VELHOS AMIGOS

VELHOS AMIGOS

Por

M. DAMER SIMAS

04h20min – 06 de outubro de 1991

- Olhe para mim seu bastardo. – Disse Antoan para o jovem Samuel.

Seus motivos são pífios, meras insignificâncias nesse vasto deserto onde você rasteja. És como uma serpente: - Venenoso, cruel e traiçoeiro. Sabe bem onde isso vai acabar não é?

- Parece que sua mente foi concretada e enterrada Antoan. Você sabia que um dia chegaria a esse ponto. O pior dos cegos é aquele que não quer ver, meu velho amigo.

- Faria sentido se você não fosse uma cobra Samuel. Nossas estradas se separam aqui. Normalmente o que importa no fim de tudo é para onde iremos e é isso que nos torna tão diferentes nesse minuto. Hoje irei para casa e amanha será um novo dia. Quem arriscará dizer o que o futuro me reserva? Para você, velho amigo, é bem mais simples. O futuro não existe, pois hoje. Você irá para o inferno.

- Calma Antoan! Respire, pense bem. Eu tenho...

Normalmente seria ouvido a metros de distância, mas o tiro foi abafado pelo silenciador da arma. As contas estavam pagas e os dois finalmente estavam quites.

14h15min – 05 de outubro de 1991

- Cá para nós Samuel. Não sei por que você está sempre de mal com os papéis. Que terríveis males esses inofensivos meios de liberdade já o causaram? Seja sensato e preste atenção no plano. Não teremos uma segunda chance.

- Cá para nós Antoan. Eu não sou um burro por completo. Já entendi por diversas vezes o que devemos fazer. Que chance isso tem de dar errado. Mais cruel que um carrasco é você torturando-me com essa porcaria de plano. Se tiver que ser feito, será.

- Eu apenas estou apreensivo meu amigo, compreenda. Nunca fizemos isso antes e espero que seja apenas essa vez. A sociedade porca e corrupta é que deve levar a culpa por isso. Nossa fome será saciada de uma vez por todas.

- Não desejo mais ter que assaltar ninguém Antoan. Farei por necessidade, entretanto, preciso de um tempo para refrescar a cabeça. Já que será à noite, deveríamos entupir nossa mente com algo saboroso. Algo solitário. Entende?

- Não fale mais nada. Vocês jovens com suas manias de alimentar a mente. Enfim, siga o plano. Você sabe a hora.

19hs 35min

- Não deveríamos fazer isso Samuel. Ele está lá, ele não merece.

- Ninguém comete um delito sozinho minha cara. Esse por exemplo. Somos eu, você. Ninguém deve se opor ao desejo que sentimos um pelo outro. Não agora. Se eu não voltar, pelo menos terei ido para o caixão ou para a cadeia tendo sentido o doce mel de seus lábios.

- Eu não deveria... Antoan... Ele não merece.

Ardente. Queimava como palha seca em dia de sol forte. A fúria do amor transbordava e fazia com que todos ouvissem. Casas de madeira são volúveis ao explícito. Seria até aceitável, se não fosse no lugar que estava sendo.

Coraline e Samuel se confundiam, eram a unha e a pele. As metades de uma laranja unidas, sendo espremidas e tendo seu suco derramado ao chão. O que era os dois, o que era lençóis? Não havia forma de saber. Mas o comediante chamado destino os pregaria uma peça. Ele havia reservado um fim para essa noite de amor.

19hs 35min

- Droga! Esse garoto já devia estar aqui. Malditos ponteiros que não param de correr. – Conversava sozinho um inquieto Antoan. - E Ela? O que deve pensar de mim sabendo o que vou fazer? Coraline é uma boa mulher, ela há de entender um dia. Hei de lhe dar uma vida melhor depois dessa noite. Devo permanecer concentrado, vou por as malas no fusca.

19hs 40min

- Samuel, seu louco! Onde você está? Bem, ainda é cedo se pensarmos que necessitamos da proteção da noite. Vou passar em casa. Quem sabe um último beijo em Coraline. Amanha posso estar morto ou preso. É isso, vou até lá.

19hs 55min

- Mas que merda é essa aqui? Seus filhos da puta. Eu não posso crer no que meus olhos veem. Coraline, sua vagabunda! Eu ia fazer isso por nós! POR NÓS SUA...!

- Eu posso explicar Antoan! Por favor! Tenha calma! Eu te amo!

- Calma Antoan, não é o que você está pensando!

- CALMA?! Eu estou calmo. Quem deveria estar nervoso é você Samuel. Você vai morrer hoje, velho Amigo!

03hs 00min - 06 de outubro de 1991

Coraline estava morta, Samuel ainda aguentava apanhar. Estava sendo espancado desde as 19hs 55min.

11h20min – 05 de outubro de 1991

Antoan tinha um motivo. Amava sua Coraline e em sua cabeça era sua a obrigação de dar-lhe um futuro mais digno. Ela havia contado que estava grávida e então o motivo foi multiplicado por dez. O crime não compensava, mas aonde chega mais fumaça do que comida, as escolhas são subtraídas. Ele tinha 30 anos, ela 22.

Sabia que seu filho não deveria ser criado sem pai, então nada deveria dar errado. Ele havia planejado, replanejado, conferido e reconferido. O sonho de viver apenas de música e ser poeta, não havia dado certo. Foi engolido pelo sistema. Agora era tudo ou nada. Seu amigo Samuel estava junto até os dentes. O que Antoan não sabia era que Samuel estava mais do que junto. Ele estava dentro, mas dentro de Coraline.

Samuel e Coraline eram colegas de escola. Foi ela que apresentou os dois. Churrascos na laje, piscina de plástico, cerveja em dia de futebol. Tornaram-se mais que amigos, quase irmãos. Apesar da diferença de idade, Samuel tinha 21 e Antoan 30 eram como pai e filho. Samuel frequentava a casa do casal. Acompanhava Coraline até a escola enquanto Antoan trabalhava em dois turnos. O dinheiro era curto. Foi ai que surgiu a ideia. Porque não roubar um banco? Vestir-se de terno, esconder um revólver na cintura e render os clientes. Parecia simples, mas seria bem planejado.

12h20min

As taças chocavam-se no ar ao som de um rap melódico e triste. Era comum nas favelas esse tipo de musica. Ao aprontar o acordo, os amigos Antoan e Samuel comemoravam. Amanha seriam ricos. Ou presos. Coraline foi até o bar e tentou falar com Antoan. Ele não a assistiu. Tinha algo importante para dizer, porém foi Antoan que falou:

- Amor, amanhã nós sairemos do buraco. Eu sei que não é da forma correta. Mas você vai morar na zona sul.

- Antoan, preciso falar sobre nosso filho.

- Está tudo certo? Você está bem?

- Não é isso Antoan, é que...

- Espere! Deixe para falar quando formos ricos. Samuel acabou de chegar e nós acertamos tudo. Vamos até o barraco repassar o plano na maquete. Não volto hoje amor, só volto rico.

Ele beijou a testa de sua amada. Ela havia de lhe dizer que o filhe não era dele. Era de Samuel, eles tinham um caso e ela estava apaixonada. Ela não queria dinheiro, queria ir embora com o outro. O fim seria trágico, o amor não resistiu a uma traição dessas. O plano; esse nunca sairia do papel.

M Damer Simas
Enviado por M Damer Simas em 12/03/2014
Código do texto: T4725778
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2014. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.