O Príncipe

George Luiz - O Príncipe

A madrugada fria de junho cedia aos poucos à manhã. Na rua ainda sem mo-vimento, dois soldados da PM montavam guarda a uma espécie de embrulho escuro, um corpo sem vida, coberto por um plástico negro. Ao redor dele, quatro velas acesas. O povo brasileiro é piedoso. Sempre aparecem mãos anônimas para iluminar o caminho dos mortos para a eternidade... Aos poucos algumas luzes se apagavam em prédios próximos. Eram cinco horas.

As sete horas, o despertador tocou junto à cama de Magda.Ela se espregui-çou, levantou-se e caminhou para o banheiro. Morava num apartamento pe-queno mas muito confortável. Abriu a torneira do chuveiro e regulou a tem- peratura da água. Tomou um banho rápido mas eficiente. A seguir fez uma refeição tranquila e vestiu-se para ir trabalhar. Chegava sempre as oito e pouco na loja de presentes finos onde, apesar de ter apenas vinte e dois anos, conquistara a posição de gerente.

Ao sair do edifício em seu carro ela notou a pequena aglomeração que se formara na rua, em torno de alguma coisa coberta por um plástico e

imaginou, com um arrepio, do que se tratava.

O mês de junho se fora. Agosto chegara e passara. A primavera se avizinha-va. A secretária do doutor Arnaldo Veiga interfonou para ele.

- Sim, dona Camila...

- É uma ligação do doutor Ernesto, de Florianópolis, o senhor atende ?

- Pode passar, vou atender.

- Meu caro Arnaldo, tudo bem por aí ?

- Tudo, obrigado e com você ?

- Também. Estou ligando para te informar que nossa reunião com a FTC foi agendada para o dia doze.

- Ah, obrigado por me informar. Estarei aí com certeza.

- Perfeito. E no mais, como vão as coisas ?

- Correndo normalmente, obrigado.

- Bem, nos falaremos melhor aqui. Um abraço.

- Outro a você.

Arnaldo era um homem alto, elegante, de trinta e oito anos. Refinado, seus amigos mais íntimos se referiam a ele como O Príncipe. Era solteiro, o que surpreendia seus amigos. Um executivo bem situado no mundo dos negócios, com ótima situação financeira, perguntavam-se e também a e-le, se uma esposa não facilitaria sua vida socialmente. Mas ele respon – dia que não tinha disposição para um casamento. Gostava muito de sair e inclusive freqüentar a noite, era um fã incondicional de MPB e jazz. Jô-gava tênis regularmente gostava de assistir bons filmes e bom teatro. E cultivava breves relacionamentos com mulheres bonitas.

Não era provável que se estabelecesse um relacionamento entre Arnaldo e Magda. Os dois transitavam em esferas diferentes. Mas, um dia, ele es-tava a procura de algum objeto fino e original para presentear um casal amigo e passou por acaso pela vitrine principal da loja em que ela traba-lhava. Um jogo de cálices de cristal tcheco atraiu sua vista e ele entrou.

Com seu faro de excelente vendedora, Magda reconheceu-o instantânea-mente como um ótimo cliente em potencial. Adiantou-se para atendê-lo. Sua silhueta atraente e seu rosto bonito ajudavam-na muito em sua pro-fissão. Arnaldo impressionou-se com ela. Conversaram durante a rápida transação e ele saiu da loja levando os cálices, muito bem embrulhados, por sinal.

Normalmente a coisa teria ficado nisso. Mas Arnaldo ficara muito bem impressionado com a beleza e a desenvoltura da garota. Em resumo, além de muito bonita, ele a achou fina. A idéia de tornar a vê-la pareceu-lhe interessante. E ele voltou a fazê-lo. Não imediatamente, era um hábil jogador no que dizia respeito ao sexo feminino, mas, dali a duas semanas, voltou a loja a pretexto de procurar outro objeto para presentear um amigo que aniversariava. Magda procurou ajudá-lo e achou sua conversa interessante. Ele aproveitou para falar de alguns gostos e preferências dele e logo se estabeleceu um clima de certa empatia entre os dois. Arnaldo teve o cuidado de não apressar as coisas e parecer um garanhão qualquer. Não lhe fez um convite precipitado para sairem juntos. Sentiu, contudo que estava com meio caminho andado.

Magda conversava muito com Verônica, sua amiga mais íntima. Contou a ela que conseguira um novo e interessante cliente.

- Ele é bonito, amiga ?

- Acho que é mais charmoso que bonito, o que, para mim é mais impor-tante num homem. Veste-se impecavelmente e usa uma colônia impor-tada, discreta.

- Resumindo, é um tesão...

- Calma, amiga ! Nem estou pensando nisso.

- Por enquanto...

- Ah, não sou uma bobinha. Se ele pensar em me levar para a cama, vai ter muito trabalho para conseguir isso. Eu não sou fácil, Verônica.

- Nem eu, de garotas fáceis a cidade anda repleta.

Arnaldo voltou de Florianópolis após uma reunião de negócios muito bem sucedida. Tinha o que comemorar e pensou em Magda. Mandou sua secretária ligar para o florista e enviar uma dúzia de rosas à garota mas fazê-lo sem colocar seu cartão de visitas. A tarde passou, como que casualmente, pela loja. As rosas ocupavam o espaço de um vaso bonito. Magda o atendeu.

