UM TIRO NO ESCURO

Um tiro no escuro,

Alguém por detrás do muro.

Um corpo caído no chão,

E ninguém pode pôr a mão.

Mais um caso em uma pilha de processo.

Tem sempre um na frente, e a fila não acaba.

Falta mão de obra, falta qualificação,

Falta boa vontade, falta oração.

Alguém corre por detrás do muro,

A noite escura, cálida, percuciente...

A arma que a mão usava foi comprada ou emprestada,

Era minha ou sua, era de alguém, obviamente.

A noite passa em silêncio,

O muro continua lá...

Como o de Berlim, há algum anos;

Alguém, um dia vai derrubá-lo.

Deve ter sido um negro,

Ou quem sabe um muçulmano.

Falaram baixinho que foi um ateu,

Me disseram que não ia a escola,

Que só queria jogar bola,

Mas seu sonho não se realizou,

E ele frustrado ficou.

Fixou seu olhar para outro lado,

Mas alguém lhe disse “não”, outra vez.

Nada dava certo,

Tudo tão deserto,

Não tinha ninguém por perto...

O corpo era de um pai de família,

Aposentado que ia para casa.

Queria ver a família,

Brincar com seus filhos,

Dormir em uma cama quente,

Mais uma noite somente,

Ninguém entende a mente...

O vulto por detrás do muro aparece.

Era um homem sem saber o que fazer.

Sabia muito bem como fazer...

Não teve outra saída,

Não enxergou outra saída,

Pediu um revólver emprestado,

Mas após não ter encontrado,

Comprou de um amigo bastardo,

Que o guardava há tempo,

Podia usá-lo a qualquer momento,

Isso não saía de seu pensamento...

Mas nunca o tinha usado,

Temia que fosse encontrado,

Por um de seus filhos amados.

Por isso vendeu a alguém,

Não sabia para quem.

Um amigo que intermediou,

“Pagava bem”, ele falou,

“Então vou vender”, pensou.

Quem comprou fizera assaltos,

Roubou à beira do asfalto,

Para comprar o que queria ter.

Demorou a ser identificado,

Até ser encontrado,

Mas fugiu e então escondeu,

Escondeu por detrás do muro,

Era homem de coração duro,

E deu um tiro no escuro.