QUEM VIU SUMIU
Toim fora batizado, na igreja, com o nome de Antônio. Poderia ter recebido um simplório apelido como Tonho, Totonho, Tó, ou outro qualquer mas, em virtude de ter uma tia muito dengosa, desde menino, acabou recebendo o apelido de Toim. Ficou conhecido desde a tenra infância com esse apelido e assim foi sendo chamado pelo resto da vida até que tomou, como diziam, um chá de sumiço.
Toim estava com seus vinte e cinco anos, após passar quase todo esse tempo como empregado em uma fazenda de gado no interior de Goiás, nos cafundós da BR-118. De pouca fala acordava cedo e, logo depois de um café com um pedaço de bolo de fubá, arrumava a matula e sumia de vista embrenhando-se no mato atrás das vacas paridas, para a ordenha.
Lá para as bandas da cabeceira do rio que cortava uma parte do pasto, havia uma região pouco explorada em razão de que não tinha nenhum atrativo para o gado; a vegetação típica do cerrado, por bom tempo, seca ou queimada, não atraía o rebanho que preferia se fartar na verdura de um capim angola, plantado há um tempo atrás, sempre renovado, após as queimadas de todos os anos.
Ultimamente andava ressabiado, com isso, por ter ouvido falar que um pessoal ambientalista andava procurando as autoridades, para “ferrar” os responsáveis pela queima do mato seco lá pelas bandas do Moinho e de São Jorge. Falavam que a fumaça poluía o ar, que o fogo matava centenas de espécies, que muitas iam ficar em extinção e coisas assim, e outras tantas conversas que fugiam ao seu entendimento, de homem rude, acostumado a lidar com a terra e animais de leite e carne...
Toim tinha uma cisma com isso e ficava danado da vida só em pensar que esse tipo de gente vivia, com a bunda sentada em uma cadeira de escritório, só pensando em criar problemas para os que, no campo, sob o sol, chuva, frio e os cambaus, se arrebentavam, na lida com a terra dura e a plantação, para o sustento tanto das famílias quanto dos animais.
Um dia, após a lida, resolveu dar umas bandolas lá pela margem do Rio dos Couros, atrás de um pé de ingá que, a essas alturas, deveria estar carregado de favas com os caroços revestidos da mais deliciosa doçura. Também queria dar uma olhada nos macacos, seriemas e veados campeiros que iam se refestelar nas delícias da leguminosa.
O lugar não era nada badalado pela gente do lugar. Primeiro, que o dono das terras era um “coronel” empedernido, com muito prestígio político na cidade, que mandava tocar fogo de chumbinho com sal, nos que tentavam se aventurar a ultrapassar o arame farpado das cercas. Assim, ficava o dito pelo não dito e a aventura ficava só no desejo da molecada.
Foi então que Toim, sentindo-se meio dono do pedaço, resolveu aproveitar um pouco das delícias em favas e compartilhar com a alegre paz da bicharada, na beira da água, sob a sombra do frondoso ingazeiro. Colheu uma meia dúzia de ingás e escolheu uma pedra sob a sombra da galhada para saborear aquele bom e belo pedaço de vida.
Não demorou muito e apareceu um macaco-prego, com cara de gaiato, gesticulando e fazendo todo o tipo de careta. Toim, na simplicidade de homem do campo, nem sequer imaginaria que o macaco estava se desmanchando, em gestos, para avisá-lo de alguma coisa que pudesse inverter aquele estado de harmonia com a natureza.
Desanimado, o macaco deu uma cambalhota. Com a ponta do rabo pendurou-se em um galho, de cabeça para baixo, e deu um par de coçadas no peito esbranquiçado. Olhou para um lado, olhou para o outro, fez mais uma careta com a língua para fora, deu um impulso e fugiu, saltitante, de galho e galho, até desaparecer na copa do arvoredo.
