UM DRAMA DO COTIDIANO

SEM TÍTULO I

SOLTOU O PASSARINHO DA GAIOLA...

MARCOU NO LIVRO A PÁGINA,

ONDE, HÁ MUITO TEMPO,

LERAM JUNTOS, UM POEMA...

NA MESA UMA FOLHA EM BRANCO...

O INTERFONE TOCA:

"ESTOU CHEGANDO... SENTI SAUDADES..."

(NÃO HÁ TEMPO DE ESCREVER A CARTA)

ABRE A JANELA, 15º ANDAR...

LANÇA-SE NO VAZIO.

SEM TÍTULO II

ENTRA...

LIVRA-SE DO PESO DA MALA.

CERRANDO OS OLHOS, ESPERA O ABRAÇO.

ELA O RECEBE SEMPRE ASSIM:

(SEM PERGUNTAS OU QUEIXAS)

COM UM IMPETUOSO ABRAÇO,

PRELÚDIO DE BEIJOS ARDENTES.

CHEIOS DE SEGUNDAS INTENÇPÕES.

(NADA ACONTECE...)

...INTRIGADO, DESCERRA OS OLHOS,

OBSERVANDO O RECINTO QUIETO:

A BRISA FAZ ONDULAR SOBRE A MESA,

UMA FOLHA DE PAPEL EM BRANCO;

DE PORTAS ABERTAS, A GAIOLA VAZIA;

TOMA O LIVRO, ABRE-O NA PÁGINA MARCADA;

É UM POEMA TRISTE SOBRE O DESESPERO.

DE SÚBITO, SIRENES REPERCUTEM,

LÁ EM BAIXO, NA RUA...

DEBRUÇA-SE À JANELA, RELUTANTE.

(NÃO GOSTA DE ALTURA)

QUINZE ANDARES... AFASTA-SE, SENTIDO UM ARREPIO.

A BRISA EMPURRA, DE LEVE,

A FOLHA EM BRANCO SOBRE A MESA.

BATIDAS INSISTENTES SOAM NA PORTA.

SEM TÍTULO III

ATENDE À PORTA:

DEPARA-SE COM DOIS POLICIAIS E O PORTEIRO DO PRÉDIO.

- BOM DIA , CUMPRIMENTAM GRAVEMENTE OS MILITARES.

ANTES QUE RESPONDA, UM DELES INTERROGA DE FORMA BRUSCA:

- AQUÍ É A RESIDÊNCIA DE ASTRID ROMANEL?

- SIM... O QUE DESEJAM?..

- O SENHOR QUEM É?

- AGNALDO VARGAS...

- É O NAMORADO DE DONA ASTRID, INTERFERE O PORTEIRO.

(IRRITADO COM A INTROMISSÃO DO PORTEIRO, PERGUNTA APRESSADAMENTE:)

- POR FAVOR, PODERIAM DIZER-ME O QUE DESEJAM?

- DECLARAÇÕES... O SENHOR FOI O ÚLTIMO A VER ASTRID ROMANEL.

- COMO O ÚLTIMO A VÊ-LA? EU NEM SEQUER A VI...

- FALOU COM ELA PELO INTERFONE...

- SIM.. AVISEI-A DA MINHA CHEGADA, MAS NÃO A ECONTREI AO ENTRAR...

- O SENHOR VIVE COM ELA?

- NÃO...

- SÓ VEM PASSAR UNS DIAS...MAS.. (ACODE O PORTEIRO, INTEMPESTIVAMENTE)

(COM UM GESTO IMPACIENTE UM DOS POLICIAIS INTERROMPE O PORTEIRO)

- O SENHOR, DEVE ACOMPANHAR-ME, DECLARA O OUTRO.

- DEVO ACOMPANHA-LO, PORQUÊ? TENHO QUE VER ASTRID... VOU ESPERA-LA...

- DONA ASTRID ESTÁ LÁ EM BAIXO (VOLTA A INTERFERIR O PORTEIRO)

E APRESSADAMENTE COMPLETA: DESPENCOU DAS ALTURAS..

- QUE LOUCURA É ESSA! PROTESTA E EXASPERADO PERGUNTA, COMO DESPENCOU?!

(AS FORÇAS LHE FALTAM, APOIA-SE À MESA, INCRÉDULO, ESTUPEFÁTO)

- O SENHOR SERÁ INTERROGADO NA DELEGACIA. CONSIDERE-SE DETIDO, VOU LEVA-LO.

(SEM CONSEGUIR COORDENAR OS PENSAMENTOS, DÁ DOIS PASSOS, FAZ MENSÃO DE APANHAR SUA VALISE, QUE PERMANECE NO CHÃO.)

- DEIXE-A, ORDENA O POLICIAL. NADA DEVER SER MEXIDO OU RETIRADO.O PESSOAL DA TÉCNICA ESTÁ CHEGANDO. MEU COLEGA FICA AGUARDANDO. O SENHOR VAI COMIGO.

ISSO DIZENDO, ENCAMINHA-SE PARA O CORREDOR.

(ATORDOADO, SEM PROTESTO, SEGUE O POLICIAL.)

O PORTEIRO ADIANTA-SE, CHAMA O ELEVADOR E MANTEM A PORTA ABERTA PARA QUE ENTREM.

O ELEVADOR INICIA SUA LONGA DESCIDA.

O POLICIAL SILENCIOSO, OBSERVA-O.

O PORTEIRO NÃO DISFARÇA UMA EXECRÁVEL EXPRESSÃO DE MOFA.

(SEU PENSAMENTO ATORMENTADO, VAGA: "ASTRID, ASTRID, O QUE FIZESTE?... E POR QUÊ O FIZESTE?)