Lobo Capítulo 1
Jones dirigia pela autoestrada a uma
velocidade de 80Km/h, sua mente vagava por
entre as árvores que passavam por sua janela, elas
eram suas únicas companheiras, além de seu rádio
que não o abandonava nas horas mais monótonas.
Ele estava sozinho dentro de seu carro e dirigia de
volta para casa em uma fria e chuvosa noite de
sábado,tinha acabado de sair da casa de sua
namorada que havia conhecido há pouco mais de
um mês. As rodas do carro giravam sem parar
encima do asfalto molhado. Havia chovido muito
naquela noite.
Jones olhou para o relógio dourado em seu
pulso e percebeu que já passara das cinco da
manhã e ainda chovia, tinha passado praticamente
a noite toda com sua nova namorada e não se
arrependera de nem um segundo que passaraao
lado dela. Fora feliz nesta noite, realmente feliz. O
carro deslizava pela pista molhada enquanto seus
pensamentos focavam os bons momentos vividos a
poucos instantes atrás. Ele a imaginava em seus
braços e beijando-o de uma maneira que somente
ela poderia beijar. Estavam a tão pouco tempo
juntos e ele tinha a sensação de conhecê-la a tanto
anos, ela parecia decifrar os seus segredos mais
íntimos apenas com um olhar e isso tocara muito o
seu solitário coração.
Jones era um rapaz muito carinhoso e
compreensivo, não era o tipo que fazia sucessos
com as mulheres, mas também não ficava sozinho
por muito tempo. Sabia o que queria e não admitia
falsidades em seus relacionamentos. Tivera outras
namoradas, mas nenhuma delas possuía o brilho
no olhar que essa menina tinha e seus romances
acabavam em questão de meses. Ela era especial e
fazia seu coração acelerar somente ao aproximarse. Seu nome era Melissa e esse era o nome mais
lindo que ele já havia visto.
No som do carro tocava uma música calma,
romântica e serena. Seu coração vinha carregado
daquele sentimento que temos quando somos
adolescentes e nos apaixonamos perdidamente por
nossa primeira namorada. O primeiro contato com
o mundo feminino, que nos deixa fascinados e nos
faz perceber desde cedo a importância das
mulheres em nossas vidas e que ao longo dos anos,
nos faz percebermais ainda que nunca poderemos
viver sem elas.
Jones lembrava de quando despediu-se dela,
ainda nessa noite. As imagens viam-lhe nítidas em
sua cabeça e em um instante,ele estava revivendo
tudo novamente:
– Eu preciso ir, amor. Já está tarde e eu deixei
meu cachorro dentro de casa.
Ela respondia, manhosa, agarrando-o pela gola
da camisa e encostando a ponta de seu joelho em
seu membro que se encontravaenrijecido.
– Ai, fica mais um pouquinho. Foi tão bom
passar a noite com você, Jones. Eu preciso de só
mais um pouquinho de você.
Ela o beijava com emoção. Era um beijo que
misturava tesão com inocência e isso o deixava
completamente louco.
– Está bem! – Ele cedia. Afinal, era impossível
resistir aos encantos de Melissa.
Os dois se perdiam mais uma vez em beijos e
abraços e ela o levava novamente para cima do
sofá e suas mãos corriam até o fecho de sua calça.
Ela o abria e ele deixava toda a loucura do
momento o invadir por completo. Se rendia a
todos os seus caprichos. Ela era avassaladora e tão
inocente ao mesmo tempo, tão sórdida e tão
recatada, masalém de tudo, ela era especial e era
isso que fazia a diferença.
– Agora, sim! Preciso ir, Melissa!
Ele desvencilhava-se do beijo e corria para a
porta. Ela vinha atrás dele, agarrando-o
desesperadamente,outra vez. Jones olhava
seriamente para ela e ela entendia que dessa vez
ele estava falando sério.
– Está bem. – Dizia ela. – Dessa vez, eu deixo
você ir. Mas, não esqueça de me ligar quando
chegar em sua casa.
– É claro que eu te ligo, meu amor. Não se
preocupe!
– Não esquece de mandar um abraço para o
Murph. (Murph era o nome do labradorde Jones.)
– Está bem! Mando um beijo seu para ele.
Os dois se olharam demoradamente, enquanto
a podlle de melissa se esfregava nos pés dela. Ela
fazia carinho nacabeça da cadelinhaenquanto
uma de suas mãos segurava a mão de Jones
firmemente. Por fim, os dois se beijaram e a porta
da casa de melissa foi aberta. Os olhares se
cruzaram novamente e ele disse, com carinho:
– Estou indo, Melissa. Daqui a exatamente três
horas e meia terei que trabalhar e quero ver se
consigo dormir pelo menos uma hora até lá.
Seu sorriso transparecia em seu rosto,
mostrando a ele a face de um verdadeiro anjo. O
anjo que ele sempre esperou e que ao que tudo
parecia, havia descido do céu até ele.
Ele sorriu para ela e disse com ternura:
– Eu te amo. – Ele ficou um pouco encabulado
e com um sorriso envergonhado, continuou: – Eu
sei que é cedo para dizer, mas...
– Eu também te amo. – Disse ela. Enchendo a
boca com todas as letras. – Eu acho que não é cedo
para dizer isso. – E olhou profundamente nos
olhos dele.– Nunca é cedo para ser feliz.
Seus olhos brilharam de paixão e novamente
se beijaram, agora, despedindo-se de vez.
Após o longo beijo, ele correu paraseu carro,
atravessandoo portão da casa dela e chegandoaté
a calçada. Ela olhava-oda porta, enquanto sorria
alegremente. Ela estava feliz e ele também, mesmo
após se despedirem.
Ela morava sozinha. Havia saído da casa de
seus pais a pouco mais de dois anos, devido a
alguns atritos que todo o jovem depois que
completa a maioridade tem com os pais. Alguns
aturam as mesmas ordens e as mesmas regras de
quando ainda eram pré adolescentes e ficam
morando com seus pais até os seus cabelos caírem
de suas cabeças. Outros jovens, como ela, não
tinham muita paciência para ordens e mais ordens
que já não cabiam mais em seu processo de
amadurecimento. A única solução era o desapego.