- Vejo que gostou das rosas que escolhi para você.

- Estava aqui quebrando a cabeça para adivinhar quem teria sido.

- Não vai tentar me dizer que tem poucos admiradores?

- Na verdade, acho que tenho mesmo.

- Bem , voltei de Florianópolis hoje pela manhã.

- Dizem que é uma graça de cidade.

- É sim, mas, para mim o mais importante foi que tive uma reunião de negócios muito proveitosa.

- Parabéns !

- Se quer me dar parabéns, por que não aceita jantar comigo e comemo-rarmos juntos ?

- Hoje ?

- Pensei em jantarmos no sábado. Já foi ao Antiquarius ?

- Meus ganhos não me permitem essas extravagâncias...

- Bom , creio que com os lucros que minha empresa vai ter, posso me permitir oferecer-lhe um bom jantar...

- Está bem, fica combinado então.

- Ótimo ! Então até sábado.

- Até. E muito obrigada pelas rosas.

- Foi um prazer. Achei que combinam com você...

Aquela noite, aquecendo um miojo e fritando um ovo em sua cozinha, Magda sonhou acordada como seria jantar num restaurante de luxo no sábado.

Arnaldo acordou cedo na manhã seguinte e jogou três bons sets de tênis com seu amigo Otavio antes de ir para seu escritório. No vestiário, após um chuveiro frio, seu amigo lhe interpelou:

- E aí, Arnaldo ? Quem é sua conquista mais recente ? Você não tem sido visto com nenhuma gata deslumbrante...

- Estou ficando velho, meu amigo.Não ando com muito fôlego para no-vas aventuras.

- Claro, claro, vai se casar com alguma ricaça com pendores intelectu-ais e leva uma vida sedentária...

- Também não precisa exagerar, não é, Otavio ?

No sábado, Arnaldo e Magda jantaram juntos. Ele ficou bem impressiona-do pela aparência dela. Usava um vestido discreto e ao mesmo tempo se-xy porque insinuava sem realmente mostrar as belas formas de seu cor-po esguio. Com o cabelo solto seu bonito rosto ficou encantadoramente emoldurado. Arnaldo achou-a muito apetecível.

Ela deixou que ele escolhesse a entrada e recusou um drinque. Ouviu o maitre discorrer sobre os vários pratos, que Arnaldo conhecia muito bem, optando por um peixe que parecia ser delicioso. O maitre sugeriu um óti-mo vinho branco para acompanhá-lo,mas ela preferiu beber água mineral.

Conversaram sobre temas variados durante a refeição que terminou com Magda aceitando a sugestão de sobremesa dele. Arnaldo sugeriu que um bom final de noite seria uma passada num piano bar, mas ela recusou di-zendo que pretendia dormir mais cedo e aproveitar o domingo. Ele não in-sistiu. Fez bem, porque com isso desarmou uma boa parte da defesa dela quanto a suas intenções. No domingo, por volta das onze horas, ela rece-beu uma dúzia de rosas com um breve agradecimento no cartão da casa de flores, pela noite anterior. Arnaldo, pensou ela, era realmente um per-feito cavalheiro. Verônica estava com ela quando as rosas chegaram.

- Amiga, o cara está apaixonado mesmo por você !

- Só por causa dessas rosas ? Ele é rico, Verônica. Deve gastar um bom dinheirinho enviando rosas às garotas com quem sai. Eu não vou me comover com isso. Vou continuar a jogar duro com ele.

- Bem, você é quem sabe, mas meu palpite é que vai acabar cedendo...

- Que frase safada, amiga, acha que vou me envolver sexualmente com ele ?

- Acho. Mas não quero arriscar nenhum palpite.

A semana seguinte não trouxe novidades. Arnaldo telefonou-lhe dizendo que faria uma rápida viagem a Buenos Aires e perguntando, com natura-lidade se ela desejava alguma coisa da capital portenha. Ela respondeu que não e agradeceu. Quando o sábado chegou ela percebeu que estava sentindo falta dele. Na terça-feira ele passou pela loja. Trazia-lhe um ca-valo de madeira muito bem esculpido, um típico pingo argentino. E convi-dou-a para conhecer o Music Box, na noite de sábado. Ela aceitou o convite.

O Music Box era um bar luxuoso mas aconchegante. Arnaldo ainda não estivera ali, mas um amigo o recomendara. Sua decoração era tipicamente européia. Magda sentiu-se num bar inglês. A música, de pri-meira qualidade, era responsabilidade de um quarteto, onde o pianista e-ra o líder e arranjador. Os outros três instrumentos eram um baixo acús-tico, um sax tenor e uma bateria. Eles tocavam sem preocupação até às onze horas, quando era anunciado seu show. O ambiente da casa mudava então. Os clientes, gente realmente apreciadora de boa música, curtiam em silêncio os números, anunciados ao microfone pelo pianista que al-gumas vezes atuava como crooner. Magda ficou encantada. Ela bebera um coquetel de frutas, quase sem álcool, mas depois tomara dois White ladies, enquanto Arnaldo bebia scotch com muito gelo. Serviram-se de deliciosos canapés de salmão e welsh rarebits. O clima era perfeito. Por volta de meia-noite e meia , Magda começou a sentir sono. Ficou um tan-to preocupada com isso, mas Arnaldo veio em seu socorro.

