O Menino Fantasma. Parte 4
Capítulo 4 – Sacos, pá e uma lanterna.
O sangue dela manchava as bordas brancas da coxa da cama ao lado, e do outro em pé estava o homem barbudo que olhava para a mulher sem expressão alguma. Agachou-se e com força, tira a faca dentre os seios da mulher e vai até a penteadeira, coloca a faca em cima ao lado de um pote grosso de creme e abre a porta de uma pequena e estreita dispensa mal iluminada ao lado da penteadeira. De dentro de um baldo de metal tira um fio grosso, preto e encapado. Na volta não pega a faca de cima da penteadeira e passa sobre o corpo da mulher morta caída no chão com o fio nas mãos. Passou por Paulo sem nem sentir o seu cheiro e Paulo o olhava com um olhar de ódio, de desprezo por ver do que aquele homem foi capaz de fazer com a própria esposa e estava esperando mais daquele crápula. Paulo horrorizado seguia o homem, ele desceu a escada com o fio atrás das costas escondendo do menino e vai ao lado dele, se agacha com um sorriso falso e frio no rosto. – Papai, a mamãe está bem? Perguntou o menino com uma voz suave e gentil lhe olhando. – S–Sim. Disse mentindo. – Cadê ela? – Está lá em cima querido. Disse ele esfregando os olhos. – Porque ela gritou? – Porque ela estava com medo, mais já passou. Ela está em... Está, melhor em outro lugar. Disse o homem passando as mãos nos cabelos lisos do menino. – Em outro lugar? Perguntou inocentemente o menino olhando para a figurinha em suas mãos. O homem tampou a boca com as costas da mão por poucos segundos. – Voc... você gosta dessa aí? Perguntou o homem com a voz nervosa apontando com o dedo indicador para uma figurinha que o menino segurava. O menino olhou para a figurinha e a alisou com os dedos pequenos que tinha e quando foi responder não achou as palavras, ou melhor, o fôlego. O pai do garoto estava enforcando-o com o frio grosso e o menino apenas se debatia como um peixe quando é fisgado e nada pode fazer anão ser se debater para não ser capturado.
Agarrava o vento com os dedos esticados e o pai suspirava forte olhando para o menino até que seus olhos se fecharam pela última vez e seus braços paralisaram-se para nunca mais fazerem nada. Paulo tampou a boca e olhou para outro lado não acreditando no que vira. O homem soltou o fio e sentado no chão arrastou-se para a parede. Começou a chorar, tanto que soluçava. Logo em seguida foi até a cozinha e de uma gaveta do armário tirou uma faca pontuda e do cabo preto. Apoiou as mãos na pia com a faca em uma delas e olhava para fora da casa por uma janela pequena e quadrada que tinha ali na cozinha. Enxugou o rosto no antebraço e foi até o fundo da casa, de um baú grande e empoeirado tira sacos pretos de lixo, mas esses eram enormes. Volta para dentro de casa e sobe a escada passando pelo menino indo até o quarto onde o cadáver de sua mulher estava. Ele à ensaca com dois sacos pretos e amarra os pés com uma fita branca (não adesiva). Arrasta ela pelo corredor e descendo a escada, coloca do lado do menino. Ensaca o menino e lhe amarra os pés também. Arrasta o dois para o fundo da casa e os põe em um carrinho de mão, cinza, e sobre eles coloca uma pá velha e uma corda grossa e grande. Pendura uma lanterna comprida e preta na cintura entre o cinto e o quadril e entra mais uma vez na casa para trancar portas e janelas. Voltou para os fundos e começa a carregar o carrinho se afastando da casa e entrando na floresta negra e escura. Paulo aterrorizado por tudo o que presenciara o seguia com os olhos bem abertos e meio vermelhos. O homem andava por uma trilha meio apagada porque ninguém entrava na floresta por medo ou porque não era aconselhável mesmo, carregando os corpos e olhando para trás e pros lados. Ele passava por umas partes do chão não suavizado e às vezes cambaleava pelo peso dos corpos. Desceram um morrinho não muito alto e atravessaram um lago ou pelo menos foi um lago, agora estava praticamente vazio. Molhava apenas a sola do sapato. Já era umas seis horas e o sol já se escondia atrás das altas e grossas árvores da floresta e o clima já estava bem frio ali. Paulo esfregava os braços e soprava nas mãos o vapor quente do seu hálito e o homem já ofegava de cansado. Chegaram a uma parte da floresta onde a terra estava bem úmida, quase que lama. O homem soltou o carrinho e mexeu os braços para aquecer o sangue, olhou para cima e suspirou.