A dois anos morava sozinha; quer dizer, quase
sozinha. Melissa morava com sua podlle, chamada
Rute. As duas formavam uma família e eram
inseparáveis companheiras. Não era visitada nem
por sua irmã mais velha e nem por seus pais que
faziam questão de só conversar por telefone com
ela. Era aquele mesmo papo de sempre: “Como
vai? Você está bem? Hum... então tá!” E mais
algumas ladainhas que ela não aguentava mais
ouvir. Mas, apesar de tudo, eles ainda eram seus
pais e tinha que ouvi-los mesmo depois de tudo o
que aconteceu. Sua irmã não falava com ela. Ela
dizia que Melissa era a culpada pela depressão que
sua mãe tivera e pelo mal rendimento de seu pai
no trabalho que tinha como técnico administrativo.
Ele quase fora demitido, mas conseguiu reerguerse após um tratamento psiquiátrico. Sua irmã
alegava que Melissa havia os feito sofrer muito
com sua ausência e com suas teimosias, mas
Melissa sempre deixou bem claro que nunca seria
como sua irmã: Uma dependente eterna de seus
pais e, portanto, iria embora. Em dois anos de
ausência, seus pais nunca deram as caras em sua
casa, talvez por rancor ou outros motivos que ela
desconhecia. Sabia que podia ser influência de sua
irmã, mas não queria mais intrigas. Ela estava de
saco cheio com tudo isso. Só queria arrumar um
namorado e quem sabe, ser feliz.
Não muito diferente disso, Jones também
morava sozinho, mas sua vida solitária se devia
morte repentina de seus pais em um acidente de
carro na mesma rodovia em que ele trafegava
naquele instante.
Ele lembrava com amargura da noite em que
recebeu a notícia da morte deles. Ele tinha apenas
doze anos e estava dormindo quando o telefone
tocou, eram quase duas da manhã e seus pais não
haviam chegado ainda. Tinham ido até um
aniversário de um amigo intimo deles, queriam
levar Jones, mas ele ficou em casa, alegando que
teria que levantar-se cedo para ir para a escola. Seu
pai estava de folga no outro dia e,então, essa seria
a noite perfeita para eles poderem fazer o que há
muito tempo não faziam: divertir-se um pouco.
Ele saiu correndo de seu quarto até a sala.
Tinha um sono muito leve e, às vezes, acordava
até quando sua mãe deixava cair uma agulha no
chão, nas noites em que ela passava tricotando os
casacos de lã seus e do seu pai, para elespoderem
usarno inverno. Sua mãe tinha insônia e tricotar
fazia ela sentir-se muito cansada, pois era uma
tarefa que exigiauma certa concentração e isso
ocupava seu cérebro inquieto. Então, em torno de
duas horas, mais ou menos, o sono batia em sua
portae ela deitava-se tranquila, para acordar no
mesmo dia as seis e prepararo café de seu marido,
pai de Jones, que sairia para trabalhar.
Jones recordava a pessoa do outro lado da
linha que dizia:
– Você é Jones Ventura Filho? Filho de
Rodovaldo Ventura Filho e Maria das Graças
Ventura Filho?
– Sim, sou eu. Quem está falando? –
Perguntou, coçando os olhos de sono.
– Bem. – A voz do outro lado ficou monótona
e incerta. – É muito triste dar uma notícia dessas a
essa hora, mas...
– O que aconteceu?! – Perguntou Jones,
preocupado. Seus pais ainda não haviam chegado
em casa e estava sentindo que aquela ligação com
aquele homem perguntando se ele realmente era
filho de seus pais, não podia ser nada boa. O
homem aquietou-se por um instante e logo
respondeu:
– Seus pais acabaram de sofrer um acidente no
KM 5 da rodovia BR 6. (Rodovia essa que passava
quase em frente de onde Jones morava com seus
pais. Eles, provavelmente, deviam estar muito
perto de casa.)
Seu sono esvaiu-se em segundos e seus olhos
ficaram mais despertos como os de uma coruja em
uma noite clara de lua cheia.
– E como foi isso?! – Perguntou, atônito com a
notícia.
A voz firme e grave, respondeu:
– Ao que tudo indica, o acidente ocorreu
devido à um animal na pista. – A voz cessou por
alguns segundos e depois continuou. – Seus pais
atropelaram um cachorro, um grande cachorro
branco. O cachorro não morreu, fugiu após o
acidente. Constatamos que era um cachorro
branco, pois seus pais acidentaram-se em frente a
um radar da rodovia e ele tirou a foto do cachorro
no exato momento em que foi atropelado. O
cachorro não foi achado, por isso achamosque ele
fugiu. No entanto, logo depois, eles colidiram
contra uma árvore. O choque foi fatal. Lamento,
garoto!
A voz do outro lado cessou e os pensamentos
de Jones também cessaram por alguns instantes.
Ele recobrou a consciência quase cinco minutos
depois, quando ouviu o homem chamá-lo
incessantemente na linha. A essa altura, Jones já
estava chorando. Chorava muito. Desligou o
telefone, deixando anotado o númerona Bina, pois
depois retornaria. Agora, ele queria só chorar a
morte de seus pais em paz.
Esses pensamentos rondavam a mente de
Jones enquanto ele dirigia. A chuva insistia em
cair e a visibilidade estava baixa. Por um instante,
Jones lembrou-se que nunca teve irmãos e que se
tivesse tido algum, sua vida não teria sido tão
solitária quanto era. No entanto, agora ele tinha
Melissa e estava muito feliz por isso. Daqui a
exatamente meia hora, chegaria em sua casa (A
mesma casa onde morou seus pais e que seus tios
cuidaram até ele completar maioridade. Logo
após, a casa foi entregue em seu nome, pois era
isso que estava determinado no testamento. Jones
morou com seus tios até eles terem certeza de que
ele poderia se virar sozinho. Quando conseguiu
um emprego fixo eles lhe entregaram a casa, mas
se comprometeram em ajudar no que fosse
preciso).
