IV – Porque os poetas anseiam o futuro
Nem cantos sedutores, nem grunhidos ofegantes: não era isso que precisava, ou merecia. Sem pensar duas vezes, devolvi aquela máquina infernal ao seu esconderijo. "Fique lá, que eu sigo cá." E tem mais: caso encontrasse algum outro aparelhinho piscante, perdido, suplicante, usaria todos os poderes para simplesmente afastá-lo do meu caminho (cruz, cruz...).
Mas, ainda, faltava-me sair da cena. Acordaria, olharia para o lado, esfregando os olhos. Tratei de escolher o (in)voluntário mais disposto, o melhor dentre os candidatos que me rodeavam. Chamando um atencioso socorrista, indiquei-lhe o brilho piscante falso-vagaluminoso. Passei-lhe o feitiço. Que siga em frente! Estaria, assim, entregue a missão. Sorte: a oportunidade encontrara um ente preparado.
Fechei os olhos, novamente, andei sobre o fogo, até não senti-lo queimar. Bolhas me almofadavam os pés. Tudo viraria lembrança, a partir daquele momento. Algo a ser apagado, ou modificado. A versão das histórias sempre se molda aos escrúpulos dos vencedores, ou dos sobreviventes, simples remanescentes. Assim aconteceu, mais uma vez; e heroicamente.
Quanto a mim, não desejava simplesmente voltar à fidedigna realidade. Deleguei à noite todos os meus domínios. Deveria me conduzir. A eleita nada me indicava, em princípio, fechando-se em tons sombrios e reticentes. Desorientado, acabei me entregando aos acasos que inexistiam de verdade. Caminhos condicionados, urbanos, foram abrindo alternativas de marcar. Era um enorme gabarito. Eu parava, para ver as ruas girando, casas passando, acenos, abraços, beijos de chegada e despedida. A lua pousava no horizonte. Acendendo-se naquele fundo negro, a bela perguntava, convencida de sua exuberância: melhor assim, melhor assim? Eu pensava com meus botões: que me viessem as minhas rotinas, de meu passado ressurgissem todas as velhas sinas, tudo menos os cavalos do cão.
Passando-me, com a ponta dos dedos, assim encontraria uma casa de sonhos. Lugar de volta, o mesmo lugar da partida, sempre assim. Cíclicos, mortais, previsíveis, inventivos, poéticos, sensíveis: humanos. Ao lado do portão semiaberto, assentava-se tranquilo o dono. Não me chamara, posto que era tão cedo. Nem me rejeitara. Passivo, receptivo, como uma fotografia antiga, ondulava-se apenas ao soprar da primeira brisa matutina. O dia se entregou ao sol, enfim. Diante do frescor daquela imagem, não imaginava de forma alguma deixá-la desgarrar-se. Meu (in)vento mágico soprava, enquanto sentia um arrepio. Sim, desejava reencontrar-me com este quase futuro. Enfim, já conseguia vê-lo, tão nitidamente. Roguei-lhe por todos, e por mim: ressuscita-me, ainda que mais não seja, ...