A Moça do Parque PARTE I
Caio achou que aquele era um bom dia para escrever. Pegou seu notebook, alguns biscoitos e partiu para o parque onde, a luz e o silêncio, ajudavam na sua concentração. Sentou-se em um dos bancos brancos que ficavam debaixo da amendoeira e começou a observar ao seu redor. Crianças correndo com suas babás, mães sentadas com bebês nos braços, pais brincando de bicicleta com os filhos e muitos cães correndo de um lado a outro com um disco verde entre os dentes. Olhou, olhou, mas nada lhe pareceu inspirador. Resolveu sentar-se na grama, talvez um contato mais direto com a natureza o ligasse a um canal de inspiração e ele conseguisse escrever algo. As formigas começaram a lhe morder obrigando-o a levantar-se. Resmungou e xingou, depois se sentou na ponta do banco e colocou os pés para cima. O note sobre as pernas cruzadas e o cursor pulsante na folha em branco do Word. Escrever sobre o que? Perguntou sua consciência. Seus dedos batiam nas teclas fazendo um irritante barulho. Caio começou a se irritar com o vazio e resolveu digitar uma frase. Uma frase composta de sentimentos desconexos, um misto de falta de inspiração e impaciência. Apagou, digitou de novo e de novo, até que cansou e colocou o note de lado, descansando as mãos sobre os joelhos e olhando fixamente para um ponto qualquer. Seus sentidos aguçaram-se, seus ouvidos detectaram um ruído leve vindo de dentro da mata fechada atrás do parque. Abriu os olhos atentos, tentando captar se era a sua imaginação trabalhando ou se havia ouvido algo de estranho. Fecho-os novamente e desligando-se da realidade, ouviu um ruído mais intenso, logo depois um grito. Respirou, balançou a cabeça e disse a si mesmo que estava sonhando. Não ligou para os segundos seguintes, resignou-se a fingir que nada ouvia e que estava apenas atordoado pela falta de imaginação que de repente lhe abatera. Mas um barulho mais intenso o despertou. Um ruído agudo, muito parecido com um gemido de dor. Pulou do banco e saiu a olhar de onde vinha aquela confusão de sons. Embrenhou-se pela mata baixa e esparsa, afastando galhos de árvores e evitando formigueiros, acabou por chegar a um lugar do parque que ele desconhecia. Estava escuro, um pouco sombrio, bem diferente da claridade e felicidade do lado mais verde. Concentrou-se em procurar a origem dos ruídos que, de repente, cessaram. Arrepiou-se com o vento gelado que vinha do fundo das árvores, parecia está num filme de terror e sentiu muito medo. Mas, sua curiosidade gritava mais alto e resolveu continuar. Andou mais alguns passos e acabou tropeçando em algo. Olhou para trás e deparou-se com um corpo estendido no chão de terra, rodeado por uma poça de sangue. Levou a mão a boca abafando um grito de terror. Recuperado do susto, ajoelhou-se para olhar o rosto. Uma mulher, aparentando trinta anos, olhos castanhos como os cabelos e pele clara. Tinha muito sangue em seu rosto, mas ele podia ver que era belo. Os pulsos estavam amarrados e cortados. O short estava nos joelhos, o que indicava que ela havia sido estuprada. Também tinha uma corda na boca, que sangrava bastante. Caio desesperou-se, quase correu e fugiu, mas lembrou-se de verificar se ela estava viva. Sua experiência em escrever livros policiais o ajudara a manter a calma e raciocinar antes de agir por impulso. Verificou os batimentos, ela estava viva, mas ficaria por pouco tempo. Discou o número da emergência e quase xingou a atendente quando ela veio com perguntas protocolares. Depois ligou para a polícia. Logo todo parque estava lotado de sirenes, policiais e paramédicos. A calma que ele procurava ao chegar havia se transformado num caos sem precedentes. Sentou-se no chão enquanto um policial lhe fazia perguntas que ele respondia confuso. Agora, como que por um milagre, estava cheio de ideias para escrever, mas lhe faltava coragem para passar para o papel. Já em casa, ficava o tempo todo pensando na mulher. Andava de um lado a outro, ligava o rádio, sentava no tapete, desligava o rádio e, quando conseguia cochilar, acordava molhado de suor e tremulo. Pensou em ligar para o hospital, perguntar sobre ela. Mas desistiu da ideia, nada tinha com ela, não lhe interessava quem ela era e porque estava quase morta num parque. Resolveu esquecer aquele fatídico encontro e se dedicar ao sono. Deitou na cama e fechou os olhos. Sonhou com ela, acordou com ela na cabeça e esmurrou o travesseiro por não conseguir dormir.
Com olheiras e ainda bocejando, Caio entrou na recepção do Hospital Geral. Estava disposto a descobrir quem era aquela perturbadora figura que lhe tirara a paz. Na recepção, informou-se a respeito e descobriu que ainda não haviam encontrado familiares da moça. Soube também que ela estava grávida, o que te deixou aturdido. Encontrou o médico que a tratava no corredor e o abordou. O médico o comunicara que ela estava bem, apesar de ter perdido muito sangue e de ter sido violentamente estuprada. Por milagre o bebê sobrevivera e passava bem. Ela estava de quatro meses, mas sua saúde não era das melhores. Caio hesitou quando o médico perguntou se ele queria vê-la. “Será que é uma boa ideia?” pensou consigo. Talvez fosse um jeito de libertar-se dos pesadelos. Quando chegou ao quarto, sentiu o mesmo arrepio que o assustara no parque. A moça estava dormindo, serena e já sem sangue no rosto. Ele se aproximou e pôde perceber que ela era realmente bela. Seus lábios estavam inchados e o rosto tinha alguns cortes. Os dois pulsos enrolados em ataduras. Estava tão pálida, apesar da sua pele dourada. O barulho dos aparelhos o incomodava, mas ele estava tão encantado pela moça, que mal se importava. Olhou seu prontuário em busca de um nome, mas não existia. Quem era ela, afinal? Porque estava ali? Porque a haviam estuprado e machucado desse jeito? Caio sentou-se numa poltrona e ficou admirando o silêncio do quarto, o cheiro de remédios invadindo as suas narinas. Tudo aquilo lhe dava inspiração. Pegou um bloco de notas que sempre levava consigo para os lugares e começou a esboçar uma história. Dias se passaram e Caio continuava repetindo esse ritual: Ia ao hospital, sentava-se na poltrona do quarto e, enquanto admirava o sono da moça, escrevia. Depois de uma longa semana, concluiu seu texto o que coincidiu com o despertar da jovem que, depois de passar dias sob efeito de medicamentos e respirando com dificuldades, já estava parcialmente recuperada. Caio chegou ao hospital e foi recebido por um médico que o indagou acerca da jovem. Ela havia despertado e disse que não tinha ninguém na cidade, seu namorado havia sido assassinado e ela não se lembrava quem a havia machucado. O médico queria saber se ele cuidaria dela. “Cuidar dela?” assustou-se. Como? Ele não cuidava nem de si, como cuidaria de uma estranha?