Jones chegaria em casa, guardaria seu carro na
garagem e depois tomaria um bom banho e iria
para a sua cama, descansar um pouco para
trabalhar daqui a algumas horas. Uma hora era o
mínimo que precisava para se reestabelecer de
uma noite como essa, segundo ele.
Esses eram os seus planos se algo não
acontecesse na estrada antes de tudo isso.
Jones dirigia tranquilamente enquanto seus
olhos pesavam sob suas pálpebras. A música lenta
o deixava ainda mais relaxado e o carro seguia
rumo a sua casa. A chuva havia estiado e só uma
garoa caía sobre o para-brisa. Seus pensamentos
estavam quase todos voltados à Melissa, exceto
quando pensava que seu cachorro, Dog, estava
dentro de sua casa fazendo a maior sujeira.
Os olhos de Jones cochilavam e acordavam.
No rádio, uma outra música começava a tocar e
seus olhos se erguiam novamente. Do outro lado
quase não vinham carros. Estava muito tarde e
pouca gente trafegava por aquele horário na
rodovia. Até mesmo os caminhões estavam
escassos naquela noite.
Jones ouviu o celular tocar. Ligeiramente
pegou-o encima do banco do passageiro, onde
costumava colocá-lo quando estava sozinho em
seu carro. Era Melissa. Certamente estava ligando
para saber se ele já havia chegado em casa.
Realmente, já era para ele ter chegado, no mínimo,
há quinze minutos, mas a chuva o fez diminuir a
velocidade. Um trajeto que ele costumava fazer a
110 KM/h, ele estava fazendo à 80 KM/h e isso já
gerava uma grande diferença em tempo e, com
certeza, Melissa tinha ideia disso. Além disso, ela
deveria estar ligando para ouvir a sua voz.
– Olá, Melissa. – Disse ele enquanto fitava os
olhos na estrada.
– Como vai, meu anjo? – Disse Melissa, com a
voz meiga e serena.
– Sabia que eu te...
Jones não conseguiu terminar de dizer
“AMO”. Por um instante, ele viu dois olhos em
sua frente. Eram olhos amarelados e mortiços.
Brilhavam contra o farol do seu carro e era como
se esses olhos possuíssem duas lanternas altas em
sua fronte, deixando Jones quase cego. Sentiu seu
carro derrapar e pisar o acostamento da estrada.
Seu coração estava aos pulos. A coisa que estava
em sua frente parecia enorme. O celular caiu no
piso do carro e espatifou-se em dois pedaços.
Bateria X carcaça. Melissa, do outro lado, gritava
incessantemente, perguntando o que houve,
inutilmente, pois o celular de Jones já estava
desligado e arrebentado no piso frio de seu carro.
Jones derrapou mais uma vez no acostamento e
suas mãos fizeram força no volante para não bater
em uma árvore próxima. O carro finalmente parou
quando bateu em algo, fortemente. Jones assustouse e finalmente sentiu-se aliviado quando viu que
estava a salvo.
“O que seria aquilo?” Pensou.
Jones não quis sair do carro. Estava com
medo. Ele vira dois olhos fulminantes em sua
frente e não sabia se era um lobo ou algum tipo de
urso, que pudesse rondar a escuridão daquele
lugar. De repente, Jones ouviuum barulho, algo
mexeu-se embaixo do seu carro e saiu correndo
pela escuridão. Naquele instante, ele pôde ver o
que era. Havia um cauda, comprida e peluda que
saiu chocalhando com o vento e molhada com a
chuva. Tinha pelagem branca. Com certeza, era
um lobo. Sim, é óbvio! Ele devia ter atropelado
um lobo. É normal isso acontecer para esses lados.
No entanto, quando ao longe ele viu o animal virar
sua cabeça em sua direção e lançar-lhe um olhar
estranhamente maligno, ele pode ter certeza:
Era o mesmo cachorro que matara seus pais.
Mas, não tinha como isso acontecer! Isso já
havia feito doze anos que aconteceu e muito mais
de doze que... “Não pode ser o mesmo cachorro!”
Pensou ele, eufórico.
Mas, por um momento, um arrepio lhe cruzou
a espinha e ele só desejou sair daquele lugar o
mais depressa possível. O cachorro ainda o
encarava, seus olhos eram amarelos e brilhavam
na escuridão como duas lanternas à pilha. Ele
botou a mão na chave de ignição e ligou o carro
que se apagara com o choque. Ao ouvir o barulho
do motor o animalfugiu, sumindo entre a
escuridão. Quase borrando-se de medo, Jones foi
embora. Olhou para o celular desmontado sobre
seus pés e pensou em Melissa.
“Ela deve estar me ligando, preocupada. Em
quinze minutos estarei em casa e ligarei para ela,
novamente.”
Tudo o que queria era chegar em sua casa.
Precisava descansar, mas dessa vez, ele havia
perdido o sono.
Não muito tempo depois do acidente, Jones já
estava chegando em frente ao seu portão, ele
aparentava estar mais calmo e sua respiração já
estava menos ofegante. Do lugar onde quase
atropelara o cachorro até sua casa, ele levara
pouco mais de quinze minutos. Jones abriu o
portão, com um clique no botão do controle preso
a cinta de sua calça jeans. Entrou com seu carro no
quintal, passando por um caminho de ladrilhos que
seguia até a garagem que se abriu com mais um
clique no botão do controle de Jones. A solidão
rondava aquele local e ele podia senti-la em cada
ponta do seu ser.
“Se ao menos Melissa estivesse aqui...”
Pensou, sentindo-se inquieto.
Ao entrar na garagem, ele desligou seu carro e
clicou duas vezes no botão para fechar a porta da
garagem e do portão de sua casa. Ambos
fecharam-se e ele pôde sair de seu carro
tranquilamente. Antes de sair, ele abaixou-se até o
assoalho de seu carro e agarrou as duas partes do
celular que havia espatifado-se no chão.
“Preciso ligar para Melissa.” Pensou. “Avisarei
que estou bem.”
