PRESSENTIMENTO - CAVALOS DO CÃO
Um dia diferente. Na mente, uma programação estranha me levava à expedição de colinas e morros, velhos conhecidos. Saíra de minha casa, bem depois do almoço. Estava só, e desejava aquela solidão. Companhia apenas dos pássaros, dos bichos pequenos, das plantas e folhagens. Eu seguia, caminhando pela mata. Os galhos se engalfinhavam, rolavam, invadiam minhas trilhas. Eu não sabia o que procurar, ao certo. Talvez lembranças. Confiava. Desconfiava. Empreendendo a meio-fuga/meio-procura, eu embaralhava todas as imagens. Ao meu redor, tudo estava vigorosamente verde. Porém, minha pressa acabava por transformar os detalhes da paisagem em simples borrões.
Tudo corria bem, até que um besouro negro zumbiu-me o juízo, passando ao largo, bem perto. Ele não dava trégua, indo, voltando, inquieto. Pousava na minha atenção. Não. Não devia ser bom vento que o trazia. Pressenti. Cruz, cruz, fiz o sinal da cruz. Essa era uma tradição do meu lugar: temer os Cavalos do Cão. Eles são conhecidos como emissários das agruras, mesmo que transpareçam inocência marimbôndica. Por via das dúvidas, não me custaria encenar o ritual (pensei). A superstição nada explicava, coisa alguma, nem tampouco garantia a minha salvação, certamente. Mas servia-me de alívio e encomendava alento ao espírito. Somos um amontoado de inexplicações, mesmo. Então, "cruz, cruz, cruz", repetia vigorosamente a ladainha; e transpassava meus dedos indicadores, um sobre o outro, conformando improvisado crucifixo. O besouro, desavisado, fugia por fugir, sem saber que estava confirmando os poderes mágicos dos quais me investi.
Um dia diferente. Na mente, uma programação estranha me levava à expedição de colinas e morros, velhos conhecidos. Saíra de minha casa, bem depois do almoço. Estava só, e desejava aquela solidão. Companhia apenas dos pássaros, dos bichos pequenos, das plantas e folhagens. Eu seguia, caminhando pela mata. Os galhos se engalfinhavam, rolavam, invadiam minhas trilhas. Eu não sabia o que procurar, ao certo. Talvez lembranças. Confiava. Desconfiava. Empreendendo a meio-fuga/meio-procura, eu embaralhava todas as imagens. Ao meu redor, tudo estava vigorosamente verde. Porém, minha pressa acabava por transformar os detalhes da paisagem em simples borrões.
Tudo corria bem, até que um besouro negro zumbiu-me o juízo, passando ao largo, bem perto. Ele não dava trégua, indo, voltando, inquieto. Pousava na minha atenção. Não. Não devia ser bom vento que o trazia. Pressenti. Cruz, cruz, fiz o sinal da cruz. Essa era uma tradição do meu lugar: temer os Cavalos do Cão. Eles são conhecidos como emissários das agruras, mesmo que transpareçam inocência marimbôndica. Por via das dúvidas, não me custaria encenar o ritual (pensei). A superstição nada explicava, coisa alguma, nem tampouco garantia a minha salvação, certamente. Mas servia-me de alívio e encomendava alento ao espírito. Somos um amontoado de inexplicações, mesmo. Então, "cruz, cruz, cruz", repetia vigorosamente a ladainha; e transpassava meus dedos indicadores, um sobre o outro, conformando improvisado crucifixo. O besouro, desavisado, fugia por fugir, sem saber que estava confirmando os poderes mágicos dos quais me investi.
Ôpa! Um espinho me rasgou a pele do braço. O corte se abriu, com bordas rosadas. Nada de sangue. Será que eu estava realmente vivo? Nunca me dei bem com sangue mesmo. E a vida o que era, então? Desconfiado, pouco sabia, apesar daquele gonzaguinhar que me perseguia. E que me dizia lá, meu irmão. Só poderia ser a batida de um coração, a mais doce ilusão. Iludido-vivo, então, esquecendo de todos os sentidos, da obsessão pelo prazer e pela eternidade, eu me indagava: será que fiz mais do que podia, do que deveria? Será que extrapolei os planos sagrados da criação?
Sem eira nem beira, sem bagagens, sem esquinas, sem viseiras, sem rotinas, observava a angústia do relógio. Meu tempo era finito. Eis uma quase certeza incentivadora. Descendo e subindo ribanceiras, encontrei, enfim, uma estrada transversal. Algo me impedia de atravessar a pista-fronteira. Fui levado por uma correnteza marginal, como se aquilo fosse um riacho negro e asfáltico. Fatalmente, a primeira noite me abraçaria. Coberto de cinzas e de frio, segurei nas cordas da estrada, para não me desgarrar. Mero e escurecido caminho de flashes passantes, que se perdia no meu olhar. Eu avistava e desavistava seu risco tão contínuo e vazio. Quem me dera fosse um rio, quem me dera fosse um rio.
Perseguiam-me sombras que nunca atacavam. Seriam novos cavalos voadores? Ameaças acossavam o escuro da noite, sem desfecho real. Sem me levar, sem me trazer à vida. Não. Não deveria ser bom sinal. Pressenti, mais uma vez.
(...)