- Você está com sono, não é, querida ? Deve ter trabalhado demais esta semana.

- Não, não sei. Esse sono me chegou de repente. Me desculpe.

- Ora, que bobagem ! Vamos terminar nossos drinques enquanto eu pe-ço a conta. Depois vou levar você em casa.

- Você deve estar decepcionado comigo.

- De jeito nenhum, você é um encanto de garota.

Já no carro, o sono de Magda acentuou-se. Suas pálpebras pareciam pe-sar como chumbo. Ela tentou resistir mas acabou adormecendo profun-damente. Arnaldo sorriu intimamente. O violento sonífero que pusera no cálice da moça quando ela estava no toalete, tinha agido com sucesso.

Magda acordou duas horas depois. Tentou levar uma das mãos ao rosto mas não conseguiu. Estava solidamente imobilizada. Seus tornozelos es-tavam também amarrados e sua boca brutalmente fechada por uma tira de esparadrapo. Ela olhou em seu redor. Estava deitada, nua, sobre uma cama de casal. Tentou desesperadamente mover-se. Inutilmente. De uma porta em frente aos pés da cama, surgiu a figura de Arnaldo. Ele olhou-a com uma expressão estranha e , após remover suas próprias calças, co-meçou a colocar em seu pênis intumescido um preservativo. Magda es –tremeceu ao vê-lo aproximar-se dela. Calmamente, mas com uma expres-são terrível em seu rosto ele começou a penetrá-la. Serviu-se da garota executando movimentos cada vez mais rápidos, até que ejaculou. Retirou com cuidado o preservativo, foi ao banheiro anexo ao quarto e lavou-se cuidadosamente. Horrorizada, Magda viu ele empunhar uma espécie de estilete, um furador de gelo e aproximar-se dela novamente.

A sala do delegado Afrânio Moreira na delegacia de homicídios não pri -mava pela organização. Sobre sua mesa os papéis se confundiam numa desordem total. Mas ele encontrava infalivelmente o relatório ou outro documento qualquer de que precisava.

O inspetor Gonçalves bateu de leve na porta e entrou.

- Uma péssima noticia, chefe.

- O que foi, Gonçalves ? O restaurante mandou meu almoço trocado ?

- Antes fosse isso, doutor Afrânio. O assassino miserável, o monstro da madrugada, fez mais uma vítima.

- O que ? Quando foi isso ?

- Esta madrugada chefe.

- Tem certeza que foi trabalho dele ?

- Tenho. Ele largou o corpo na rua , embrulhado num plástico negro e com sua assinatura habitual, uma rosa amarela presa ao corpo por um esparadrapo.

- Estrangulada ?

- Não, chefe. Ele mudou a forma de matar. Usou um estilete bem fino di-reto no coração, mas não deixou a arma junto do corpo.

- E você esperava que ele deixasse ? Esse desgraçado não cometeria um descuido assim. Algum indício que nos ajude ?

- Nada, doutor. Não vamos poder nem fotografar o rosto para ajudar na identificação porque a moça, coitada, está com uma expressão de ter-ror e os olhos arregalados.

- Coitada, Gonçalves, ela viu esse monstro se aproximar dela seguran- do, ou melhor, empunhando a arma do crime...

- Apesar de tudo, dá para ver que ela era bonita e tinha um corpo lindo.

- É, as duas vítimas anteriores também. Ele deve odiar mulheres. O ca-daver já está no IML ?

- Já, chefe. Eu pedi urgência no laudo.

- E a perícia do local ?

- Nada, doutor Afrânio, esse miserável não deixa pistas. As impressões digitais da vítima já foram colhidas. Estão com os dactiloscopistas , pode ser que a gente consiga uma rápida identificação.

- Espero que sim, Gonçalves e alguém, em algum lugar da cidade, vai dar por falta dela, pelo menos até o meio da semana. Por Deus ! Te-mos que encontrar e paralisar para sempre esse monstro .

- O senhor vai conseguir, chefe !

- Não tenho esse seu otimismo, mas vamos trabalhar muito para isso. Será que a mídia já sabe que é trabalho desse desgraçado ?

- Já deve saber, doutor, sabe como é, um papo com um dos dois PM que guardavam o corpo, uma olhadinha rápida na hora da remoção, a rosa presa no seio da vítima com um esparadrapo...

- Bem, talvez seja até melhor, Gonçalves, pode ser até que ajude nosso trabalho.Vamos agir depressa e ver se um mínimo de sorte nos ajuda.

- Se, pelo menos ela estivesse com alguma peça de roupa ou um calça-do...Mas ele não deixa nada, gosta de suas vítimas totalmente nuas.

- É isso aí. Sorte que hoje é domingo e a mídia impressa não vai publicar nada. Vamos esperar os noticiários das rádios AM e da televisão.