Com pouca dificuldade ele encaixou as peças,
fazendo seu celular voltar a vida outra vez.
Procurou na agenda e encontrou o número de
Melissa arquivado como “ AMOR”. Clicou no
botão e dois toques de chamada foram o suficiente
para fazerem ela atender. Sua voz parecia aflita e
antes que Jones falasse qualquer coisa, ela falou:
– Jones, até que enfim! O que aconteceu?
Estávamos conversando e de repente caiu a
ligação. Tentei te ligar umas dez vezes depois e
nada.
Jones parecia calmo, mas na verdade, só
parecia . Os olhos daquele cachorro não saíam de
sua cabeça e isso parecia perturbá-lo. Forjando
calma, ele respondeu:
– Não foi nada, meu amor. Só deixei o celular
cair no chão do carro. Então, ele espatifou-se e eu
não tive como juntar. Aí, eu pensei em te ligar
depois, quando chegasse em casa. E, aqui estou eu.
Melissa riu, mas, seu riso não parecia
engraçado.
– Que bom saber que você chegou bem. Fiquei
tão preocupada, Jones. Nunca mais faça isso
comigo! Nunca mais! Ouviu?!
– Sim! Ouvi, meu amor.
Com ternura na voz, ela lhe falou:
– Estou com saudades suas, sabia? Queria
tanto você aqui, na minha cama.
“O que seria aquilo?”
Seus pensamentos estavam fora do ar. Aqueles
olhos amarelados haviam ficado em sua cabeça.
“O que seria aquilo?”
– O que seria aquilo? – Ele pensou, desta vez,
em voz alta e Melissa perguntou, intrigada.
– O que você disse, Jones?
Ele voltou a realidade em poucos segundos.
– O que?! O que eu disse?
– Você disse: O que seria aquilo? Eu estava
falando para você que estava com saudades suas e
você me disse: O que seria aquilo? Posso saber do
que você estava falando?
Naquele instante, Jones sentiu que Melissa
parecia insegura e inquieta e isso era uma das
coisas que ela ainda não havia deixado
transparecer, até então. Gaguejando, ele
respondeu:
– Nã-nã...o... não... fo-fo...i nada, Melissa.
Pensei alto, foi só!
Firmemente, ela indagou:
– Então, posso saber que pensamento tão alto
era esse?
Por um instante, Jones ficou entre a cruz e a
espada. Não sabia se contava a Melissa sobre o
acidente que sofrera naquela noite e que havia
feito seu celular espatifar-se no chão, fazendo os
dois perderem o contato naquela hora. Pensou se
era conveniente falar por telefone tudo aquilo e
confessar a ela que sentiu medo daquele cachorro
que saiu debaixo da roda de seu carro e depois saiu
caminhando pela estrada como se nada tivesse
acontecido “com os olhos amarelos e malignos”.
Jones ficou com medo, pois se contasse sobre o
cachorro, teria também que contar sobre seus pais
e que ele estavaachandoque o mesmo cachorro
que causou a morte de seus pais a doze anos atrás,
quase havia causadoa sua morte a pouco mais de
vinte minutos. Mas, pensourápido e disse:
– Amanhã lhe contarei, Melissa. Agora,
preciso dormir.
Ela insistiu.
– Foi algo grave que aconteceu? – Dessa vez
ela parecia nervosa. – Me adiante alguma coisa!
Não quero esperar até amanhã!
– Está bem! – Disse ele, já um tanto
impaciente. – Eu derrapei na pista e acho que foi
por causa de um animal na estrada. Foi só isso!
– E não se machucou? – Perguntou ela,
preocupada. Afinal, ela o amava e ele sabia disso.
– Não! Nada! Nenhum arranhão. Amanhã lhe
conto os detalhes. Preciso desligar para tomar meu
banho. Te amo, Melissa.
– Também te amo. A voz dela pareceu soar
triste e magoada, mas Jones não quis delongar a
ligação e muito menos aquela conversa.
– Amanhã nos veremos. Irei até sua casa no
mesmo horário. Espero que não chova e que eu
não atropele nenhum animal na volta para casa.
Os dois riram, mas Jones não estava animado.
Fora um riso automático, apenas para não abaterse ainda mais. Ele estava com receio. Mas, do
quê? Do animal que ele atropelou? Podia ser.
Afinal, ele nunca tinha visto um carro passar por
cima de um cão e ele sair andando como se nada
tivesse acontecido. Ainda mais, aquele cão. O cão
que... Bem, isso era um tanto estranho. Mas, ele
resolveu aquietar seus pensamentos. Quando ouviu
Melissa lhe dizer:
– Eu te amo, Jones. Durma com Deus e um
bom trabalho. Lhe aguardo ansiosa, amanhã, no
mesmo horário.
– Está bem. Também te amo, muito. Disse ele,
com um sentimento meio vago, quase um vazio
em seu peito. Quem sabe, isso seriaporque, agora,
ele estava quase caindo de sono. Houve um
silêncio e ela desligou.
Jones tirou Murph de cima do sofá. Não tinha
ideia de a quantas horas ele esteve dormindo por
lá, só o que ele sabia era que o sofá estava imundo
e cheio de pelos. Murph era um labrador que Jones
havia adotado em uma campanha em praça pública
para ajudar a adotar animais abandonados
recolhidos pela prefeitura.
Naquele dia, ele estava caminhando sozinho
em frente a praça, quando ele percebeu o
movimento de pessoas e aproximou-se para ver o
que estava acontecendo. Havia vários animais,
entre cães e gatos, separados por espécie e idade,
todos dentro de cercados feito de tela de alumínio,
onde cabiam uns quinze ou vinte animais em cada
cerca. Jones aproximou-se das telas e avistou um
filhote de labrador, pretoe muito brincalhão. Ele
estendeu a mão para dentro do cercado e o animal
a lambeu. Foi amor a primeira vista entre os dois.
