô da gaivota e no seu rasante dentro do mar a procura de sua comida.Até nas pessoas que,logo pela manhã,pegavam o elevador junto dele,passaria

reparar.Não que já não reparasse,mas não repararia apenas a cara de sono de todos os presentes,e no hálito horrível daqueles que bocejavam sem proteger a boca,fazendo assim aquele cheio indecifrável de café e "sabe-se lá o que".Passaria a reparar em suas qualidades.

Não sabia se era pessimista.Não sabia se era o tipo de pessoa "down",que via problemas no simples fato de que,ao colocar uma toalha molhada em cima de uma cama,você estaria dando vida a fungos que,mais tarde seriam muito prejudiciais a sua saúde.

Enfim,mesmo que fosse pessimista,a partir do momento em que abrisse os olhos,mudaria.Só se importaria com iguarias da vida.Só com as coisas boas que estão a nossa volta e não vemos...ou não queremos.

O cheiro de flores esta intenso.

Aquele cheiro que era doce,mas que não enjuava-o.Estava adorando o silêncio.Acreditou estar em transe.Não podia estar dormindo.Não mesmo.Mas estava.Seus olhos estavam fechados,e os sonhos ali,passando diante de seus olhos,com força total,embalados por um silêncio como trilha sonora,e pelo aroma das flores.Não sabia que era tão bom se sonhar com flores.Se soubesse que quando se sonha com flores a sensação seria sempre aquela.Uma sensação de liberdade incomparável com qualquer outra.

Tentou abrir os olhos outra vez.Em vão.Uma brisa suave correu pelo seu corpo e parecia levá-lo para algum lugar,um lugar além do arco-iris.Lembrou-se do filme "O Mágico de Oz",que seu pai costumava colocá-lo para ver quando era criança.Engraçado lembra-se de algo assim após vinte anos.Tinha trinta.E adorava este filme até o presente.Lmebrou da menina principal do filme,Doroti...que ao final descobre que a cidade esmeralda,e tudo que vivera na terra de Oz era fruto de um sonho,onde os personagens eram todos conhecidos seus.Sempre quis ter um sonho daqueles,e acreditava ser aquele o momento.

Tentou outra vez abrir os olhos.E reparou que,a cada tentativa,o cheiro das flores aumentava.Como se ao tentar abrir os olhos,abrisse uma porta,e,assim o cheiro entrava.Quando parava de tentar,o cheiro se atenuava.Mas,se pensasse em abrir seus olhos pesados...o cheiro eclodia como um jato de perfume vindo de seu spray.

Resolveu desistir de acordar,pelo menos de tentar acordar.Ficou ali parado.Lembrando de sua vida,e de sua última noite.Lembrou-se de Karina,lembrou-se de como ela pegou suas mãos para dançar no meio da pista de dança alugada pela sua faculdade.Foi um momento lindo,pois sua timidez havia ido embora assim que o alccol entrou em seu organismo.Podia se sentir a vontade,vendo aquela ruiva de seus sonhos dançando dentro de seu vestido azul de seda,mexendo seus cabelos vermelhos e com cheiro...de rosas!

O colchão estava mais macio.Mais leve,e suas costas nunca haviam tão bem.

Karina não saía de sua cabeça,lembrou-se bem dos dois dentro de seu carro,conversando sobre futebol,economia e sobre outras coisas,como,por exemplo,filmes pornôs.Nunca havia imaginado conversar com ela aquilo.Nunca imaginou escutar daqueles lábios doces,palavras tão esplícitas e frases tão vulgares.Nunca mesmo.Nunca imaginara que fosse viver aquele momento.Não queria que acabasse,mas acabou.Foi aí que sua mão arrastousse até seu vestido azul de seda,foi aí.que seus dedos percorreram por sua virilha podendo sentir a pele se arrepiando.Ela então esquivou-se.Afastou-o delicadamente,com um sorriso simpático de quem sabia o que estava fazendo.

Lembrou-se que nesse momento sentiu raiva.Pois ela sabia que era a dona da situaço,por ela,aconteceria ou não,pois ela decidiria.Por ele,ela já estaria nua ali,com a cabeça entre suas pernas.

Tentou abraçá-la de novo,em vão.Ela parecia não estar a vontade.E o sorriso simpático já

dava lugar a um sorriso de constrangimento.

Ela ajeitou seu vestido.Ajeitou-o de modo que ficou claro que pretendia sair da li e voltar para a festa.O grande momento de sua vida havia acabado ali,pensou ele.Pensou também em abraçá-la outra vez,mas fez algo que julgou melhor,ligou seu carro.

Ela insistentemente pedia para abrir a porta e deixá-la sair.

Acelerou.

Ela pediu por favor.

Buzinou sorrindo e mudou de marcha.

Ela deu-lhe um tapa no rosto,e começou a se debater.

Ele sorria.O alcoól estava falando por ele.O alcoól e seus desejos contidos até ali,durante seis anos de faculdade.Os "cuba libres",as "margueritas",as "caipirinhas",todas elas abriram as portas para que a timidez saísse e os desejos contidos entrassem.

Desejos estes que ele poderia ter controlado,se prestasse mais atenção no cheiro das flores do salão,um cheiro que sua mente não fez notar de imediato,mas que ficara guardado na profundeza da mente,voltando à tona somente ali,quando seus olhos se recusavam a abrir.

Acreditou serem seus desejos contidos.Eram eles que não queriam que o sonho bom acabasse ali,queria mais,mas não lembrava.Só lembrava da luz estranha que saía dos olhos de Karina.E de como olhava para os seus olhos,pedindo por favor para que parasse.

O cheio das rosas se tornou mais forte,e,agora podia ouvir vozes ao longe.O silêncio havia acabado.Acreditou estar acordando.

Estava preparado para acordar e mudar sua maneira de perceber as coisas da vida.Iria pedir desculpas a ela.Iria compra-lhe flores.A presentearia com rosas.Precisava dizer que a queria,precisava dizer que a amava.

Sentiu uma dor leve na parte lateral de sua cabeça.Que,lentamente se deslocou para sua nuca.O cheiro foi se tornando real.Um flash dos olhos de Karina,aquele brilho estranho,uma

buzina insistente.Um grito.O gosto de alcoól na boca.O cheiro das flores.A formatura,sua influência,seu pai,o filme "O Mágico de Oz"..de repente,como numa canção que chega ao seu ápice,abriu os olhos como uma explosão de força.

Levantou-se de sua cama.Estava frio,estava sozinho.

Andou até a sala e pôde ver sua mãe,seu irmão,e alguns amigos sentados no sofá,enquanto,outros de pé,cercavam algo no centro da sala.Notou que,já não estava mais em casa,olhou para trás,de onde havia acabado de sair,acreditando ser seu quarto.Não havia mais a porta com adesivos colados.Adesivos de bandas de rock antigas.Em seu lugar,havia uma porta grande,de madeira.Madeira negra.Com vidros escuros.

Seus parentes e amigos continuavam nas mesmas posiçõees,apenas o local havia mudado.

Andou em direção a eles,sentindo o mesmo cheiro de rosas que sentia durante o sono.Um cheiro que ia se itensificando conforme aproximava-se.O frio tabém aumentava.

E,foi então,que o que viu,o fez notar,que sua vida havia lhe dado a chance de sentir o cheiro de rosas,pois,ali,à sua frente,o que ele viu,foram rosas,e entre elas,deitado,imóvel e frio,estava ele.

Estava ciente que o cheiro das flores vinha dele.

Fael Velloso
Enviado por Fael Velloso em 14/05/2007
Reeditado em 10/01/2012
Código do texto: T487264
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2007. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.