Apoiou a lanterna ligada sobre os corpos para iluminar em sua direção e com a pá começa a cavar a frente onde estava úmido. Paulo não entendia como sentia muito frio sendo que não fazia parte daquilo tudo e olhava para todos os lados sem ver absolutamente nada. Apenas as coisas ficando escuras e ouvia apenas o barulho seco da pá cavando. Paulo olha para trás e vê algo se mexendo no topo de uma arvore muito alta, mas logo para e ao olhar para o homem ele já tinha cavado as duas covas, e tudo já estava escuro ao seu redor, exceto onde estavam, pela claridade da lanterna. O homem coloca a mulher numa vala grande e o menino numa pequena. Ele começa a jogar terra por cima e Paulo começa a sentir tontura e flexiona os olhos levando as mãos até o rosto, um odor de lamaçal dominara todo o lugar e ele tampa o nariz. Como se avança um Filme/DVD para passar rápido certas partes Paulo viu aquele homem jogar terra em cima dos corpos como em flash. E já o via em pé segurando um cordão preto em uma mão e na outra segurando a pá, ele estava de frente para as duas covas e lagrimas saiam de seus olhos. Paulo queria adormecer mesmo em pé, não porque queria. Como se tivessem lhe aplicado um dardo para dormir, mais permanecera despertado. O homem coloca a pá no carrinho e o leva para atrás de um arbusto lameado e esfiapado com alguns galhos secos e pontudos. Volta apenas com a corda grossa nas mãos, faz um nó bem forte em uma das pontas e lança sobre um galho bem grosso de uma arvore baixa apenas a poucos metros de onde os corpos estavam. Pega a ponta que tinha o nó e junta com a outra ponta dando um nó cego. Ele pendurasse nele tirando os pés do chão para saber se estava firma e bem presa no galho. Estava. Paulo já sabia o que vinha a seguir e apenas olha com os olhos querendo fechar. O homem com dificuldade escalou a arvore e sentou sobre o galho onde a corda estava presa, colocou o nó cego que fizera em volta do pescoço e puxou uma ponta para deixar mais apertado o nó. Por alguns segundos olhou para as covas sem expressão no rosto, apenas com os olhos vermelhos e fundos.
Sua pela estava branca por estar bem frio ali e seus sapatos estavam sujos de lama. Paulo desviou os olhos do homem, vira para trás e fechou os olhos. Apenas escutou o barulho da corda se esticar e alguns galhos balançarem. Ele esfrega os olhos e cai para trás, pois tinha perdido a foça das pernas e o frio congelante paralisava seus dedos das mãos e dos pés, respirava lento e tremia o queixo. Ele ouviu bem baixinho passos devagar se aproximando dele. Não consegue abrir os olhos e apenas sente uma mão abrindo sua mão e colocando algo dentro, depois a fechando. Pensava que ia morrer e adormeceu. Bem devagar abriu os olhos e avistou uma foto de seus pais em um porta retrato que estava em cima de sua penteadeira. Estava em sua cama, em seu quarto, em sua casa. Ficou de barriga para cima e avistou o teto amarelado, iluminado pela luz do sol quando nasce invadindo seu quarto pela janela de vidro do segundo andar. Suspirou e tampou o rosto com as mãos. Desembrulhou-se e ao levantar um papel fino cai no chão sem ruído. Agacha-se e quando pega identifica-a. Era a figurinha que estava nas mãos de James na sala de estar da sua casa. “Um homem e um menino, ambos de mão dadas, porém, eram apenas suas sombras”. Ele a encara bem e vai até a janela, olha bem lá fora. A vizinhança quieta, algumas pessoas saindo de suas casas, pois trabalhavam cedo, o sol ainda nascendo sobre a ponta de uma floresta enorme a quilômetros e sabe que não tem como escapar do que está acontecendo. Agora, ele precisa ir até o fim para ter paz.
-- CONTINUA --
Arthur Oliveira.