Confissões de um Homem Morto

CONFISSÕES DE UM HOMEM MORTO

Jorge Linhaça

23/07/05

Conheci um homem morto um dia destes.

Não, não estou ficando louco...ele realmente era um homem morto.

Talvez não morto no sentido mais comum do vernáculo, mas ainda assim ele me contou sobre a sua vida, ou melhor sobre a ausência dela.

Sabe, um dia eu já fui como você, disse ele, andava por aí fazendo um monte de coisas para me sentir vivo. Trabalhava como um louco, jogava futebol, lia, escrevia, viajava, ia a festas, coordenava atividades, tinha uma família...mas foi aí que tudo começou...

Um belo dia, ou melhor, não tão belo assim, acordei sozinho...não tinha mais família, após tantos anos dedicados a construir meu próprio mundo, ele havia simplesmente desabado.

Não sei se você pode compreender isso, espero que não, mas é uma sensação de absoluta impotência diante da vida. Os sonhos parecem se desfazer no ar e insistimos em nos apegar a um tênue fio de esperança. Acreditamos que aquilo é apenas um pesadelo e que logo mais adiante, retomaremos o controle da situação.

Os dias passam e o pesadelo continua, a cada dia nos distanciamos mais, parece que quanto mais corremos atras de uma solução, de uma reconciliação, mais trocamos os pés pelas mãos...a vontade de retomar as coisas do ponto em que elas terminaram vira uma certa obsessão, pensamos apenas naquilo e aos poucos vamos minando as nossas expectativas.

O trabalho deixa de ser prazeroso, acabamos por nos isolar dos antigos amigos...

Buscamos desenfreadamente uma nova vida, tentamos soterrar o passado sob uma avalanche de novos relacionamentos...saltamos de um para outro com a destreza de um ginasta olímpico...nos entregamos à efemeridade de relações transitórias.

Tentamos colar nossos cacos com a saliva de muitos beijos em muitas bocas.

Procuramos, depois, estabelecer uma relação mais duradoura, algo realmente tangível, mas os fragmentos do passado são como pedaços de cristal partido, quando menos esperamos eles nos cortam as mãos e os pés descalços.

Fugimos então para a virtualidade, um mundo alternativo onde tudo parece ser cor de rosa, onde as dificuldades parecem não existir, nos apaixonamos e desejamos quase que de forma real, mas a distância e o quase anonimato nos protegem dos desgastes de uma relação real, vivemos em um mundo de fantasia, onde tudo é possível, onde os sonhos parecem ser reais, onde podemos adiar indefinidamente um encontro, onde o dia em que nos encontrarmos será um momento mágico em que o mundo se curvará ao nosso amor.

Um dia, abrimos a caixa de e-mails e percebemos que estamos sós, nem uma única mensagem dos amigos ou amados, nosso frágil mundo virtual quase que desmorona, sentimo-nos novamente em meio a uma tempestade, batendo de porta em porta e encontrando-as todas trancadas.

É aí que nós percebemos que estamos mortos, que somos prisioneiros de uma passado que nos devora como os vermes devoram um cadáver. Que o nosso cantinho secreto é na verdade o nosso mausoléu, onde nos escondemos da vida real.

E foi aí meu amigo, depois de muito tempo, que eu percebi, que embora eu ande por aí, que converse, que coma, que ria vez por outra, que sou apenas uma sombra vagando.

Que sou apenas e tão somente um zumbi, um homem morto.