Na terça-feira de manhã, o corpo foi identificado através das impressões digitais. O doutor Afrânio foi rápido em obter um mandato para revistar o apartamento de Magda. E mandar publicar uma foto dela nos veículos de comunicação. O assassino tinha a essa altura queimado ou dissolvido com ácido seus documentos pessoais mais utilizados. Na terça- feira ainda pela manhã, Gláucia Rodrigues, proprietária da loja de presentes, procurou a polícia. À tarde, Verônica a melhor amiga de Magda, fez o mesmo. Gláucia não teve muito o que informar. Naturalmente sugeriu que as duas outras funcionárias da loja prestassem informações ao dele-gado, ela mesma ficava pouco na loja, encarregava-se mais da parte fi-nanceira e das compras para o estoque. Sim, Magda era uma jovem em quem ela depositava toda a sua confiança, tinha um comportamento im- pecável. Verônica foi mais precisa. Afirmou que a vítima estava muito in-teressada por um novo relacionamento, um executivo de alto nível. Seu nome ? Arnaldo. Não, não sabia o sobrenome ou em que empresa ele tra-nalhava. Sabia que ela jantara com ele duas semanas atrás. O porteiro do edifício não foi muito útil.O prédio tinha oito andares e oito apartamentos por andar. Era difícil lembrar-se de quem saíra e mais ainda de quem vol-tara, porque não havia porteiro à noite. Era preciso tentar outra linha de investigação. Os soldados da PM que cobriam a área não souberam ou puderam ser úteis. Faziam sua ronda preocupados em evitar assaltos e coibir o uso e tráfico de tóxicos. Não reconheceram Magda pela foto.

Restava o restaurante Antiquarius, o nome tinha sido memorizado por Verônica e a data do jantar, embora não precisa, também. O maitre, com-frontado com uma foto da vítima, lembrou-se vagamente dela, assim co- mo um ou dois garçons da casa. Mas não se lembravam de quem a acompanhava, alegaram que, numa noite sexta-feira o movimento era mais intenso. O delegado Afrânio não teve muito como insistir, sabia também que para uma casa daquele nível, o que menos interessava era ter seu nome ligado a um caso brutal de assassinato.

Restavam as duas vendedoras da loja de presentes. Sim, elas se lembra-vam bem de um homem que mandara rosas para a gerente. Ele tinha es- tado na loja umas duas vezes. Era muito fino, parecia um príncipe, disse uma delas. Não, não lembravam seu nome. Lembravam que ele tinha comprado um jogo de cálices de cristal theco. Sim, ele tinha pago à vista, podiam procurar a nota de venda. Encontrada a nota, ela nada revelou. O cliente pagara em dinheiro, seu nome não constava nela. Quanto às rosas, não sabiam dizer se vieram acompanhadas de um cartão de visitas. Tinham chegado com um envelope em nome de Magda, mas, é claro, elas não tinham visto o cartão dentro dele e Magda não tinha comentado nada, era uma pessoa muito discreta.

A investigação parecia não avançar um palmo.

- E agora, chefe ?

- Agora, Gonçalves, temos que traçar um perfil psicológico desse assas-sino. É obvio que se trata de um serial killer. Mas não de um profissio-nal do crime. Será casado ou solteiro ? Pela descrição das duas lojis-tas é um homem de trinta e cinco a quarenta anos. Numa cidade de vários milhões de habitantes, quantos deles podem se encaixar nesse perfil? E mais, será que o nome verdadeiro dele é Arnaldo ?

- Puxa, chefe, o senhor faz as coisas parecerem ainda mais difíceis.

- Infelizmente temos que ter calma, Gonçalves. Alguém vai se lembrar, de repente, de alguém ou alguma coisa que nos leve à solução e o ala-rido da mídia sobre o caso, fará com que o assassino, provavelmente, demore bastante a atacar outra vez.

- Tomara que o senhor esteja certo, chefe.

- Ah, estou sim, Gonçalves, já estou suficientemente calejado para me enganar nesse assunto. Bem, vou jantar com minha mulher, estamos comemorando nosso terceiro aniversário de namoro.

- De namoro, doutor Afrânio ? Que coisa mais romântica.

- É, de namoro sim. Fique atento aqui. Só retornarei amanhã.

- Deixe comigo, chefe. E por favor, dê meus cumprimentos à dona Teresa pela data.

- Darei, Gonçalves. Ela gosta de você e sabe muito bem te utilizar para vigiar minha alimentação fora de casa.

- Que é isso, chefe ? Até parece que eu seria capaz disso...

- Disso e de coisas muito piores. Bom, vou andando. Porte-se bem...

Afranio Moreira tinha sido um solteirão convicto. Tinha sido preciso co-nhecer e se apaixonar por sua mulher para casar-se e entrar na vida bem mais equilibrada que era a sua agora. Estavam nesse momento, sentados em seu restaurante favorito bebericando caipiríssimas e conversando co-mo dois namorados.

- E aí, querido ? Está com esse crime entalado em sua garganta, não é ?

- Ah, meu amor, você não imagina o que é saber que há um monstro solto pelas ruas e não ter como pegá-lo.

- Você vai prendê-lo sim, mais dia menos dia.

- É reconfortante sentir que você tem essa fé toda em mim.

- Sempre tive, Afrânio, desde que te conheci.

- O problema é que estamos quase sem nenhuma pista.

- Pois eu acho que vou poder te fornecer uma.

- Você, minha querida ? Como assim ?

