O marido acordou. Espreguiçou-se e olho pela janela. Achou o dia bonito, e de lambuja, se achou bonito também. Bocejou mais uma vez, lavou o rosto na suíte, e depois, ajeitou de leve o lençol sobre a cama dele e de sua esposa.

A esposa já havia acordado antes. Estava na cozinha e também estava sorridente. Assoviava alguma música animada, porém indistinguível, provavelmente estava criando na hora. Estava sem pressa alguma de ir para o trabalho. Fazia o café da manhã com capricho. O leite fervia, e o pão torrava no forninho ao lado da pia. Abriu a geladeira e procurou por frutas, achou duas maçãs e um cacho de uva verde. Pegou as uvas, mordeu uma das maçãs, e ao fechar a porta da geladeira, passou um pano de prato sobre o pinguim que a enfeitava. Esperava apenas seu marido descer para tomar café, e seu filho de quinze anos vir se despedir antes de ir para a escola.

O filho terminava de pentear os cabelos. Uma nova espinha nascera sobre seu nariz, porém ele não ligou! Na parede a qual sua cama se apoiava, fitou rapidamente o enorme pôster que sua mãe mandara fazer em uma gráfica no centro da cidade. Na foto, sua família sorria para a câmera. Uma foto tirada num Lambe-lambe, em pleno jardim do Méier.  Era a última lembrança que tinha de sair com os pais. Pegou um pacote de papel pardo dentro de uma de suas gavetas na cômoda, vieram dois em sua mão, porém ele ficou com apenas um, e o outro ele escondeu colocando suas cuecas por cima. Fungou o nariz perto do envelope, sorriu de leve, apenas com o canto da boca, e, antes que esquecesse, desconectou seu Facebook, e pegou seu celular quase escondido dentre os lençóis de sua cama. Não estava com mínima pressa de ir para a escola.

O marido então desceu animado. Estava bem vestido e cheiroso. Seu cabelo estava graciosamente penteado, e sua gravata dava-lhe um ar de magnata. Ao chegar na cozinha, respirou fundo, e pode sentir o cheiro do café recém preparado. Deu um leve tapa na bunda da esposa, e sentou-se abrindo o jornal que já o aguardava ao lado da bandeja de pães. Sentiu seu celular vibrar no bolso da calça, mas preferiu ignorar naquele momento.

O filho também chegou à cozinha animado, mas não queria tomar café. Apenas beijou sua mãe, deu um leve tapa nos ombros de seu pai, que lhe retribuiu com um sorriso forçado, enquanto continuava com os olhos nas noticias do jornal. O menino roubou um pão da bandeja, e na tentativa de desviar de seu pai, que já tentava lhe segurar, deixou seu envelope cair no chão. Abaixou-se imediatamente, e demorou um pouco para se levantar. Estava pegando a carteira do pai, queria dinheiro.

A esposa nesse momento, aproveitou a distração de ambos, e de dentro do bolsinho secreto de seu avental, retirou um pequeno frasco enrolado em uma receita. Abriu o frasco devagar, e pegou algumas bolinhas pretas, menores que um caroço de uva, e despejou em duas xícaras de café. Rapidamente, abriu a receita, e analisou a foto 3X4 que estava anexada a ela. A foto de um doutor moreno, com um olhar jovial, e com bocas carnudas que a fizera suspirar semanas antes. Rapidamente, mexeu nas duas xícaras com a colher e deixou sobre a mesa.

O filho nesse instante foi que se levantou do chão com seu envelope são e salvo. Deu outro tapinha na nuca do pai, e se preparou para sair, mas sua mãe o abraçou forte e pediu para que ele pelo menos bebesse um gole de café, pois sair com estomago vazio poderia desenvolver uma gastrite. Ele não quis, mas ela insistiu um pouco mais, e com um olhar meigo que partiu o coração do jovem. Ele então, bebeu um pouco, mas não tudo, e pousou a xícara sobre a pia.

O marido, aproveitando a distração dos dois, pegou o telefone e conferiu quem havia lhe ligado minutos antes. Levou um susto tão grande, que chegou a cadeira para trás e quase caiu. Sua esposa e filho imediatamente viraram a cabeça assustados. O marido então disse que fora uma barata que o assustara, e bebeu o café na xícara quase todo. Os dois riram do susto dele. O filho o chamou de frouxo. E o marido, bem, ele teve a impressão de que o susto o deixara sonolento.

A esposa começou a sentir que os olhos de seu filho estavam caídos. De repente, sua fisionomia alegre se converteu em cansaço. De repente, a cabeça de seu marido caiu sobre a mesa como uma pedra inanimada, e imediatamente um filete de sangue foi seguindo em direção a beirada da mesa, pingando em velocidade de conta-gotas no chão de azulejos.

O filho também caiu. Aos poucos ela foi soltando o corpo morto do jovem, e ele se esparramou pela cozinha, colocando espuma pela boca. Ela pegou o envelope e estranhou ter o nome do marido nele com as iniciais de uma facção criminosa carioca. Ela abriu o envelope, ela retirou o pequeno saco plástico transparente de dentro do envelope, e analisou o pó branco que continha nesse saco. Grampeado ao saco, havia um bilhete dobrado.

O marido parecia estar devendo dinheiro a alguns traficantes, e ia pagar com drogas. Ela soltou o envelope, espalhando o pó pelo chão da cozinha, e caindo boa parte sobre o corpo do filho que ela havia acabado de matar. Ouviu um zumbido, foi se aproximando do marido e notou que seu celular, sempre no silencioso, vibrava naquele instante, uma mensagem de texto acabava de chegar e, ao abri-la para ler, a esposa levou um susto. “ESTAMOS NA SUA PORTA, VAMOS MATAR VOCÊS TODOS, CALOTEIRO!”...

O assassino entrou na cozinha chutando a porta, e ao ver a esposa ali de pé, amedrontada, atirou sem pensar, bem no meio de sua testa. Ela deu um impulso para trás com a força do tiro, e caiu sobre a mesa onde antes, seu marido estava. O assassino chutou o corpo do menino, cuspiu no corpo de seu pai, e deu outro tiro na cabeça da esposa. Sabia que aquela família vivia de fachada. Mas não entendera porque o menino já estava morto, assim como o cara que lhe devia dinheiro. Ele nunca saberia que a mulher matara os dois, para pegar dinheiro do seguro e fugir com seu psicólogo. Não sabia que o menino apenas tentava ajudar o pai, e ia naquele momento entregar a cocaína aos bandidos, para salvar a vida da família, e com o dinheiro roubado do pai, iria num puteiro. Após isso, apenas bebeu uma xícara de café quase cheia sobre a pia, para minutos depois, notar que estava com sono.

O assassino pensou que devia dormir mais e trabalhar menos, pra evitar aquele súbito cansaço.                                   
 
 FIM
Fael Velloso
Enviado por Fael Velloso em 03/12/2013
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