Agonia

Um tiro! Simples assim, seco, frio...

Nunca havia lhe passado pela cabeça que seria dessa forma tão impessoal que iria acabar com a própria vida.

- Será que vai doer muito? – imaginou. - Bom, já ouvi dizer que se bem feito, se o tiro for bem dado, tudo acontece tão rápido que eu não vou nem saber que morri. Só vou me dar conta quando já estiver no céu.

- Céu? – gritou uma voz rouca em sua cabeça – Mas você não vai passar nem perto de lá, querida. Você vai direto para o inferno que é pra onde pessoas como você estão fadadas a apodrecer por toda a eternidade.

- Sim, sim eu sei, eu apenas... Eu preciso ter um pouco de esperança, quem sabe Deus não...

E novamente a voz gritou:

- Deus? Ele não está nem aí pra você. Acha que se ele se importasse um pouquinho que fosse, teria deixado tudo aquilo acontecer? Sinceramente acha que ele permitiria todo aquele sofrimento? Deixa de ser idiota, pára de conjecturar feito uma boba e dá logo esse tiro. Só é necessário um... bem no meio da testa e tudo estará resolvido, você vai ver.

-Bem no meio da testa – repetiu ela.

- Sabe que pode confiar em mim, fui eu que sempre acabei com todos os seus problemas, lembra? Quem foi que deu um jeito no Marcelo quando o filho da mãe tentou te dar a primeira surra, hein? Quem foi que acabou com a raça daquele cachorro do seu pai? Você não suportava mais o velho nojento passando a mão em você, se aproveitando de você. E eu te livrei dele, mandei o coroa dessa pra uma bem pior. Você me deve isso. Dá logo esse tiro, eles estão chegando.

Ela olhava fixamente pra arma em sua mão, não sabia a marca, calibre ou qualquer uma dessas coisas, nada disso lhe tinha importância. Queria apenas uma arma que atirasse, uma arma para que pudesse acabar com a própria vida, e ela havia conseguido.

Com os olhos fechados encostou a boca gelada daquele ferro bem no meio da testa. Como que por instinto sua própria boca foi se abrindo, o maxilar tremia e um som incompreensível tentava sair de sua garganta, lentamente foi encaixando um dos dedos no gatilho...

-É agora – pensou ela – Tem que ser agora.

- Atira! – gritou a voz – Está quase na hora. Atira!

Um barulho agudo invadiu todos os cantos da cozinha de sua casa.

Ela se levantou calmamente tornou a guardar a arma dentro de uma caixa em cima do armário. Foi até o outro canto da cozinha, tirou a lasanha do microondas e colocou em cima da mesa. Arrumou mais uma vez os quatro pratos dispostos na mesma, no instante em que eles chegavam. Correram para cima dela, agarrando-a com força, quase a fazendo cair ao chão.

- Te amo, mamãe – disse a menininha.

- Mmm lasanha – falou o garoto – Tô morrendo de fome!

- Tudo tranqüilo por aqui, querida? – perguntou o marido.

- Está tudo bem. – respondeu - Mas amanhã... amanhã vai estar melhor. – pensou ela.

William Schmahl Barros
Enviado por William Schmahl Barros em 26/06/2014
Reeditado em 03/07/2014
Código do texto: T4859996
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