- Bem , pode ser apenas um palpite errado.

- Não importa. Quero saber que palpite é esse.

- Você sabe, estive no salão esta tarde para fazer uma escova em meu cabelo.

- Sim, e daí ?

- Daí que a Leticia, minha cabeleireira, começou a falar sobre esse cri-me horrível.

- E ?

- E me contou que uma sobrinha dela tinha tomado uma espécie de sus-to há algum tempo atrás.

- Um susto...

- Sim, ela tinha começado a sair com um homem muito fino, um execu-tivo de uma empresa. Saiu uma vez para jantar com ele. Depois disso ele a convidou para irem a um torneio de tênis e ela aceitou. Mas ficou cismada e não saiu mais com ele.

- Cismada ?

- É, essas coisas de intuição feminina. Não quis mais sair com o cara. E ficou assustada com a expressão dele quando lhe disse que não iria sair mais com ele. Que o homem se controlou mas que estava com u-ma expressão quase de ódio nos olhos. Ela ficou bem assustada.

- Humm, essas coisas às vezes acontecem. Mas, por que você falou em pista, meu amor ?

- O nome, meu querido, o nome do homem dessa estória, é Arnaldo.

- Ah, isso é bem interessante.Será que eu poderia falar com essa moça através do seu contato com a tia dela ?

- Acho que não haverá problema. Quer que eu veja isso para você ?

- Quero sim. A essa altura temos que explorar todas as hipóteses.

- Bom, teremos que falar com a Leticia segunda-feira à tarde no salão. Eu poderia ligar amanhã para o celular dela, o que você acha ?

- Tudo bem, falaremos com ela na segunda-feira. Só um dia a mais não fará diferença. E agora, que tal uma sobremesa ?

- Tudo bem, para mim profiteroles. Para você, meu atleta, uma frutinha fresca, quem sabe uma pêra ?

- Uma pêra ? Não será melhor uma uva branca ? Uma só ?

- Não adianta ser sarcástico. Você vai comer uma pêra mesmo.

- É, você seria uma excelente carcereira...

Na segunda-feira, Teresa levou Afrânio ao salão para falar com Leticia. Com o pequeno movimento do início da tarde, ela os levou ao seu peque-no escritório onde teriam a privacidade necessária.

- É sobre aquela estória que você me contou sobre sua sobrinha. O Afra-nio ficou curioso a respeito dela.

- É verdade, estamos atrás de um assassino monstruoso e sabemos apenas que o nome dele é Arnaldo, como você já deve saber pela mídia.

- Pois é, doutor Afrânio. Será que conseguirão pegá-lo ?

- Temos que pegá-lo antes que ele faça uma nova vítima.

- E o senhor acha que minha sobrinha poderá ajudá-lo ?

- Bem, temos que pensar em todas as possibilidades. Gostaria, se possí-

vel, de conversar com ela.

- Como seria melhor fazê-lo ? Em sua delegacia ?

- Talvez não. Ela poderia se sentir constrangida.

- Já sei, vou chamá-la aqui no salão depois que estiver fechado. Hoje mesmo se o senhor quiser.

- Seria ótimo.

- Espere, vou lugar para o celular dela.

Leticia ligou e seguiu-se uma breve conversação entre ela e sua sobrinha Ângela. Ficou acertado que esta passaria no salão às seis e meia.

Ângela Barbosa era uma moça muito bonita. Tinha um jeito determinado de quem sabe o que quer da vida. Trabalhava num escritório de advoca-cia como secretária, mas estudava Letras. Após uma apresentação formal, Afrânio foi logo ao ponto.

- Então, Angela, sabe por que lhe pedi que me encontrasse aqui, não ?

- Sim, já tinha uma idéia. Quer que eu lhe fale sobre o Arnaldo.

- Isso mesmo. Gostaria que você me dissesse tudo o que sabe sobre ele, e principalmente o que a levou a não querer mais esse relacionamento.

- Bom, sobre esse último item, minha resposta é simples. Foi por causa do meu sexto sentido e talvez minha capacidade de observação. Eu vi o Mal nos olhos dele.

- Certo. E como se conheceram ?

- Ah, ele provocou isso. Me abordou na inauguração de uma galeria de arte. Mas foi educado, me pareceu natural. Conversamos bastante. Ele é um homem atraente, culto, acabamos combinando jantar juntos.

- E depois saíram mais uma vez ?

- Saímos, ele joga tênis, eu também.Fomos assistir as finais do carioca individual feminino e masculino, um domingo à tarde, no Country.

- Ele é sócio do Country ?

- Não sei dizer. Sei que ele joga com amigos, numa quadra particular, a-cho que na Barra ou no Recreio.

- Me diga, alguma vez ele lhe enviou ou lhe ofereceu flores ?

- Sim, o pessoal do meu escritório me gozou bastante por causa disso. Ele me enviou duas dúzias de rosas, sem cartão. Mas depois me confessou que tinha sido ele.

- E o sobrenome desse Arnaldo ?

- Isso é curioso. Ele me disse ser descendente de suecos. Um sobreno-me atravessado, Davidson, ou alguma coisa assim.

- Você tem algum telefone dele ?

- Ainda sei, de memória, seu celular .