Assim, nasceu a história de Jones e Murphque já
durava seus quatro anos de idade. Desde então, sua
solidão foi amenizada com a companhia do
cachorroe, agora, ele tinha absoluta certeza que
Melissa e sua poodle Rute, também fariam parte
dessa família e a solidão iria se despedir de uma
vez por todas de sua vida.
Depois de prender Murphna varanda, como
era de costume, ele correu para o seu banho e
depois deitou-se para descansar. O dia amanheceu
em poucas horas e o despertador anunciava que o
descanso havia terminado. Jones levantou
cambaleando, parecendoum zumbi de contos de
terror. Tinha que ir trabalhar e precisava se
arrumar, se ele voltasse para a cama, podia dizer
adeus ao seu emprego. Seu patrão era muito
rigoroso quanto aos atrasos e era implacável em
penalizar quem chegavaatrasado. Jones mesmo, já
viu muitos de seus colegas perderem seus
empregos ou simplesmente levarem um gancho de
quatro ou cinco dias, sendo descontado as faltas
em folha salarial.
Jones escovou os dentes, lavou a cara, tomou
um café requentado com pão de dois dias, serviu a
ração paraMurph que agora estava preso no
quintal de sua casa, ao lado da varanda e saiu
apressado para o trabalho.
Seu carro deslizava pelo asfalto e sua mente
ainda estava 50% adormecida, o que era perigoso,
visto que naquele horário o fluxo de veículos era
bem maior na rodovia. Seus olhos se fechavam
sem sua permissão e suas pálpebras parecia que
eram feitas de cimento. De repente, um grito em
sua cabeça o fez acordar:
“Maldito cachorro!”
– O que foi isso?! Disse Jones, solitário em seu
carro, a caminho de seu trabalho.
“Eu o matarei como mato uma barata”
“Não, pai!”
“Não, faça isso, pai! Não...”
“BUM-BUM”
As vozes cessaram, por um instante, logo após
o estrondo em sua cabeça, foram dois, um seguido
do outro e, depois Jones voltou à realidade. Tudo
aconteceu emtão pouco tempo, mas foitempo
suficiente para deixá-lo perturbado. O carro andou
por alguns segundos pelo acostamento e depois
voltou para a estrada. Jones ouviu uma buzina que
deviater partido do carro que vinha logo atrás,
alertando-o de sua desatenção.
– Droga... Murmurou ele. – O que foi isso?!
De onde veio essas vozes?
Jones lembrou-se de seu pai. Sim, era a voz de
seu pai, mas em que lugar de sua mente aquilo
estaria guardado? Eram fatos muitos antigos e
sem importância para sua vida atual. Mas, ele já
vinha pensando nisso. Porém...
– Preciso esquecer disso! Resmungou para si
mesmo.
Lembrou-se do cachorro que atropelara. Foi
uma lembrança repentina que passou por sua
cabeça como um raio depois de uma trovoada.
Aquilo realmente havia o deixado com medo. Os
olhos do animal. Meus Deus! Aqueles olhos ele
não esquecia e toda vez que lembrava disso, seu
coração batia mais forte e um arrepio lhe cruzava a
espinha.
Por fim, ele chegou no trabalho. Para sua
sorte, perdera o sono e estava com toda a energia
para enfrentar mais um dia de serviço que ainda
estava só começando.
Quando terminou o expediente, tudo o que
Jones queria era ir para sua casa, tomar um bom
banho e depois ir para a casa de Melissa, passar
mais uma noiteagradável ao seu lado.
Ao embarcar em seu carro Jones resolveu que
iria fazer uma surpresa para Melissa. Ele iria levar
Murph junto com ele, para fazer companhia para
Rute. Se Rute gostaria ou não, ai era problema
deles. Com certeza, Melissa iria adorar a surpresa
e foi isso que ele decidiu fazer.
Quando chegou em casa, Jones agarrou o saco
de ração e serviu a Murph. Opote estava seco e
ele achava que a quantidade de ração deveria
diminuir. Murph estava gordo como um porco e
isso o preocupava. Jonesfaziacarinho na cabeça,
dizendo:
– Olá, Murph. Coma um pouquinho de ração
para irmos visitar Melissa e Rute hoje. Acho que
você vai adorar. Mas, coma! Não quero que você
fique pedindo comida na casa de Melissa.
Murph abanava o rabo correspondendo às
palavras de Jones enquanto devorava a ração que
elehavia colocado em seu pote, com as dobras de
banha reluzindo contra a luz fluorecente da
varanda.
Logo após, Jones se retirou e foi para seu
banho. Vinte minutos foram o suficiente para ele
tomar um bom banho quente. Depois, foi até seu
guarda-roupas e pegou uma de suas melhores
peças e a vestiu, após isso, perfumou-se. Dirigiuse até Murph elevou-o pela corrente até seu carro,
o animal estava feliz e abanava o rabo
incessantemente. Os dois entraram no veículo e
saíram em direção a casa de Melissa. Quando
chegaram lá, Jones levou Murph pela correnteaté
o portão. Melissa veio atendê-lo e como sempre,
ela estava deslumbrante.
– Olha quem eu trouxe! Disse Jones, puxando
Murph para perto de si.
Melissa aproximou-se do cachorro e acocorouse em frente dele, fazendo-lhecarinho atrás de
suas orelhas, enquanto dizia:
– Olha quem veio nos visitar. – E olhavapara
Jones. – Rute irá adorar.
– Acho que ele é meio grandinho para ela. –
Disse Jones, irônico.
Os dois riram e Melissa abraçou-se em Jones,
dando-lhe um longo beijo.
– Estava com saudades suas. Os olhos dela
eram comparados a duas luas que se encontraram e
ambas recebiam o brilho do mesmo sol.
– Eu também estava. – Disse Jones.
Ela olhou docemente para ele.Seus olhos
brilhavam como pérolas.
– Vamos entrar?! – Disse ela, quase
impaciente.
– Vamos, sim! – Disse Jones, entrando pelo
portão e puxando Murph pela corrente.
Jones estava feliz, mas parecia inquieto.
