Permuta
Augusto sentiu uma forte pontada no coração. E o pressentimento de algo ruim lhe pesou sobre a alma. Estava próximo de sua casa, tomou um banho morno, não que naquele horário fizesse frio, mas isso o relaxava um pouco, e ele iria precisar disso.
Saiu do banheiro sentindo o corpo pregado, os movimentos oníricos e uma pressão cada vez maior na cabeça. Uma vontade de chorar fez os olhos marejarem. E de novo, só que agora com maior intensidade, sentiu seu coração sendo perfurado por algum tipo de material pontudo e frio.
O telefone começou a gritar em cima da mesinha. E ele sabia que de lá receberia a notícia que o machucaria.
Lígia estava em prantos, a única coisa que conseguiu entender era que “ele” estava muito machucado e que estavam na Santa Casa.
As pernas de Augusto fraquejaram e ele teve de se sentar um pouco para poder digerir aquele câncer que havia recebido. Um grande calafrio lhe subiu pela espinha. Lembrou-se de fazer uma prece e saiu em direção ao hospital.
Namorada de seu melhor amigo já há algum tempo, Lígia estava sentada em um banco da pequena praça em frente ao hospital. A cabeça baixa, os olhos vermelhos e secos de tanto que já havia chorado. Augusto sentou-se ao seu lado, e a abraçou. Algum tempo depois ela explicou o que sabia. Foi um atropelamento, um carro que fez a curva em rápida velocidade, perdeu o controle e o pegou em cheio.
Amaldiçoaram a pessoa responsável por aquilo centena de vezes.
Depois de muito esperar, sentados naquelas brancas cadeiras desconfortáveis da sala de espera, um médico veio lhes trazendo notícia. Sebastião entrara em estado de coma por tempo indeterminado. Aquilo era como parar uma bomba atômica no peito e as reações foram as mais diversas.
Somente três dias depois deixaram Augusto ver o amigo. Havia gesso, faixas e aparelhos recobrindo-o. Augusto tomou a mão de Sebastião.
- Um dia, há alguns anos atrás, no meu aniversário, eu disse que lhe amava, e isso ainda continua aqui. Você é meu irmão e nada vai me fazer acreditar o contrário. Se algo acontece com você, eu também sinto dor. Eu vejo todos lá fora apreensivos com teu estado e sinto que se fosse comigo eu não teria nada a perder. Pedi a Deus para trocar de lugar com você, mas acho que Ele não quer fazer isso. Então decidi ir atrás de magia. Dizem que há uma loja com livros antigos de magia, fica numa ruazinha deserta depois do centro da cidade. Eu vou até lá hoje, então essa pode ser a última vez que te vejo.
Augusto deu um beijo na testa de Sebastião, disse adeus e saiu.
A lojinha era algo difícil de se ver, mas para Augusto parecia que havia um letreiro enorme avisando onde era. Assim que entrou, uma mulher veio lhe atender, parecia ser a dona do lugar.
- Eu sabia que você viria, só não sabia quando. Meu nome é Cassandra, eu tenho aqui o que precisa.
Então ela lhe mostrou um livro de capa empoeirada, parecia antiguíssimo, as folhas amareladas, mas deixava o texto totalmente visível.
- Teu coração é puro, dá para sentir o cheiro, mas a incerteza lhe percorre a mente e isso não pode acontecer. Tu tens força o bastante para manipular quase o livro todo, mas a inexperiência pode fazer com que você falhe. Você tem certeza de que quer fazer?
Augusto não entendia como aquela mulher sabia de tudo aquilo, somente respondeu a sua pergunta. Ela abriu o livro e arrancou uma página, explicou como deveria ser feito e todo o ritual. Fez ele proclamar as palavras da folha, e lhe disse quando poderia fazer aquilo.
Duas semanas depois com a lua minguante, ele foi até o hospital novamente, porém aquele não era dia de visita, conversou com vários responsáveis, deu desculpas esfarrapadas, até que conseguiu três minutos com o amigo. Aquilo deveria bastar, o que veio fazer era rápido.
Sebastião continuava na mesma condição da outra vez, parecia que o tinha visto a apenas alguns minutos atrás, retirou a página do bolso, e leu o primeiro trecho,
“Aquele que tem a marca do meu sangue, é meu irmão...”
e cortou o dedo, tirou o lençol e ergueu a camisola hospitalar do amigo, desenhando no peito dele, com o sangue, um pentagrama,
“... a marca que só eu e ele veremos é uma marca na alma...”
e assim que o desenho estava pronto, a pele pareceu absorvê-lo,
“... o que me permite trocar de posição”.
arrumou o lençol como estava, deu um beijo no dorso da mão e na testa de Sebastião.
- Eu te amo! - e foi embora dali.
A noite, Augusto desenhou em si, o mesmo pentagrama, bebeu dois goles de vinho e quebrou a garrafa no chão. Nu sobre a bebida derramada ele cortou um pouco o pulso e deixou o vermelho do sangue cair e se misturar com o vinho da bebida.
“Com o poder que tenho e com a ajuda dos espíritos eu peço a permuta”
Repetiu isso várias vezes, entrou em algo parecido com o transe. E por fim gritou:
“EU ORDENO!!!”
E caiu no chão.
No mesmo momento, no hospital, Sebastião abriu abruptamente os olhos e chamou por Augusto.