- Que ótimo, você é uma moça muito inteligente, Ângela .

- Que nada ! O senhor acha que pode ser ele o assassino ?

- Isso iremos ver...

- Por favor, conte comigo para qualquer ajuda possível que precisar. É terrível pensar que existe um monstro solto na cidade, matando mu-lheres indefesas. Quer anotar o celular do Arnaldo ?

- Quero, por favor. E não se preocupe. Manterei você informada caso haja progresso em nossas investigações.

- Claro que vai haver. Tenho a certeza de que o senhor vai pegar esse criminoso miserável.

O doutor Afrânio Moreira comia seu almoço, aquecido no microondas, sen-

tado confortavelmente em sua sala na delegacia.

- Isso é tudo que pudemos fazer até agora, Gonçalves. Precisamos entrar em contato, de alguma forma insuspeita, com esse Arnaldo .

- Acha que ele é o nosso homem, doutor ?

- Acho que pode ser sim. O nome, o envio das rosas, parece que tudo está batendo. Você investigou o celular ?

- Sim, é pré- pago. Em nome de um Arnaldo Moura.

- Isso não quer dizer nada. Davidson pode ser um sobrenome de famí- lia, que ele não usa. Vamos ter que descobrir isso.

- O problema é que não temos do que acusá-lo, chefe.

- É verdade. Mas eu estou com um plano sinistro na minha cabeça ...

- É mesmo ? Que plano, chefe ?

- Você não vai concordar com ele...

- Não importa, doutor, me conte assim mesmo.

- É um plano bem arriscado, mas acho que é a única maneira de pegar esse homem.

- Ah, me conte logo, chefe !

- Uma isca, Gonçalves. Temos que usar uma isca para atrair esse tuba-rão assassino. Uma isca feminina, jovem, inteligente e bem bonita.

- Quem, chefe ? Uma policial a paisana ?

- Bem melhor que isso, Gonçalves. Estive pensando na senhorita Ângela Barbosa.

- Chefe, o senhor está brincando...

- Não, Gonçalves, estou falando sério. E sabe ? Aposto meu salário que ela topa.

- Mas e os riscos, doutor ? Imagine se acontecer alguma coisa ruim com a moça? Como vamos nos justificar ?

- Não teremos como. Nosso plano terá que ser perfeito.

- Minha nossa ! Não estou gostando nada disso.

- Nem eu, meu amigo, só que não consigo pensar em outra solução.

- Então o senhor vai falar com ela ?

- Vou, Gonçalves, se for possível ainda hoje.

O delegado Afrânio Moreira não era homem de perder tempo. Às oito ho-ras estava sentado à mesa de um de seus restaurantes favoritos. Do la-do oposto sentava-se Ângela Barbosa.

- Tenho uma proposta a lhe fazer, Ângela.

- É mesmo, doutor Afrânio ? Vou ser sua colaboradora ?

- Bem, a verdade é que talvez você possa me ajudar e muito.

- Que maravilha ! Diga-me como...

- Vou lhe dizer. Mas quero lembrar a você que tem o absoluto direito de recusar minha proposta, sem que isso altere a consideração que já te-nho por você. Isso e minha admiração por sua inteligência e sensibili – dade.

- Estou muito lisonjeada, obrigada por essas palavras. Agora me fale na sua proposta.

- Tenho um plano, Ângela, para pôr as mãos nesse assassino e você faz parte importante dele.

- Estou disposta a fazer parte mesmo. Me explique como.

- Sabe ? Estou convencido que sua intuição foi perfeita. O Arnaldo com quem você saiu deve ser o nosso homem. E acredito que, juntos pode-mos pega-lo. Nós dois e a minha equipe.

- Fantástico ! E como vamos conseguir isso ?

- Só há um pequeno problema. Você tem que fazer com que ele se rea-proxime de você. Captar de novo o interesse dele por você e no mais curto espaço de tempo possível. Não vamos dar chance que ele faça uma outra vítima.

- Então, a quase vítima serei eu ?

- Você raciocina muito depressa, é isso mesmo. Mas saiba que todas as medidas, possíveis e imagináveis, serão tomadas para evitar qualquer dano à sua integridade física. Todos os possíveis riscos estarão cober-tos. Mesmo assim, se você achar que pode haver algum perigo, peço- lhe que não aceite minha proposta.

- Então vou lhe surpreender de novo. Acho que sei como fazer logo essa reaproximação.

- Como ?

- Daqui a nove dias o Brasil começa a disputar com a Bolívia, uma vaga na etapa seguinte da Copa Davis, aqui, no Rio. E acho que o Arnaldo não vai deixar de ir ver essas partidas. Francamente, eu tinha pensado em vê-las pela televisão. Mas...

- Mas você vai assisti-los em pessoa, não é ? Nós da polícia cobriremos todos os seus gastos com ingressos e alimentação. Sobre esse aspec-to não se preocupe.

- Ótimo ! Ele com certeza também estará lá. Só que talvez vá com algu-ma mulher.

- Vamos torcer para que não. Mas se isso acontecer, ele não deixará de ver você e com certeza lhe telefonará depois.

- O senhor confia demais no meu poder de atração...

- Confio sim. E com ele você mais que provou isso.

- Obrigada, doutor Afrânio.