Toim deu uma risada e virou a cara, para o lado, cuspindo um punhado de caroços de ingá. Em seguida, tratou de encher a boca com nova porção de sementes envoltas na polpa branca, doce e cheirosa. Por alguns minutos ficou a extasiar-se naquele cenário bucólico recebendo, no rosto, a brisa fresca do Norte, ouvindo a sinfonia canora e o zumbizar de um mangangá, rodeando um punhado de flores penduradas em uma árvore próxima.
Mergulhado nesse torpor, teve a atenção despertada por um ruído que parecia vir do seu lado esquerdo, bem atrás de uma gigantesca rocha de granito cinzento, coberta de musgos, trepadeiras e bromélias.
Levantando-se, deu a volta na rocha e percebeu que o ruído ia aumentando à medida em que se aproximava de uma touceira de cana-do-brejo. Apurando os ouvidos aproximou-se e, com o facão que trazia à cintura, procurou afastar os caules a fim de observar melhor o motivo do ruído que estava mais para uma espécie de sibilo. Era como se fosse um aspirador de pó, uma enceradeira, liquidificador ou aparelho semelhante.
Mas que diabos estaria produzindo aquele barulho bem no meio do mato? Como, se ali não havia eletricidade? Que coisa estranha, pensou ele.
Mesmo assim, resolveu prosseguir na investigação. Com as mãos, foi afastando a vegetação à sua frente e percebeu que um pouco mais adiante havia uma brecha, de tamanho razoável, que parecia ser uma espécie de passagem para o interior da rocha, com um declive apontando para um recinto subterrâneo. Pelo menos, aquela entrada dava para passar gente até maior do que ele mesmo - imaginou com os seus botões.
À medida em que ia avançando, seus olhos foram se acostumando à escuridão e pode, então, divisar algo em que não podia acreditar... Estava entrando em um lugar como nunca havia visto igual. Para o interior da brecha de entrada havia um túnel construído com perfeição, guarnecido com paredes de um material do qual nunca ouvira falar. Parecia alguma coisa feita com granito sob alto ponto de fusão. Toim, ao mesmo tempo em que ficava surpreso, começava a sentir uma ponta de medo.
Avançando um pouco mais, sempre buscando ocultar-se atrás de alguma reentrância ou projeção, pisava com cuidado para não fazer ruídos que pudessem avisar da sua presença no lugar. Afinal, queria descobrir quem estava utilizando-se das terras do seu patrão sem que isso fosse do conhecimento dele. Tão logo se inteirasse do que faziam os que produziam o ruído, trataria de dar conta, tintim por tintim...
Mais adiante, percebeu que a escuridão do túnel estava sendo amenizada por uma luminosidade que surgia lá mais na frente. Cuidadosamente, avançou até poder divisar o que se passava naquele recinto do qual ninguém nunca ouvira falar. Nem o dono, nem as pessoas do povo, nem a prefeitura, nem o padre, nem o pastor, nem o guru e, nem mesmo a polícia.
Foi quando tomou o maior susto da sua vida. Há uns trinta metros de onde se encontrava, pode divisar um salão subterrâneo que tinha toda a aparência de um laboratório. Esfregou os olhos e firmou a vista no que tinha pela frente:
O ruído parecia vir de um aparelho estranho que, embora não parecesse, funcionava como se fosse um gerador de energia. Esse aparelho produzia energia para a refrigeração de enormes tubos de vidro em que se encontravam, encerrados, nada mais nada menos do que corpos de seres humanos e de alguns animais. Um pouco mais para a frente, prateleiras sustentavam caixas transparentes contendo órgãos e partes de corpos, de bichos e de gente, também congelados.
Toim estava completamente aturdido com o que presenciava e seu pensamento voltou para a vida da cidade quando percebeu que, em uma das caixas, estava a cabeça de uma menina de doze anos, conhecida por Cidinha, que havia desaparecido há uns três anos atrás quando fazia uma trilha lá para as bandas do Morro da Baleia.
