UM JUDEU NO NAZISMO (PARTE II FINAL)

E, assim, calejado em situações semelhantes, nutre-se do mais calculista espírito para poder lidar com o renovado desafio. E, friamente, propõe em sussurros que o judeu esconda-se dentro de um armário no andar de cima e que, ao lado da jovem dama, seja recoberto com o máximo de panos com que consiga se cobrir, sem, no entanto, despertar a menor desconfiança ocular. Cumprida a ordem às pressas, o alfaiate calmamente abre a sua porta e sorri docilmente para os quatro senhores que aspiram visitar o lugar de trabalho do homem. Algumas formalidades fugazes mútuas se estenderam por menos de 60 segundos e, então, foi permitido o uso da honestidade militar.

— Diga-me, Senhor L., gostaríamos de saber quem eram aquela moça e um jovem que acabaram de entrar aqui. — Falou o soldado com condecorações profusas sobre a farda, atenuando a rigidez de sua tonalidade pelo emprego de um sorriso enrugado no rosto onde se via um nariz vermelho de frio.

— Mas, Senhor, certamente não há tais pessoas no ambiente, como bem pode verificar. Há muito deveria ter fechado o estabelecimento, não fossem uns últimos reparos num casaco de alguém muito importante. Tanto que nenhum funcionário se encontra mais aqui; nem mesmo a minha mais dedicada costureira.

— Quer dizer que o senhor considera a mim e a meus colegas de lunáticos que tiveram uma visão sobrenatural? — Novamente o sorriso surge, para sumir em seguida na expressão mais austeramente maligna que o alfaiate havia visto.

— De modo algum, senhor. Entretanto, não há qualquer pessoa, senão eu próprio, que possa justificar o equívoco no qual o senhor certamente incorreu, junto aos seus colegas.

— Exijo que o estabelecimento seja revistado. Agora mesmo. — A polidez sumiu como o sol por trás de espessas nuvens. — Guardas!

E, neste instante, os outros três homens iniciam uma agoniada busca em que urgia o objetivo de encontrar algum ser vivente e fugitivo. Nesse meio tempo, o aparentemente líder dos demais olhava fixamente para o rosto do alfaiate e, de maneira delicada, dizia que, se houvesse alguém escondido no estabelecimento, deveria ser entregue imediatamente às autoridades, caso o seu dono não quisesse ficar gravemente comprometido. Este, entretanto, negou a existência de qualquer indivíduo e permaneceu impassível, embora as preces internas fossem mais intensas do que a mais devotada freira pudesse fazer. E, quer por falta de direção de verba para a manutenção sanitária do lugar, quer por preces atendidas por Deus, os homens voltaram lá de cima sem ter encontrado nenhum ser vivente e fugitivo senão uma inofensiva família de ratos encolerizados incomodada com a descoberta de sua casa.

Assim, contrariados, eles não tiveram outra opção senão se retirar. O líder ainda ousou proferir a promessa de um retorno em breve. Ao que o alfaiate nem sequer escutou, pois a sua cabeça desfrutava do verdadeiro significado do que chamam alívio. E, esperando alguns minutos a mais após a partida dos soldados, correu ao primeiro andar, no afã de encontrar os jovens.

Procura os jovens em todos os armários. Não os encontra em nenhum. Entretanto, já com ares preocupados, detém-se por uns minutos e decide que seria impossível que eles pudessem sair dali por qualquer outra janela. Não havia escada e pular por uma delas quebraria, no mínimo, um osso da perna. Dessa forma, tão nervoso estava, não percebeu o incomum.

Como sempre soube da despesa que um manequim trazia, impedia que seus funcionários deixassem no chão os modelos vestidos à moda mais recente. E eis que ali estavam eles, estirados no chão, com pernas para um lado e braços para o outro. Dentre uma mão de plástico e uma coxa curva, divisou o rosto da jovem. E mais adiante, apresentava-se o judeu. Ambos corados e estarrecidos.

— Bendito seja o Senhor! — Exclamava o dono do estabelecimento.

Os jovens, observando-o, acharam que não havia motivos para se manter no desconforto causado pela pressão de corpos inertes, feitos pela mão do homem. Após uma ajuda, ambos se recompuseram e explicaram ao seu salvador o que realmente sucedera.

Ao receberem a ordem seguida da batida da porta, os jovens apressadamente alcançaram o andar de cima e vasculharam o armário mais próximo. Este, porém, estava trancado. Correram atrás de outros, mas também se encontravam fechados a chave, restando apenas um, que possivelmente abrigava roupas com as quais o próprio alfaiate devia estar trabalhando no momento prévio à chegada dos dois. Desse modo, ao tentar se esconder com panos, eles descobriram uma grande fenda no armário que dava em outra na parede, de onde saíram pequenos ratinhos que levaram a jovem dama ao mais horrendo e monstruoso pesadelo, visto que esta não suportava tais bichos. De tal modo que ela preferia ser levado por soldados que estar em presença dos pequenos seres, que, naquele momento, procuravam outro refúgio.

Portanto, como o momento não reservava muitas alternativas, a luz da ideia iluminou a necessitada mente do judeu, que decidiu, inicialmente, se encostar perto dos manequins levantados. O seu senso lógico logo lhe mostrou que o disfarce não funcionaria. E, então, a mais prática solução seria deitá-los silenciosamente, porém não de modo vagaroso. Foi este o tempo que tiveram enquanto os soldados vasculhavam os cômodos do térreo. Em minutos, eles subiriam e procurariam em todos os cômodos, sem observarem na sala principal, onde estavam caídos os manequins. Assim, foram salvos pelo puro medo de ratos da aristocrata.

Conforme foi lhe contando a curta narração, o judeu resfolegava como se vivenciasse em particular o momento em que podia sentir a presença dos soldados no andar de cima. Ao terminar, passou a palavra ao alfaiate, que daria as coordenadas seguintes para a fuga que o homem tanto ansiava.

Encontraram um refúgio numa antiga fábrica a poucos quilômetros dali. Lá, o judeu precisou esperar mais quatro dias e foi transferido numa carruagem de bagagens para um porto, do qual sairia um navio cargueiro para a Inglaterra. Dentro de um mês, ele estaria se despedindo desse país para encontrar-se no Novo Mundo. Nos Estados Unidos, tentaria a vida de um homem honesto. Ele havia conseguido. No entanto, foi um dos poucos.

Formou nova família, casando-se com uma americana na década de 1950. Em três anos, nasceria a sua filha, que, grande, se tornaria uma grande escritora e registraria todas as memórias de seu pai.

T Alves
Enviado por T Alves em 02/01/2014
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