- Bom, vamos agora ao resto do plano. Você vai ouvi-lo muitas vezes, mas preste muita atenção desde já. E seria redundante eu lhe lembrar do sigilo absoluto que precisaremos manter até o resultado final.

Nada de novo tinha acontecido até a quinta-feira seguinte. Os jogos da Copa Davis se iniciariam na sexta e continuariam no sábado e domingo.

Afrânio, Gonçalves e Ângela tinham se reunido mais três vezes, sempre secretamente, esmiuçando detalhes do plano. Tudo estava pronto. Por sua vez, o delegado e o inspetor tinham reunido sua equipe na manhã da quinta-feira e, no maior sigilo, estabelecido as funções precisas de cada um. Não poderiam ocorrer falhas, mesmo mínimas.

A manhã de sexta-feira estava ensolarada. Ângela chegou ao estádio que tinha sido montado no clube da barra especialmente para os jogos, quin-ze minutos antes do inicio dos mesmos. As duas primeiras partidas indivi-duais foram jogadas sem que Arnaldo aparecesse no local. No sábado, antes que a partida de duplas começasse, Ângela o avistou num camarote pouco distante de onde ela estava. Estava acompanhado por três outras pessoas, um casal e um rapaz barbudo. Não se passou muito tempo sem que ele também a visse. No intervalo antes do quinto set, no bar do clube, ele a abordou.

- Bom dia, Ângela. Como vai ?

- Bem, obrigada e você ?

- Eu também, o que está achando da partida?

- Ótima, acho que vamos vencer neste quinto set.

- Eu tenho a certeza que sim. E você ? Tem jogado muito ?

- Jogo sempre que posso, não disponho de mais que umas três vezes por semana.

- Bem ,o jogo vai recomeçar. Foi um prazer revê-la, está linda como sempre.

- Obrigada. Até mais.

Um agente policial que simulava estar filmando profissionalmente cap-tou imagens do casal numa tomada em panorâmica, plenamente justifica-vel se preciso fosse, pela beleza de Ângela. Mais tarde filmou Arnaldo ou-tras vezes, fingindo estar registrando o público nos camarotes. Estava vestindo bermudas e usava um boné bem esportivo, não poderia ser to-mado por um policial.

Aquela noite mesmo, o delegado Afrânio e sua pequena equipe, analisa-ram as fotos obtidas e os filmes. Não haveria qualquer dúvida para iden-tificar Arnaldo Moura.

O domingo não trouxe novidades. Como o Brasil já estava classificado para a rodada seguinte da copa, a freqüência caiu um pouco. E Arnaldo

não apareceu. A noite, Afrânio e Ângela conversaram.

- E aí, doutor Afrânio ? Parece que nosso plano falhou .

- Ah, eu não diria isso. Não podemos ser impacientes. Muito pelo contrá-rio, no trabalho policial, a paciência é uma virtude indispensável.

- Mas ele me viu, falou comigo...

- Não se esqueça que você o rejeitou anteriormente. Ele não quer se precipitar, é um ótimo jogador. E depois, tenho indícios de que ele continua muito atraído por você.

- Que indícios ?

- Filmes, Ângela. Dos dois cinegrafistas que utilizamos. Eles mostram a freqüência com que ele olha fixamente para você, sem que você per-ceba. Ele vai lhe telefonar, tenho certeza.

- O senhor acha isso ?

- Não acho, tenho certeza.

- O senhor parece estar muito confiante...

- Estou mesmo. Sei que vamos vencer esse jogo. Não faça nada de dife-rente nos próximos dias. Fique tranqüila e disponível para a ligação dele. E nós estaremos na escuta. É muito importante estarmos frios e seguros quando as coisas acontecerem. Segunda e terça-feira se passaram. Na quarta à tarde o celular de An -

gela tocou. A voz de Arnaldo era inconfundível.Ele propunha que saís- juntos na sexta-feira à noite. Um show de MPB estaria inaugurando ma casa noturna na zona sul da cidade. Ele insistia que era um show imperdível. Ângela fingiu relutar e acabou aceitando o convite. O peixe tinha mordido a isca. Na noite seguinte, a equipe de Afrânio Moreira repassou todo o plano. Não havia pontos fracos nele, mas o delegado foi incisivo.

- Ainda podemos desistir disso tudo, Ângela.

- Mas, por quê ?

- Não quero expor você além do necessário. Estou apreensivo.

- Ah, me desculpe, doutor Afrânio. Chegamos até aqui, agora vamos até o fim. Nós vamos conseguir ! Eu não vou tremer ou recuar.

- Muito bem...vamos então acertar os últimos detalhes.

A equipe estava dividida em três viaturas para a noite de sexta-feira. U-ma era um carro de patrulha, convencional, com três policiais armados. Dois outros agentes, à paisana ocupavam um carro particular. E o próprio doutor Afrânio, junto com o inspetor Gonçalves estava usando o carro de sua mulher, para eliminar qualquer tipo de suspeitas do suposto assassi-no. Às nove da noite, Ângela recebeu a comunicação do porteiro de seu prédio, um cavalheiro a estava aguardando no hall. O homem identificou-se pelo interfone. Era Arnaldo Moura. Ângela desceu. A sorte estava lan- çada.