Entraram os dois, abraçados dentro da casa de
Melissa. Murph também entrou e logo foi
recepcionado pelo focinho farejador de Rute. Nas
primeiras fungadas da pequena cadelinha, Murph
estranhou, até rosnou, logo depois, os dois ficaram
amigos.
– Como formam um casal lindo! – Disse
Melissa, quase derretendo-se por ver aquela cena.
– Realmente. – Disse Jones. Seus olhos
giravam de um lado ao outro da sala, enquanto
Murph fazia amizade com Rute.
Sem hesitar, Melissa perguntou:
– Tudo bem com você, meu amor? Você
parece estranho.
– Tudo bem.. quer dizer...
– Você disse ontem que se acidentou. É por
causa disso que está assim? Tem algo para me
contar?
– Não! – Falou Jones, um tanto sobressaltado.
Murph parou de se esfregar em Rute e o encarou.
Melissa abaixou a cabeça e respondeu:
– Desculpe. Eu...
– Não precisa se desculpar, Melissa. Ontem eu
lhe disse ao telefone que sofri um acidente e. (...)
Sim! Eu estou inquieto com isso.
Melissa pensou por alguns instantes e, logo
depois, respondeu:
– Eu imaginei que fosse isso, só não queria
chateá-lo. Mas, acho que estou te chateando.
Jones abraçou-se em Melissa, enquanto Murph
e Rute os fitavam atentamente. Jones dizia:
– Meu amor. Eu tenho uma coisa para te contar
e quero que você ouça.
Melissa afastou os braços de Jones e o encarou
profundamente.
– Pode falar, Jones. Estou aqui para lhe ouvir.
Ele abaixou a cabeça e, em seguida, começou
a falar:
– Melissa. Eu... bem... A doze anos atrás, meus
pais morreram em um acidente de trânsito. –
Melissa meneava a cabeça concordando, enquanto
Jones falava. – Eu tinha doze anos e... – Jones
soluçou. – … eu estava dormindo quando um
policial rodoviário me ligou. Eram quase duas da
manhã. Ele falou meu nome e o nome meus pais e
perguntou se eu era realmente filho deles. Eu
confirmei tudo a ele e, logo depois, ele me revelou
que meus pais tinham se acidentado na autoestrada
e... – Uma lágrima escorreu dos olhos de Jones e
Melissa pegou em sua mão, sentindo-se aflita com
o relato.
– Jones, querido. Disse ela, acariciando os
dedos dele.
– Melissa, o guarda disse que eles atropelaram
um animal na pista e, logo depois, bateram contra
uma árvore e... morreram.
Jones acabou-se em lágrimas. Murph
aconchegou-se ao seu lado, triste vendo a tristeza
de Jones. Rute presenciava a cena com os olhos
vidrados, enquanto Murph afastava-sedela para
tentar consolarseu dono.
– Sinto muito, Jones. – Disse Melissa.
Chorando, Jones continuou.
– O animal que eles atropelaram saiu ileso,
segundo o guarda. Ele fugiu, mas segundo o que o
guarda me falou, no local do acidente existia um
radar, hoje já não existe mais, mas antes existia. O
radar tirou uma foto do animal no momento do
acidente.
Melissa arregalou os olhos e Jones continuou:
– Eu vi a foto dias depois na delegacia. A foto
ficou com a perícia e não sei que fim deu. Mas, eu
vi a foto! O cachorro que meus pais haviam
atropelado era branco. Um grande cão branco,
parecia um lobo. – “Lembrei dele. Lembrei de ...”
– Não pude ver seus olhos pois o radar bateu a foto
do animal de costas, mas...
Melissa o fitava com atenção, seus grades
olhos azuis estavam arregalados receando que
alguma coisa macabra saísse da boca de Jones que
por um instante, ficou em silêncio. Melissa já
estava nervosa.
– Mas, o que, Jones?!
Ele olhou nos olhos dela profundamente, como
que fazendo suspense.
– Mas, eu acho que... o cachorro que meus
pais atropelaram, naquela noite chuvosa, quase as
duas da manhãe há doze anos atrás, foi o mesmo
cachorro que eu atropelei ontem, quando voltava
para casa naquela noite chuvosa, as cinco da
manhã.
Melissa arrepiou-se e Murph mexeu as orelhas
como se também estivesse sentindo-se com medo.
Rute aconchegou-se nos pés de Melissa, como se
quisesse proteger-se de algo. Incrédula, Melissa
respondeu:
– Meu amor, pode ser coincidência e...
– Acho que não! Acho que está voltando. Ele
está voltando!
Por fim, Jones revelou-se.
Melissa já não se aguentava mais de
nervosismo e explodiu em uma exclamação.
– Quem está voltando, Jones?!
– O cão! – Os olhos de Jones, agora, estavam
distantes. Como os olhos de um psicopata que
premedita um crime.
– Cão? – Perguntou Melissa.
– Sim! Lobo está voltando.
Melissa riu daquilo como se fosse uma piada,
mas em seu riso não havia qualquer tipo de graça.
Ela tentavarir para fugir da realidade que os
cercava.
– Que cão é esse, Jones? – Perguntou Melissa,
tentando achar tudo aquilo um grande besteira,
mas ela mesma sabia que não era e podia sentir
isso em cada parte do seu ser.
– Lhe contarei uma história de quando eu tinha
nove anos.
Por um instante, Melissa aquietou-se e assim
como ela, os cães puseram-se a todo ouvidos para
ouvir o que Jones iria contar. Ele começou:
– Quando eu tinha nove anos, meu pai me deu
um cachorro. Ele era um cão muito lindo, dócil e
gentil. Meu pai havia-o me dado para suprir a
solidão por eu ser filho único e depois de terem me
contado que minha mãe não me daria um irmão
por problemas de saúde, que na época eu não
entendia. O cachorro era meu refúgio e meu
consolo. Nas horas de solidão, ele me
acompanhava e quando não havia ninguém em
casa, sua companhia fazia-me bem. – Melissa
olhava atentamente para Jones, prestando atenção
em cada palavra que saía de sua boca. Murph e
Rute se entreolhavam como se estivessem se
paquerando. Jones continuou. – Quando o ganhei,
passei a chamá-lo de lobo, pois ele possuía uma
pelagem densamente branca e seus olhos eram de
azul vívido e brilhante.