Em outra, partes do corpo foram reconhecidas em razão de uma queimadura na perna esquerda, contraída ao pular uma fogueira no festejo de S.João, de uns anos atrás, lá na Praça do Bambu. Era ela mesmo! Era a Cidinha, a filha do Chico com a Zefa! Aquela era a perna dela! Ninguém nunca soube o paradeiro dela e diziam que teria sido sequestrada por um bando de ciganos que andou zoando pela cidade.
Em meio à perplexidade, Toim ainda teve tempo de ver uma portinhola se abrindo, na parede esquerda e, de dentro dela, saírem quatro seres completamente diferentes daqueles que identificava como seres humanos. Eram uns caras cinzentos, com uma roupa sem bolsos nem costuras, que se colava ao corpo, do pescoço aos pés. Tinham cabeças bem grandes, eram baixos, carecas e os olhos negros, enormes e amendoados, oblíquos, com a parte mais fina apontando para cima. O nariz era pequeno, com duas fossas bem delicadas. Não tinham boca aparente e nem orelhas... Parecia que estavam se entendendo através de gestos ou de expressões mímicas. Era verdadeiramente espantoso o que via. O medo se aprofundava...
Há algum tempo atrás, assim como a Cidinha, a cidade fora sacudida com o desaparecimento de alguns dos seus habitantes. Animais de propriedades próximas também tinham sumido como por encanto. Tal como a menina, outras pessoas também sumiram sem deixar vestígios. De voz corrente sabe-se que, alguns turistas interessados em trilhas no cerrado e, também, hóspedes de campings haviam tomado sumiço e nunca mais deram sinais de vida...
O caso fora, até mesmo, noticiado nos jornais e revistas da capital e no jornalismo das emissoras de rádio e televisão. Prefeito, delegado, padre, pastor e juiz, foram entrevistados, cada qual dando sua abalizada opinião.
O delegado e o prefeito, diziam ser coisa de um acampamento de ciganos que ocuparam um terreno baldio por uns meses. Por isso, era cismado com esse povo cigano. Um bando de gente desocupada que não perde uma chance de roubar alguma coisa, desde crianças até cachorros...
O juiz garantiu que, de fonte fidedigna, fora informado de que teria sido obra de um tal chupa-cabras que, de vez em quando atacava animais e pessoas. O padre e o pastor entraram em acordo e espalhavam, nos púlpitos, que se tratava de coisa do demônio e que o capeta andava à solta pelo fato das pessoas não terem fé e só se preocupassem com a fornicação geral...
Por sua vez, o delegado não perdia a oportunidade de somar sua opinião aos acusadores do chupa-cabras. Assim, não teria mais que se preocupar com o inquérito, engavetado há um tempão, e nem teria que disponibilizar os parcos recursos da delegacia e nem dos poucos homens de que dispunha, como auxiliares. Aquilo era mesmo um saco, dizia ele...
Um hippie, meio esotérico, andou tentando falar que se tratava de casos de abdução e que aquilo estava ocorrendo em várias partes do mundo, portanto, aqui não seria diferente. Como o cara não era muito dado a tomar banho e cortar os cabelos, andaram espalhando que a explicação se devia ao fato de viver noiado e que não passava de uma das suas viagens sob os efeitos da diamba ou de algum chá do Daime.
Toim, então, diante do que testemunhava, admitiu logo a ideia de que os desaparecimentos de animais e de gente eram, mesmo, coisas de extraterrestres. Isso mesmo era a tal de “ab-du-ção”! Só não atinava o motivo pelo qual os caras estavam fazendo aquilo. Era demais para a cabeça dele.
Quando já havia tomado a decisão de deixar aquele lugar espantoso, ao virar-se, cuidadosamente, para não ser visto ou ouvido, foi surpreendido por quatro manoplas que o agarravam fortemente pelos braços. Quando tomou pé da situação, percebeu que havia sido flagrado por tipos iguais aos que tinha visto no laboratório e eram tão fortes que mal podia se mexer. Um terceiro deles aproximou-se de Toim e aplicou-lhe uma injeção no músculo do braço direito. Segundos após, exalava seu último suspiro.
