O mistério da casa 23

Naqueles dias normais, nada acontecia, a cidade era pequena, diferente da língua das senhoras, o único divertimento era falar da vida alheia, mesmo que a vida alheia fosse igualmente monótona e triste.

Haviam três senhoras jovens que moravam na Rua de Baixo. Casaram cedo, duas por imposição dos pais e a última por ter sido tomada por uma louca paixão, que logo acabou.

Angelica morava na casa azul, a primeira casa da descida. Era casada com Dr. Manoel Firmino, doutor não sei de que! O chamavam assim pois de todos era o único que tinha estudado na cidade grande e atualmente era dono do único supermercado da cidade. Manoel era um homem duro, gostava de mandar na mulher e não era segredo para ninguém que a espancava, Angélica apesar de tudo, o amava e nunca reclamou. Tiveram um único filho que os dezoito anos entrou para a Marinha Mercante e nunca mais voltou.

Ana Parca morava algumas casas depois de Angélica, diferente da vizinha, ela era branca e gorda, com cabelos curtinhos que nunca eram soltos, todos na cidade diziam que ela era careca e que aqueles pelos na cabeça, eram uma peruca mal feita. Usava uns vestidinhos cumpridos e floridos, sempre muito amassados e por mais que ela os lavasse bem, sempre cheiravam a suor. Era casada com João da Cunha, um professor de ciências que dava aula na escolinha primária, era magricelo e bigodudo, careca só no meio da cabeça, ao contrário da esposa ele era muito baixo, e isso era motivos de muitas risadas na cidade. João era carinhoso com a esposa, a tratava muito bem, comprava todo fim de tarde ao sair da escola, duas rosquinhas carameladas na padaria do Seu Matias, para levar para Ana. Ana é mãe de Amelinha, uma moça namoradeira que não queria nada com a vida.

Algumas casas a frente morava a jovem senhora que casou por paixão, era Aurélia, não tinha mais que trinta anos e era a mais nova das três. Era esposa do padeiro Matias Carneiro, que além de apalpar a massa do pão, apalpava também suas funcionárias, assim como algumas meninas do Bar da Cereja, que digamos que só funcionava durante a noite. Aurélia não era feia, pelo contrário, uma ruivinha conservada, de pernas longas e sotaque estrangeiro, seus olhos verdes abatidos não eram por causa das traições do marido, que ela fazia de tudo para esconder que sabia, mas sim por causa do filho Antonio Carneiro, um rapazinho, que deixara de lado por uns tempos a possibilidade de entrar para a Marinha, junto com o filho de Angélica, para ficar enrabichado com Amelinha.

Os dias seguiam costumeiramente, nada de mais acontecia... Angélica aparecia roxa na igreja, Ana Parca conversava com as vizinhas com os dentes sujos de caramelo e Aurélia engordava um pouco a cada dia, talvez por causa dos chifres, ela escolhera aumentar seu peso para aguentar carregar os enfeites de cabeça que recebia do marido.

Até que um dia a velha casa 23, a última da rua recebeu uma moradora. Era Fiama Lourenço uma loura belíssima, com pouco mais de 25 anos. Suas belas curvas logo deixaram as vizinhas com ódio e os homens da cidade com água na boca, até mesmo João da Cunha.

Nada no corpo de Fiama estava fora do lugar, não era muito alta, nem baixa, era aquela altura perfeita, seus seios não eram grandes demais nem pequeninos, eram daquele tamanho perfeito, barriga lisinha, pernas cumpridas e torneadas, pele estranhamente sempre bronzeada, rosto fino e delicado, boca carnuda, dentes alinhados e muito brancos, cílios longos como se fossem falsos e os olhos, que olhos! Azuis como o oceano pela manhã, durante a tarde com os reflexos amarelos do pôr-do-sol ficavam verdes como uma floresta misteriosa e durante a noite ninguém sabe, pois quando (quase) todos os habitantes da cidadezinha estava enclausurados em suas casinhas, ninguém sabia como Fiama estava, deveria estar tão linda quanto durante o dia, ou mais ainda... Não havia um homem na cidade que não tivesse a curiosidade de vê-la durante a noite.

Logo Fiama se tornou o alvo das fofocas, e as vizinhas eram maldosas, diziam que a ela era uma Moça Fácil, só por que não era casada e morava sozinha, ela era um perigo para todos os casamentos e se tornou ainda mais perigosa quando aos poucos foi abrindo uma boutique de roupas na sua casa. Ela era costureira, e fazia belíssimos ternos e vestidos. Muitos ternos surgiam e eram logo vendidos mas os vestidos, esses quase nunca saiam, pois as senhoras tinham horror a entrar na Boutique de Fiama.

Em uma tarde quente a cidade estava praticamente toda na missa, todos entediados, ouvindo o sermão do Padre Sebastião, que mantinha os óculos abaixo dos olhos, pois não precisava ler a bíblia, já a conhecia de co, até que ouviram o ranger da porta e Fiama entrou, em contraste com todas as senhoras que estavam de preto, Fiama entrou de vermelho, radiante, com bochechas coradas e olhar sedutor, todos olharam para ela, até o Padre Sebastião, que ajeitou os óculos e gaguejou por um momento. Fiama sentou no último banco, tornando o olhar dos homens que estavam á frente impossível, contudo, aquela missa não prosseguiu normalmente, muitas mulheres acotovelaram seus maridos e naquela noite, muitos homens foram dormir com o pescoço torto e doendo...

Sinclair
Enviado por Sinclair em 07/11/2013
Reeditado em 15/11/2013
Código do texto: T4560214
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.