Tears
Natal, o primeiro desde que tudo começou. Esse ano o materialismo será deixado de lado, mas em seu lugar reinará algo pior, o medo, a tristeza, a insanidade. Nossas tradições escoaram pelo ralo, nossa sociedade se desfez, nossa humanidade se despiu frente ao fim iminente, é assim, com devaneios que passos meus dias miseráveis no que sobrou dessa terra. O Silêncio, o silêncio é sepulcral, os estardalhaços das multidões não ecoam mais nas ruas, apenas o som dos gritos agonizantes das pessoas que um dia amei retumbam em minha mente, a luz bruxuleante e pálida da lua ilumina meu rosto, sombreando a desesperança que tenho desse mundo fétido, as lembranças são só o que me restaram, assolam minha mente, perpetuam uma dor aguda que sinto em meu peito.
Da janela do prédio em que moro posso ver as malditas criaturas vagueando sem rumo, cambaleantes e lentas, posso ver suas peles putrefatas que exalam um cheiro repulsivo, no começo o sangue escorria de suas feridas agora seco, sem algum resquício da vida que tiveram antes se deterioram lentamente, a maioria já desaparecera no nebuloso horizonte, guiados por algum som ou cheiro.
Todos os dias encaro absorto uma menina que fora mordida no começo de tudo, ainda posso ver seus cabelos loiros, seu corpo se deteriorou bastante, em vida fora tão linda, tinha uma silhueta curvilínea, ombros pequenos, rosto fino de nariz empinado, os lábios rosados que estavam sempre arqueados em um sorriso afetuoso, mas agora e só uma sombra do que já fora, os olhos verdes que agora sem cor fitam o mundo que um dia fora dela, morreu vestida com um vestido prateado, longo, brilhante, mas marcado pela cor incomparável de vivo sangue, a fenda de seus seios se sobressaia no vestido, trajada para alguma ocasião especial, morrera em vão, agora é só mais uma entre milhares que deve ser extinta da Terra.