“Mas, certa vez, quando cheguei em casa
depois da escola, procurei lobo para me fazer
companhia e não o achei. Meu pai estava mexendo
em alguma coisa no galpão que tínhamos atrás de
nossa casa e que servia para guardar as
ferramentas de trabalho dele.
Sem hesitar, Melissa indagou:
– Mas, no que seu pai trabalhava, Jones?
Ele hesitou um instante e logo depois
respondeu:
– Ele era construtor. Fazia casas para as
pessoas morarem. – Jones engoliu em seco e
entrou novamente no assunto. – Bem. Depois que
vi que Lobo não estava nos lugares que era de
costume, iniciei uma procura pela casa e pelo
terreno. Lembro que minha mãe estava estendendo
roupa quandoviu eu revirar as moitas pelo quintal
e me perguntou: “O que você está fazendo?”
Então, lhe respondi que estava procurando Lobo e
que ele tinha sumido.
Jones parou de falar por alguns instantes e seus
pensamentos voaram até aquele velho tempo...
“– Mãe! Onde o Lobo está?
– Não sei filho! Disse sua mãe, austera.
– Já procurei ele em todos os lugares e...
De repente, sua voz havia cessado e seus olhos
esbugalharam-se em direção ao portão de sua casa.
Lá estava Lobo, entrando dentro do quintal com a
boca espumando pelos cantos e com o pelo
completamente sujo de algo que se parecia com
lama. Jones (criança), gritou com a voz aos pulos:
– LOBOOOOOOO!!!
E lobo veio em sua direção, correndo,
desajeitado, como se tivesse levado uma surra nos
lugares por onde havia andado. Sua mãe ainda não
havia visto Lobo, elaestava distraída estendendo
mais um peça de roupa no varal, quando ouviu o
grito de seu filho e ele abraçando Lobo, mesmo
sujo como estava.
– Solta esse maldito cachorro sujo, menino!
Gritou a mãe, imponente.
– Mãe! É o Lobo, ele voltou! Disse ele, com
toda a alegria que podia sentir em seu coração.
– Não importa! Já o achou! Agora largue ele!
Ele está sujo e...
Quando a mãe de Jones viu Lobo espumando
pelo canto da boca, como um epilético, quase teve
um surto convulsivo e gritou instantaneamente:
– Raiva! Raiva! Lobo está com...
Ela não conseguiu terminar a frase sem o
rosnado demoníaco de Lobo vindo em sua direção.
Lobo ignorara os carinhos de Jones e encarava sua
mãe, rosnando como um louco. Os olhos azuis
cintilantes ficaram amarelos e suas feição dócil,
deu lugar a uma feição fantasmagórica e repulsiva.
Algo digno de um bom filme de terror.
Lobo caminhava em sua direção, rosnando,
babando, enquanto ela dava passos para trás, quase
paralisada de medo. Jones gritava, inutilmente:
– Lobo! Venha cá, Lobo! O que está
acontecendo?!
Mas, Lobo não dava atenção. Em vez disso,
virou-se para Jones e começou a rosnar para ele e
um gemido implacável.
– Jones, ele está comraiva! Afaste-se dele!
Vamos ter que sacrificá-lo! Gritava sua mãe,
horrivelmente eufórica.
– Mãe! Não faça isso com ele! Eu o amo!
Jones gritava, inconsolável.
Lobo ainda rosnava para Jones quando seu pai
chegou no local, para ver qual era o motivo da
gritaria que havia chegado até seus ouvidos.
– O que está acontecendo aqui?!
Seus olhos se arregalaram e sua voz
desapareceu, como um coelho desaparece da
cartola de um mágico. O velho ficara branco como
papel e começou a ofegar.
– Jones, meu filho! Saia de perto desse cão!
Gritou seu pai, autoritário, porém quase borrandose nas calças de medo.
Lobo mostrava toda a arcada dentária para
Jones e se virava em direção a sua mãe, de vez
para Jones, de vez para sua mãe e agora, para seu
pai.
– Droga! – Disse ele – Teremos que sacrificálo!
– Sim! Mate esse monstro! Gritou a mãe de
Jones, com os olhos quase saltando para fora,
estática como um poste, com medo que o cachorro
investisse nela na primeira tentativa de fuga.
Sem hesitar e sem pronunciar qualquer
palavra, o pai de Jones saiu correndo para dentro
de casa.
– Não demore, pelo amor de Deus! Gritou a
mãe de Jones, chorando, em desespero.
O cachorro virou-se para ela e deu dois passos
em sua direção. Os olhos saltando para fora de
raiva, uma verdadeira fera viva. Jones agora
chorava, sem dizer mais nada, somente chorava,
desesperadamente. Lobo virou-se novamente para
Jones que dessa vez gritava de medo e tristeza.
Lobo pareceu ficar atordoado com tudo aquilo e
balançava a cabeça violentamente de um lado para
o outro, fazendo a baba que saía de sua boca voar
para todos os lados. Em uma de suas sacudidas, a
mãe de Jones fora atingida com uma porção de
baba asquerosa e nojenta bem na sua cara.
– Que nojo! – Gritou ela, aos prantos. – Mate
esse cachorro! Acabe logo com isso!
Lobo não dava atenção para os gritos, ele
agora queria Jones e o menino que sempre havia
cuidado tão bem dele era seu alvo fácil. Lobo
caminhava lentamente em direção a Jones com a
dentadura toda para fora, seus caninos reluziam no
doce sol do fim da tarde. Não demorou muito para
seu pai aparecer na varanda da casa com sua
carabina chapina 32-20. Lobo ainda caminhava na
direção de Jones, enquanto o menino chorava,
desesperadamente, com o rosto entre os joelhos.
