Ternura incrédula - Cap.1

Dizem que os olhos são o reflexo da alma. Dizem, também, que não há nada mais forte e verdadeiro do que um “eu te amo”. Talvez seja por eu ter me deixado levar por tão simples e aconchegantes palavras que eu esteja aqui agora. Aqui não é exatamente aqui. Aqui não existe. Aqui é como entrar em uma sala escura e sem saída. É... Eu morri.

Chamo-me Liz e, aos sete anos de idade, fui adotada por um casal bastante rico, chamados Erick e Úrsula. Eles eram conhecidos na cidade devido à confecção de lindas bonecas. Lembro-me bem da primeira vez em que entrei naquela mansão, onde eles moravam. Era uma manhã de quinta-feira. Chovia. O meu antigo quarto que, claro, era cheio de bonecas, foi o lugar mais incrível que eu já vi. Ah, as bonecas... Se eu soubesse o quão malévolas elas são, não teria me encantado tanto. Malévolas, sim. Bonecas são ocas, logo, esse vazio as conectam com a morte. Ouvi isso em um animê uma vez e não levei a sério, mas, depois de tudo, passei a acreditar.

Os seis primeiros anos que vivi naquela mansão foram magníficos. Aquele homem e aquela mulher, os quais me “salvaram” da solidão que era o orfanato onde morei, pareciam maravilhosos. Todos os dias diziam que me amavam. Os olhos deles refletiam isso. Eu me sentia realizada. Foi após o meu décimo terceiro aniversário, no entanto, que o pesadelo começou.

O casal que me adotou passou a ir todas as noites no meu quarto, de madrugada. A cada visita, uma nova boneca. No início, achei aquilo fascinante! Até que, na nona vez, assim que eles saíram do quarto – em silêncio total - resolvi levantar da cama e olhá-las de perto. Assustei-me com o que vi. Os brinquedos possuíam detalhes bizarros. Minúsculas perfurações pelo corpo todo, palidez, olhar triste, dedos cortados e todas elas vestiam preto. A partir disso, liguei-me em observar a hora em que meus antigos “pais”, Erick e Úrsula, iam ao quarto. Era sempre ás 3h da madrugada. Quando o dia clareou, então, resolvi questionar a eles. Negaram tudo. Fizeram aquele olhar de “está tudo bem” e soltaram um: “amamos você”. O que era pra ser aconchegante, entretanto, foi como um sussurro sombrio. Alguma coisa medonha. Não vi verdade em seus olhos ao declamarem que me amavam. Comecei uma luta secreta, dentro de mim, contra um medo inimaginável.

Passada a décima segunda noite – ainda com as visitas noturnas -, eles saíram e passaram o dia fora. Danei-me a andar pela mansão e, para minha surpresa, eu estava sozinha. Não havia nenhum empregado, nenhum jardineiro e, nem mesmo, o mordomo. “O que está acontecendo com as pessoas dessa casa?”, pensei. Desci para a cozinha atrás da Elisa, uma senhora que, por longos anos, cuidou de mim – a babá. Ela morava lá a favor. Não a encontrei na cozinha. Resolvi, então, ir até seu quarto, pela primeira vez em seis anos.

Seu quarto ficava próximo ao sótão. O corredor escuro e com aparência antiga que levava a seus aposentos, que mais parecia cenário de filme de terror, era repleto de quadros com pinturas indecifráveis. Quando cheguei próximo ao quarto dela, senti algo estranho. Foi como se algum sentimento dentro de mim quisesse me impedir de abrir aquela porta. Foi em vão. Abri. “Meu Deus!!”, gritei assustada com o que vi ali.

Kássia Lene
Enviado por Kássia Lene em 30/03/2014
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