O passeio de bicicleta. parte 2

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Enquanto Maria falava, Péter aplicou duas injeções que continham cloreto de potássio e tiopentato de sódio, que serve para levar a pessoa ao coma e parar o coração, ao pescoço de Sandra e Laszlo que caíram imediatamente ao chão, sem nem perceber o que lhes havia acontecido. Carolina estava tomada pelo medo, não conseguiu reagir aquilo que acabara de ver, ficou imóvel e parecia que alguém lhe segurava a boca e as pernas, numa tentativa inútil de escapar. Péter se aproximou, olhava fixamente em seus olhos, como uma água que avista de longe sua presa preparada para dar o bote a qualquer momento. Devagar em direção a Carolina, lhe aplicou uma outra injeção. Carolina pode sentir o líquido lhe penetrando o sangue, sentia a mistura correndo em suas veias, seus olhos foram ficando pesados e suas pernas menos firmes logo foi perdendo as forças, caiu, balançou a cabeça, fechou os olhos e apagou.

Em um estado consciente e inconsciente ao mesmo tempo, Carolina ouvia vozes de sua mãe, seus irmãos: “Aonde estás Carol?”; “Aparece”; “Carol”; “Carol.”. Via fleches de luz e tinha alucinações. Não sabia onde estava, nem quanto tempo havia passado. Era um quarto muito pequeno e escuro, não podia ver um palmo a sua frente, apenas escutava algo bater, era um som de uma janela vibrando com o passar do vento. As vezes escutava a voz de Péter, como se discutisse com alguém outras vezes escutava a voz da televisão ou rádio. Não tinha sensações, era sempre noite, tinha perdido a noção do tempo e nunca sabia se estava sonhando ou acordada.

A porta do quarto abriu e Carolina foi arrastada pelos cabelos até um outro cômodo e atirada de volta ao chão. Era uma sala vazia que mal entrava a luz do sol pelas venezianas fechadas. Notou que havia diversos porta-retratos sem fotos, outros com uma menina neles. Também havia um espelho e pode perceber que estava realmente mais magra e com uma outra roupa, um vestido longo que parecia ter sido bordado a mão com estampa de uma grande borboleta. Não estava machucada e seu rosto parecia limpo como se tomasse banho regularmente. Péter lhe observava, como se estivesse estudando algum tipo de reação de Carolina:

- Aonde eu estou? Quanto tempo passou? Me tira daqui! – Disse Carolina aos berros.

- Se passaram 3 meses Carol, tu estás em Györ, em uma antiga propriedade. Lhe alimentei por sonda e te mantinha dopada aplicando anestesias. – Disse Péter serenamente.

- Porque me trouxe até aqui? O que quer de mim? O que tu fez com os outros? – Disse Carolina chorando.

- Seus amigos já não estão entre nós, eu sinto muito, mas eles estavam no meu caminho. – Disse Péter com uma frieza que Carolina jamais havia visto.

- Melhor me explicar isso tudo! Tu é um monstro! Tirou a vida de minhas amigas e de Laszlo. Porque? Me conta, Gabor! – Disse Carolina provocando.

- Laszlo era um jovem inteligente, percebi que me havia reconhecido quando me viu. Esperava que Szentendre fosse me trazer tranquilidade, meu passado já estava esquecido praticamente, até que te vi naquele barco-bar no trecho Budapest-Szentendre. Não podia acreditar que te via, meu coração acelerou e a temperatura do meu corpo subiu. Era uma mistura de excitação com repúdio, entre o amor e o ódio. Mas mantive o controle, não queria ser notado, porém precisava te atrair de alguma maneira. Quando vocês fizeram o pedido a garçonete deixou as garrafas em cima do balcão do bar por uns instantes, foi quando eu troquei a garrafa com água sem gás, pedido pela Maria, por uma outra que eu havia posto um forte relaxante muscular. Fiquei para confirmar que Maria a tomaria e saí antes que vocês percebessem, pois sabia que precisariam de um médico. – Contou Gabor.

- Mas, eu nunca te vi antes. Porque essa obsessão comigo?

- Em 1979 eu havia conhecido a mulher mais linda deste mundo na Argentina. Uma moça que também era brasileira. Vivemos lindos momentos juntos e pensava que ficaríamos assim pra sempre, mas as coisas mudaram anos mais tarde. Ela tinha outros planos para sua vida, queria voltar ao Brasil e graduar-se em direito e nem sonhava em ter filhos, colocou a sua vida em primeiro lugar, pouco se importando pra minha. Em 1982, ela que havia engravidado por descuido, deu à luz a Julia, minha menina linda. Ela queria leva-la ao Brasil, mas eu não permiti, por raiva roubei a minha filha e voltei a Hungria. – Disse Gabor com lágrimas nos olhos. E continuou:

- A pessoa que eu mais amei em minha vida me queria abandonar, depois de eu ter me entregado e admitir perder toda minha carreira como médico para ficar ao lado dela. Por ela ter mudado tanto, o amor se transformou em ódio. Cada vez que eu a via feliz, mesmo sabendo do meu sofrimento, meu corpo fervia por dentro, como se meu sangue quisesse saltar de minhas veias, meu coração batia forte e tudo aqui dentro doía. Na noite que eu sequestrei nossa filha pensei em matá-la, mas não tive coragem. Fiquei na esperança que ela viria atrás de mim e de sua menina, mas ela nunca mandou uma mensagem e nem fez uma ligação! – Disse Gabor essa última parte aos gritos.