O Billboard Blues era uma casa sofisticada. A decoração, típica dos anos cinqüenta, emoldurava e preenchia um espaço amplo e confortável. E mesmo se tratando de uma inauguração, o serviço era da melhor quali-dade. Reservas tinham sido feitas e todos os presentes dispunham de mesas, várias delas de apenas dois lugares, como a que Arnaldo e Ânge-la ocupavam. Às onze horas o show inaugural teve início. Mesmo tensa pela situação que estava vivendo, Ângela admirou o alto nível dos mú-sicos. Arnaldo parecia embalado pelo som mas volta e meia tocava deli-beradamente os dedos de Ângela sobre a mesa, causando-lhe uma sen-sação desagradável. Mas ela procurava tolerar esses contatos sem dei-xar seu companheiro de mesa perceber sua repulsa. Bebera apenas um coquetel de frutas, quase sem álcool e logo passara a consumir apenas sucos. Arnaldo bebia uísque escocês com água cristal e bastante gelo. Já eram quase duas horas quando Ângela começou a sentir sono. Mencionou isso a Arnaldo. Ele não pareceu aborrecido. Propôs-lhe pagar a conta e saírem. Ela concordou. No carro, vigiado sem que ele soubesse pela equipe do doutor Afrânio, ele pareceu tomar o caminho do apartamento da moça. Mas, quando constatou que ela dormia profundamente pelo efeito da droga que misturara a um dos sucos, mudou de direção. O carro que os seguia não fez o mesmo de imediato. O doutor Afrânio preferiu comunicar-se com a patrulhinha que aguardava a meio caminho entre o clube noturno e a residência do empresário. Mas, após um três minutos, passou a segui-lo outra vez, guardando uma grande distância entre ele e o perseguido. Arnaldo, passou dirigindo em boa velocidade, pela esquina onde estava a patrulhinha. Esta passou a segui-lo com a sirene ligada. O empresário acelerou fundo seu Audi negro. A perseguição continuou assim por mais de três quilômetros. A patrulhinha não conseguia encurtar a distância. Comunicado pelo rádio do que estava acontecendo, o doutor Afranio decidiu acionar o veículo restante. Este estava parado perto da casa de Arnaldo. Era uma casa isolada no Recreio. Os detetives ligaram o motor de seu veículo e partiram em direção oposta aos carros que se aproximavam, mesmo estando na contra-mão. Mas tinham ligado um pisca-pisca sobre o teto de seu carro e uma sirene. Dez minutos depois, os carros se enfrentavam. Arnaldo tentou desviar-se. Na manobra, tocou numa mureta e um pneu de seu carro estourou. Ele conseguiu controlar o Audi e parou no acostamento. Os policiais dos dois carros que o perseguiam fizeram o mesmo. Desvencilhando-se rapidamente do cinto de segurança, Arnaldo saltou do carro. Tinha uma pistola 9mm em sua mão. Advertido de que jogasse sua arma no chão, o assassino fez um disparo.

O projétil atingiu o ombro de um dos policiais que revidou o tiro junto com seu parceiro. Arnaldo tombou no asfalto. Os outros agentes abriram a porta do Audi. Profundamente adormecida, Ângela não se dera conta do que tinha acontecido.

Menos de uma hora depois, ela acordou sobressaltada. Estava na casa do delegado Afrânio e Teresa, a mulher dele, a olhava com ternura.

- Fique tranqüila, meu bem. Sou Teresa a mulher de Afrânio. Você está em nossa casa.

- O que foi que aconteceu ? Eu dormi ?

- Sim, dormiu mas pegou esse monstro assassino.

- Eu ? Mas como ?

- Vamos tomar um chazinho bem suave enquanto esperamos por Afranio. Ele já me ligou dizendo que não vai demorar nada.

- E o Arnaldo ?

- Está internado, querida, num pronto-socorro, mas os médicos acham extremamente difícil ele sobreviver.

- Então não teremos uma confissão ?

- Nem será necessário, Ângela. A casa dele está cheia de provas incri-minadoras. É ele o monstro da madrugada.

Na segunda-feira, o delegado Afrânio Moreira conversava com o inspetor Gonçalves. Seu celular tocou e ele falou brevemente.

- Era do hospital, Gonçalves. O homem morreu. Não chegou a recobrar a consciência.

- Ele merecia ter tido uma morte mais cruel, chefe.

- Não seja sanguinário, Gonçalves. A única coisa que me incomoda é não ter como saber quantas vítimas ele fez ao todo.

- Bem, chefe, pelo número de calcinhas guardadas naquele armário de-le, devem ter sido cinco.

- Pois é, mas quem teriam sido as três primeiras ? Acho que nunca sa-beremos.

- O importante é que ele não fará mais vítimas, doutor Afrânio.

- É, isso é verdade. Mesmo os assassinos mais espertos, quase todos, a-cabam sendo pegos.

- É isso mesmo, chefe.

- Escute aqui, Gonçalves. Onde está o meu almoço ? Pensa que o meu estômago é de ferro ?

- Qual, chefe, o senhor não toma jeito mesmo...Dona Teresa tem razão.

FIM

George Luiz
Enviado por George Luiz em 04/05/2007
Código do texto: T474679