Os alienígenas, então, conduziram o corpo inerte e o colocaram sob uma espécie de maca a fim de que fosse preparado para o congelamento em um dos tubos à disposição. Era mais um espécime humano disponível para experiências genéticas visando a preparação de corpos para futura utilização de mutantes que, aos poucos, começar iam substituir a decadente população humana da terra. Muitos outros humanos ainda viriam abastecer esse e os milhares de laboratórios semelhantes espalhados pelo planeta...
Na cidade, alguns ligados ao ocultismo, ao esoterismo e, principalmente à Ufologia, já haviam ventilado o andamento de um plano para o retorno de alienígenas que viriam colonizar e habitar o planeta, sujeitando parte da população humana aos seus objetivos. Tais notícias eram comentadas, pelos habitantes da cidade, como maluquices, visões de gente noiada e outros predicados desqualificantes...
Os dias foram se passando e nenhuma notícia de Toim. As autoridades perderam o rumo das investigações e uma velha fofoqueira, lá das Almécegas, andou espalhando que o rapaz sumira agarrado com um rabo-de-saia que viera fazer turismo na cidade. O delegado, o prefeito o padre, o pastor, o juiz e todas as autoridades incorporaram a ideia dando o assunto por encerrado. Só podia, mesmo, ser isso!
À boca pequena, corria um boato de que o sem-vergonha do Toim não ficaria muito tempo com a mulher da cidade. Um cachaceiro, linguarudo, que fazia ponto na Rodoviária, se encarregou de espalhar que o pobre não demoraria muito com a turista, por nutrir uma paixão escondida por uma das vacas do coronel e, por isso, teria continuado solteiro. Nunca se ouviu falar que tivesse, ao menos, namorado uma das meninas ou mulheres da cidade. Era só uma questão de tempo para ver quem levaria a aposta. A turista ou a vaca?
Alguns dias depois, um repórter da televisão andava entrevistando a população para fazer a matéria de um programa a respeito do desaparecimento de pessoas, abduções, extraterrestres, etc... Corria uma notícia, na Capital, de que, naquela região, as pessoas avistavam discos voadores e até mesmo algumas conseguiam se comunicar com os alienígenas... Por coincidência, tal repórter hospedou-se em uma Pousada em que, logo na entrada, havia um monumento em forma de disco voador com um alienígena dando boas-vindas aos chegantes que tinham, como principal interesse, passar boa parte da noite, no Aeroporto da cidade, à espera da vinda de uma ou outra nave anunciada por gente ligada a confraria místicas... Nessas oportunidade, pelas noites afora, acampavam nas instalações da pista de pouso, cantando mantras, louvores, salmos e até recebendo espíritos afins...
O repórter foi informado de que poderia ficar sabendo de algo interessante com o dono da Pousada. Todavia, esse não queria saber de conversa com ninguém sobre tal assunto e tratava de discorrer sobre temas relacionados com Cavaleiros, Távola Redonda, Santo-Graal, etc... No meio de todo esse ajuntamento, também, havia gente evocando e recitando profecias de Nostradamus e de S.Malaquias, relacionadas ao Fim dos Tempos...
De fala fácil e agradável, o proprietário via sua Pousada sempre repleta de hóspedes, a maioria elogiando o serviço, a decoração e as informações históricas sobre personagens e feitos da antiga Cavalaria Templária...
No embalo dessa onda, a Prefeitura mandou fazer um pórtico em que um disco voador dava as boas-vindas aos visitantes da cidade. Os turistas vinham aos magotes, todos ansiosos para levar fotos ou gravações de imagens de alienígenas com suas falas, naves e demais comprovações dos contatos mas, até hoje, nenhum deles nunca viu nem ouviu nada! O boato que corre é que: "Assim como Toim, quem viu, sumiu!"