011 - VIAGEM FRUSTRADA

Fernanda sonhou com a viagem o ano todo. Uma semana em Porto Seguro, hospedada em hotel cinco estrelas com todas as mordomias. Manhãs preguiçosas na praia, as tardes malemolentes à sombra dos coqueiros farfalhantes e noites em animados auês na Passarela do Álcool e nos diversos locais de música e agito.

Economizou o ano inteiro. Aquelas seriam “as férias” de sua vida. Pensava, ou melhor, desejava até encontrar um namorado, quem sabe? -– o amor de sua vida. Enfim, chegou o dia. Como prelúdio da semana maravilhosa com a qual devaneara tanto tempo, a viagem. De avião, claro ! Era sua primeira viagem de avião.

Na véspera, checou na agência de viagens todos os detalhes, os horários, procedimentos, etc. Levantou cedo, ainda estava escuro. O horário de verão prolongava a escuridão da madrugada até as primeiras horas da manhã, Fernanda não se acostumava.

Foi para o banheiro do minúsculo apartamento onde vivia sozinha, ela e Deus, como gostava de dizer. Banho tomado, maquiou-se delicadamente. Não tomou café. Pra quê, pensou, o lanche seria servido logo no início do vôo.

Ao sair do banheiro, deu uma rápida vista de olhos pelo apartamento: a sala, a área de serviço, a cozinha, a copa. Tudo arrumado, todas as peças nos seus lugares. Ela mesma limpava e organizava seu cantinho de morar.

Fechou a mala, cruzando os dois zippers na frente e passando um minúsculo cadeado. Pequenos cuidados poderiam valer muito. Levou a mala até à porta do apartamento, voltou ao quarto a fim de pegar a bolsa, onde estavam os documentos, passagens, os vouchers do hotel e das excursões programadas, mais o dinheiro miúdo para as despesas do percurso.

Não estava no quarto. Foi à sala. Tambem lá não encontrou a bolsa. Na copa? Também não. Voltou ao quarto, procurando com mais cuidado, tenho certeza que deixei a bolsa aqui no quarto, ontem, antes de dormir. Alarmada, abriu o armário de roupas, gavetas, viu debaixo da cama. Nada.

Voltou à sala, mas não é possível, onde foi que meti essa bolsa?, quem sabe atrás dos sofás, na estante da TV. Nada.

Frenética, procura em cantos e locais impossíveis.Nada de encontrar a bolsa. Como é que pode? Ontem à noite estava ali no quarto, tudo certinho, tenho certeza. Na cozinha? Na área de serviço? Nada !

Atarantada, Fernanda continua na revista do apartamento. Passou e repassou todos os lugares imagináveis, não acho essa miserável, onde foi que se meteu?.

Olhou para o relógio. O tempo passara voando enquanto ela procurava, já devia estar a caminho do aeroporto, e eu aqui ainda procurando essa desgraçada.

Desesperou-se. Não, a bolsa não está mesmo no apartamento. Teria sido roubada? Verificou a porta da frente, ainda trancada. Não havia sinal de arrombamento, estava bem fechada. A área de serviço? Praticamente inacessível no 10º andar, as paredes lisas externas sem qualquer chance de serem escaladas.

Não acredito que isso esteja acontecendo comigo! É um pesadelo. Olhou novamente para o relógio de pulso. Agora sim, estava mais do que atrasada. Se não tomasse imediatamente um táxi para o aeroporto, perderia o avião.

No desespero, chama pelo interfone o porteiro do edifício. Pompílio subiu num átimo. Ciente do sumiço, ajudou Fernanda numa última e definitiva busca, que confirmou o sumiço da bolsa.

- Quer que chame a polícia ?

- Não. Não tenho tempo, vou tomar um táxi já, senão perco o avião. No aeroporto tento resolver a viagem.

No táxi, retira do bolso interno de seu casaco uma nota de R$ 50,00 do dinheiro graúdo que guardara separado. O motorista se esforça para chegar ao aeroporto antes do avião levantar vôo. Na manhã já clara, atravessa dois sinais vermelhos, envereda por ruas e vielas dos bairros, tentando encurtar caminho.

Inutilmente. Ao chegar ao aeroporto, o avião no qual Fernanda deveria viajar decolara há alguns minutos.

Desolada, frustrada, irritada, puta da vida, Fernanda toma outro táxi, de volta ao seu apartamento.

Inconformada, volta a procurar sua bolsa. Não encontra. Roubo? Impossível. Extravio? Como, quando, onde? Mistério.

Tenta telefonar para a agência de turismo. Muito cedo, ninguém atende.

Sem saber o que fazer, Fernanda liga a televisão, senta-se no sofá, vai esperar até as 9 horas, a fim de se comunicar com a agência, ver como a situação poderá ser resolvida.

Na tela, a primeiras cenas aparecem, borradas e definindo-se a seguir. É uma edição extraordinária de notícias. A voz dramática do locutor em off, e cenas de um desastre.

Fernanda fica atenta.

- "... queda de avião com pelo menos 120 passageiros, sobre o bairro de Guarulhos. Caiu quando estava decolando. As causas do desastre são desconhecidas. O impacto foi violento, o corpo de bombeiros já está no local. Não há sinal de sobreviventes. Fogo por toda a parte. Diversas casas e um edifício de apartamentos foram atingidos pela queda.

O avião do vôo das 7 horas, com destino a Porto Seguro.

Fernanda sente um choque. Susto. Terror. Era o avião no qual viajaria, o vôo que ela perdera. Estatelada sobre o sofá, olha, mas não vê; escuta, mas não ouve. A voz dura do noticiarista, as cenas pavorosas de destruição, tudo fica uma terrível confusão em sua mente.

Só alguns minutos depois é que consegue voltar ao normal e raciocinar.

Vai à cozinha, toma um copo d’água. Está trêmula. Se não fosse o sumiço da minha bolsa, eu estaria lá, naquele inferno de fogo, ferros retorcidos, corpos carbonizados.

A custo, consegue controlar suas emoções e ordenar seus pensamentos.

Perdi a bolsa, perdi o vôo, perdi as férias que sonhava fazer. Mas ganhei a minha vida!

Antonio Roque Gobbo = Belo Horizonte = fevereiro de 2000

O Leitor Rogério Alvarenga deu com a solução do problema: A bolsa e os demais papeis estavam trancados dentro da mala!

e-mail comentando o conto, enviado no MOC # 100, jan. 2014.

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 26/02/2014
Reeditado em 10/05/2014
Código do texto: T4707052
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