Por um instante, Jones olhou nos olhos de
Lobo. Eram os olhos de um fera selvagem. Não
era ele! Tinha certeza! Não era! Lobo avançou
mais alguns passos e desta vez, já estava com o
focinho encima da cabeça de Jones que chorava
aos gritos, enquanto Lobo ficava cada vez mais
atordoado com isso. Por um instante, Jones sentiu
uma estranha coragem invadir seu peito. Até então,
estava com medo, muito medo, mas a coragem lhe
fez levantar a cabeça e olhar nos olhos do animal.
Jones disse, serenamente, enquanto Lobo bufava
como um touro bravo encima dele:
– Lobo, mesmo assim, eu oamo.
No mesmo instante, Lobo recuou dois passos,
seus olhos emudeceram e ficaram pequenos e uma
lágrima pareceu rolar pelos pelos de sua face
canina. A mãe de Jones estava acocorada,
esperando o pior, sem poder fazer nada para salvar
o filho, apenas esperando alguma providência
divina acontecer ou um tiro da carabina de seu
marido abater aquela incontrolável fera.
Lobo encarou Jones por alguns segundos e
chorou alto. Jones ficou paralisado, olhando para
Lobo e um sorriso brotou de seu rosto. O animal o
encarava com o amor e todo aquele surto de
loucura parecia ter passado. Mas, quando Jones ia
gritar para seu pai não matar Lobo, porque tudo
havia acabado e Lobo havia voltado ao normal,
gritos foram ouvidos:
– Maldito cachorro! Eu o matarei como mato
uma barata!
Um tiro foi ouvido e depois (BUM- BUM)
outro e um filete de sangue molhou o rosto de
Jones. Os olhos de Lobo ainda o encaravam,
agora, sem vida, sem brilho, mas com amor. E o
cão caiu por terra, vencido e... morto. Jones soltou
um urro de tristeza e gritou:
– Não, pai! Por que fez isso?! Não!
Jones chorava inconsolável, sua mãe
presenciava a cena ainda acocorada no mesmo
lugar, enquanto seu pai colocava a carabina no
chão e ia em direção a Jones, certo de que o
cachorro morrera e, realmente, morrera mesmo.”
– E foi isso o que aconteceu, Melissa. Foi
assim que meu pai matou o cão que mais amei em
minha vida.
Murph pareceu encará-lo com ciúmes. Rute
abanava o rabo para Murph, assanhado-se, mas ele
não dava atenção, havia escutado algo que não
queria escutar de Jones, que não notara a reação de
seu cachorro. Murph retirou-se de onde estava e
deitou, com o focinho entre as patas, no tapete da
sala, mas Jones também não notou isso, havia
ficado muito atordoado por lembrar dessa história
tão antiga e tão marcante em sua vida.
– Lobo... – Disse ele, pensando alto. – Foi um
bom cachorro, pena que a raiva o levou.
– Sinto muito. – Disse Melissa, triste.
Por um instante os olhos de Jones se perderam
e Melissa indagou:
– O que foi Jones?
– Eu estou achando que ele voltou. Respondeu
ele, frio e desatento. – Acho que pode ter sido ele
que matou meus pais e agora, ele me quer.
Melissa riu, mas estava com medo.
– O que é isso Jones? Isso também passou por
minha cabeça, mas...
– Não! Você não está entendendo. Meu pai o
matou por que ele estava com raiva, mas ele queria
a mim e a minha mãe. Ele estava com raiva de nós
dois e... meu pai o matou e ele ficou com raiva
dele depois disso. Sim! Ele ficou com raiva dele e
conseguiu matá-lo! Matou meu pai e minha mãe e
agora ele me quer. Ele me quer, Melissa! Lobo
quer me matar e ontem eu tenho certeza que ele
tentou fazer isso.
Dessa vez, Jones começou a chorar e Melissa
o abraçou. Murph saiu de seu tapete e sentou-se ao
lado de Jones, que chorava alto. Rute subiu no sofá
e deitou-se parecendo atordoada com a situação.
– Jones, Lobo não podia ter raiva de você.
Você sempre o amou. Disse Melissa, abraçada em
Jones, apertando-o contra seu corpo, fortemente.
– Eu sei! Eu sempre o amei e acho que foi isso
que fez ele parar. Ele não quis me morder,
Melissa! Ele podia! Mas parou quando eu disse:
“Lobo, mesmo assim, eu o amo.”
Jones caiu em prantos novamente e Melissa
apertou-o ainda mais em seus braços.
– Melissa.
– Sim? – Disse ela.
– Você pode voltar comigo, para a minha casa,
de carro, hoje a noite?
Melissa pensou um pouco elogo respondeu:
– Posso sim! Amanhã estarei de folga e
poderemos passar a noite em sua casa, hoje. Mas,
só dormiremos lá, pois eu irei fazer uma pizza,
agora, para todos nós!
Murph lambeu os beiços e Rute levantou a
cabeça.
– É o prato preferido de Rute. Pizza. Ela adora.
A alegria começou a tomar conta do ambiente,
novamente e, Melissa o beijou suavemente,
dizendo:
– Esqueça isso, Jones. Não ponha minhocas
em sua cabeça. Não misture o acidente de seus
pais com o que aconteceu ontem. Eles atropelaram
um animal e se mataram, você atropelou um
animal, mas não se matou. Está aqui! Vivo para
me contar essa história.
Jones sorriu e disse:
– É verdade. Mas, eu quero que você vá
comigo. Me sentirei mais seguro.
– Eu já disse que irei, meu amor. Agora, vamos
preparar a pizza?!
– Vamos! – Disse Jones, mais alegre, porém
seus pensamentos ainda não estavam em paz. Era
como se sentisse que tudo aquilo não era besteira,
mesmo ele querendo que fosse. Não é besteira!
Seus pensamentos lhe diziam a todo momento.
Mas, ele não queria pensar mais nisso. Iria
esquecer Lobo e esquecer o acidente de seus paise
o seu. Fora tudo uma coincidência, nada mais. Era
assim que ele preferia pensar. Quando ele ouviu os
latidos fortes de Murph, era sinal de que a alegria
já pairava no ar e que a pizza estava prestes a ficar
pronta, para encher o estômago vazio de todos
naquele recinto.