- Tu é louco! Tu espelhou essa mulher em minha figura! Não somos a mesma pessoa! Não temos nenhuma relação!

Nesse momento Gabor acende uma das luzes daquela sala e mostra uma foto dele com a tal amada. Carolina não acreditava no que via, sentou-se ao piso perplexa, sua pressão caiu rapidamente que ficou com a sensação que fosse desmaiar naquele instante. A mulher na foto, não podia ser quem ela via, só podia ser algum engano, mas não tinha dúvidas e lágrimas de profunda tristeza lhe caiam dos olhos:

- Sim Carolina, o nome dessa mulher é Daniela Lopes Materazzi, sua mãe. Quando a vi não tive dúvidas, tu é idêntica a ela. Assim como com sua mãe, não tenho coragem em te tirar a vida. – disse Gabor com olhos de ternura.

- Eu sinto muito por tudo que te aconteceu, mas valeu a pena tudo isso? – Disse Carolina limpando o rosto.

- Minha vida virou um inferno, não cometa os mesmos erros que cometi. A vingança e o ódio são como atirar um objeto pro alto, não importa o quão alto tu jogue, ele vai cair independente do tempo que levar. Eu tive ódio de sua mãe e tirei nossa filha de seus braços, perdi minha menina anos depois. Vinguei a morte dela, arruinando a vida de István, o dono do parque em Pécs que saiu impune de culpa de sua morte e perdi minha licença médica. Esse mesmo ódio me corrompeu novamente 3 meses atrás. Eu sei que isso não vai acabar bem, não há motivo para continuar. – disse Gabor puxando um revolver e apontando contra sua própria cabeça.

- Remény!!! Sempre há esperanças! – Disse Carolina lembrando o que escutara naquele barco- bar tentando convencê-lo a não puxar o gatilho.

- A minha esperança já não faz parte desse plano espiritual. Cuide-se meu amor.

Essas foram as últimas palavras daquele homem emocionalmente perturbado. Gabor puxou o gatilho e estourou sua cabeça. Seu sangue espirrou para todos os lados, inclusive em Carolina que ficou imóvel por cerca de dez minutos. Se sentia culpada por aquilo tudo ter sucedido, se não tivesse decidido ir nesse passeio de bicicleta nada disso teria acontecido. Não teria atraído a atenção de Gabor, não teria tirado a vida de suas amigas e não mexeria no passado escuro de sua mãe. Não imaginava como fosse encara-la depois de tudo que descobrira.

Carolina procurou um telefone e como não encontrou, decidiu sair daquela casa abandonada. Logo que saiu uma senhora a reconheceu e chamou a polícia. Estava chegando ao fim aquele terror. Muitas pessoas se aproximaram, algumas chorando mostrando empatia por tudo que tinha passado. O seu sumiço e dos outros era notícia mundial, a polícia húngara trabalhava com as hipóteses de sequestro por xenofobismo por descobrir que família de Gabor tinha ligação direta com a Nyilaskeresztes Párt, um movimento nazista húngaro. Os reais motivos apenas Carolina e sua mãe sabiam.

Uma ambulância e dezenas de jornalistas chegaram minutos depois, mas a cabeça de Carolina estava fora da realidade ao seu redor. Apesar de toda a tragédia, o que mais ficou marcado foram as histórias que escutou. Sobre o avô daquela garçonete e de tudo que aconteceu a Gabor. Não sabia descrever o que sentia, na verdade tinha receio em ver a própria mãe não podia esconder assim tão fácil o seu desapontamento em ela ter abandonado a própria filha, sua irmã. Apesar de Gabor ter admitido que fugiu com a menina, sua mãe jamais falara sobre isso. Se perguntava se conseguiria também ser tão fria, sem sentimentos como muitas vezes Maria lhe havia dito.

Ao final, Carolina chegava a uma conclusão que não importasse as razões, o que era errado, sempre seria errado e um dia isso se voltaria contra quem insistisse no erro. Sua mãe havia errado e Gabor também e nenhum deles saiu livre da punição. Temos que concertá-los jamais omiti-los, pois pagaremos o preço, de uma forma ou de outra. Esperava que sua mãe pensasse o mesmo, que vinha nesse instante correndo em sua direção aos prantos, porém já não tinha certeza de quem realmente era aquela mulher.

CONTINUA...

Leo Moreira
Enviado por Leo Moreira em 27/01/2014
Código do texto: T4666727
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