Ele
Fim de mais um dia cansativo de trabalho. Toda essa fumaça e poluição corroendo minhas entranhas. Toda essa gente falsa. Tudo que eu mais quero é chegar em casa e me livrar de tudo isso. Deitar minha cabeça no travesseiro e descansar para amanhã começar tudo de novo.
Pego minha pasta em cima da cadeira surrada de couro com metal enferrujado que fica rangendo todas as vezes que algo encosta nela. Desligo o computador na minha mesa e arranco do canto da tela um bilhete em folha azul que dizia em letras apagadas de lápis:
"FAZER AS CÓPIAS DO PROJETO PARA REUNIÃO.
ATT.: JANAÍNA"
Mulher estúpida! Ela sabe que sempre faço tudo de antemão mas faz questão de ficar me empreguinando. Deve ter posto isso aqui quando fui pegar café.
Após amaçar a folha com minhas mãos cançadas, jogo na lixeira a bolinha de papel que fiz com o bilhete assim que passo por ela. Não saio sempre esse horário, mas justamente por conta de cópias de projeto pra reunião, hoje tive que ficar até mais tarde. Passo a chave na porta de vidro sujo e transparente e com a maçaneta desgastada. Confiro se a porta está de fato trancada. Ouço um barulho bem longe. Não dou muita atenção. Vou descendo as escadas em direção ao estacionamento enquanto guardo a minha chave na pasta. Estou cansada de todos os dias descer os mesmos quatro lances de escadas graças ao elevador velho que nem me lembro ao certo quando foi a ultima vez que ele funcionou. Passo pelo corredor fétido e me despeço do guarda que vem em minha direção para começar a fazer a ronda no prédio. Chego no estacionamento amplo e sujo com apenas o meu carro e um outro parado um pouco depois do meu. "Estranho! Não ficou mais ninguém no prédio". Ignoro a existência do carro e vou dando passos curtos e lentos em direção ao meu. Novamente escuto o mesmo barulho estranho como se fosse uma outra pessoa andando, só que dessa vez mais nítido. Paro subitamente há uns 3 passo do meu carro. Catatônica. Tenho a sensação de que alguém me observa na escuridão. Recobro meu fôlego e dou os 3 passo que faltam até eu chegar a porta do meu carro. Só ouço o barulho do meu salto alto ecoar pelo estacionamento e um outro barulho que vem de duas lâmpadas queimadas do outro lado do ambiente. Ao chegar perto da porta do carro, escuto novamente esse barulho e tenho a sensação de não estar sozinha. "Tem alguém ai?" - pergunto com a voz trêmula confesso que não querendo ouvir resposta. Quase que imediatamente escuto um barulho de lata do outro lado. Não penso duas vezes antes pegar a chave do meu carro no fundo de uma das divisões da minha pasta de couro surrada. Demoro um pouco para encaixar a chave no buraco da fechadura. Assim que consigo, sinto alguém me seguindo. Abro a porta e entro sem olhar para trás e quando estou quase fechando a porta, sinto algo áspero tocar minha perna. Ele era tão lindinho. Aqueles olhos grandes, pelos macios. "Então era você o tempo todo?" - pergunto segurando em meus braços aquele lindo cachorrinho.