O esconderijo

Escurecia e a família de uma amiga se preparava para viajar dali a poucas horas. Chamaram à porta e o marido foi atender. Voltou com ar de satisfação e falou:

— Eu mal consigo acreditar, aquele cliente que me devia acabou de pagar!

A surpresa que a notícia causou nela não foi menor. Sabia do longo tempo em que o marido trabalhara naquele processo, lembrava-se da sua satisfação com a vitória da causa e da decepção por não receber o pagamento pelo serviço. Ainda com os pensamentos voltados para a surpresa, recordou-se de que era uma boa quantia e que agora o marido ia poder empregar naquele projeto que tanto queria. Enquanto terminava de arrumar as malas, imaginava como seria bom poder enfim ver o sonho do marido realizado. Ao seu lado estava sua filha, ajudando-a a dobrar as roupas, pois logo chegaria o carro para levá-los à rodoviária.

Instantes depois, entra o filho mais velho, acompanhado do irmão caçula. Mexe na cortina, abre o guarda-roupa e fala alguma coisa. Nesse momento, o pai se incorpora ao grupo, olham atrás de um móvel, tornam a mexer nas cortinas. Mesmo estando bastante atribulada, minha amiga ficou curiosa com aquela movimentação e perguntou:

— Vocês estão procurando algum objeto?

— Não, estamos apenas querendo encontrar um lugar à prova de ladrão para esconder o dinheiro.

Ela achou graça ao ver os três envolvidos naquela missão e disse:

— É muito simples, peguem um vidro da boca larga lá na despensa, coloquem o dinheiro dentro e enterrem no canteiro.

Eles também riram e pouco depois saíram novamente em grupo. Desta vez parecia que era o seu marido que liderava a operação. Chegou o momento de fechar as malas e aperta daqui, aperta dali, senta em cima, dá umas sacudidas e pronto! As malas estão fechadas. Começam a conferir se as portas e as janelas estão bem trancadas. Olham se não há nada ligado, verificam as torneiras...Com tantas coisas para olhar e se preocupar, minha amiga nem se lembrou de perguntar pelo esconderijo do dinheiro. E muito menos ainda durante a viagem. Foram dias de pleno descanso e ela se desligou de tudo.

Mas chegou o momento do regresso e, assim que entraram pela porta da casa, minha amiga começou a desfazer as malas, separar as roupas. Seu marido foi à fazenda ver como as coisas tinham transcorrido na sua ausência. Nessa hora chamam à porta. Era um homem pedindo jornais velhos. Ela explicou-lhe que acabara de chegar e estava muito atarefada. Mas ele insistiu dizendo que precisava muito, pois não havia conseguido nada para vender naquele dia. Ela pediu que ele entrasse e pegasse as duas caixas de papelão, cheias de jornais. Antes, deu uma olhadinha para se certificar que eram apenas jornais. O homem saiu imensamente agradecido.

Pouco depois, chega o seu filho mais velho e ela fala:

— Veja só que limpeza eu fiz!

Ele olhou e ficou pálido. Uma expressão aflita dominou suas feições e ele falou:

— Onde estão os jornais?

— Dei para um homem vender.

A voz dele elevou-se e ela percebeu que estava trêmula.

— O quê?! A senhora deu aqueles jornais?

— Não estou entendendo o seu espanto...eram apenas jornais. Tenho certeza de que não havia nenhum papel seu lá.

E ele, mais exaltado ainda:

— Mãe...o dinheiro!

Ela continuava com a expressão serena:

— Não sei o que você está falando. Que dinheiro?!

Ele a segurou pelo braço. Tinha as feições sobressaltadas e explicou:

— O dinheiro que meu pai recebeu antes da nossa viagem estava guardado lá!

Nesta hora ela se empalideceu e perdeu a voz. Os seus olhos permaneceram fixos em um ponto, o coração disparou. Naquele estado de choque, ouvia as inúmeras perguntas que o filho fazia:

— Quem é o homem? Onde mora? Para onde ele levou os jornais?

Para todas essas perguntas, ela tinha a mesma resposta:

— Não sei... não sei... não sei...

E ele desesperado, falava:

— Não é possível que não saiba nada. Como pode ser isso?

E ela replicava:

— Que motivo eu teria para saber sobre uma pessoa que apenas dei alguma coisa. Vocês é que tinham a obrigação de me falarem que haviam guardado o dinheiro lá.

Nesta hora o filho mais novo falou com o irmão:

— Foi você quem teve a ideia desse esconderijo.

E ele tentando se eximir de qualquer culpa, disse:

— Mas o nosso pai gostou dela.

Minha amiga tentava se apegar a alguma coisa para acreditar que aquilo não tinha acontecido. O que ela ia dizer ao marido? Ele estava contando certo com aquele dinheiro. Como ele ia reagir diante daquele absurdo? Apesar de não ser culpada de nada sentia uma sensação horrível.

Atordoada com esses pensamentos, ouvia o filho falar:

— E agora?! O que vai fazer? Eu nem quero estar aqui quando o meu pai chegar!

Ela disse:

— Vou para o quarto ficar sozinha e pedir a Deus uma luz.

E foi o que fez e, aos poucos, foi recuperando a calma até se sentir tranquila novamente. Lembrou-se dos santos das coisas desaparecidas e pediu a Santo Antônio para recuperar o dinheiro e fez até uma promessa. Ficava imaginando se o homem já levara os jornais para a reciclagem, se o pacote do dinheiro já estaria destruído no meio deles ou se ele o havia encontrado. E se isso tivesse acontecido, será que ele o devolveria ou ia desaparecer com ele? Depois já achava que o pacote tinha sido encontrado pelo pessoal da reciclagem.

As horas passavam e ela procurava as palavras para dizer ao marido e não encontrava. De repente, ouviu o som dos passos dele. Começou a suar frio e a tremer. Num piscar de olhos, os filhos desapareceram. Ela fitou o marido e procurou conversar, demonstrando tranquilidade, mas não conseguia sequer tocar no assunto. Já se passara meia hora e nada... De repente, teve uma ideia e falou:

— Você percebeu como a sala do seu escritório está mais espaçosa e arrumada?

— Percebi. Ficou muito bom! O que você fez com as caixas de jornais?

Engolindo seco, respirando com dificuldade, ela falou:

— Dei para um homem que passou aqui.

Terminou de pronunciar essas palavras e fixou os olhos no rosto do marido, para observar a sua expressão. Ele continuou tranquilo. Mas ela ainda não conseguiu se acalmar. Pensava: “Será que ele se esqueceu que o dinheiro estava lá?”. Precisava agora perguntar por ele. Chegara o instante mais difícil. Teria que ser bem direta e incisiva e suportar o que viesse. Falou bem rápido, dessa vez olhando para o chão:

— E o pacote de dinheiro que estava escondido nele?

Com a mesma tranquilidade, ele respondeu:

— Está na gaveta. Assim que entrei em casa tirei o dinheiro de lá e guardei dentro dela.

Ela deu um pulo, explodindo-se num grito de alívio, aquele mesmo grito que escapa da garganta num momento de um gool, num momento de uma vitória impossível e, para sua surpresa, um grito uníssono de vozes infantis se ouviu. Ao voltar os olhos, ela viu os três filhos, saindo um a um por detrás da porta. O marido levou um tempo para entender toda àquela euforia, mas assim que pôde compreender o que havia se passado, foi a sua vez de perder a voz...

Déa Miranda
Enviado por Déa Miranda em 20/12/2013
Reeditado em 20/12/2013
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