AD AETERNUM - PARTE VII

EXTREMAMENTE CANSADO, finalmente ele conseguiu chegar ao requintado -para os modestos padrões da aldeia, bem entendido- quarto de hóspedes da Municipalidade. Ao abrir a porta, percebeu que aquela noite ainda estava longe de terminar: uma mulher o aguardava, sentada em sua cama. Aparentava lá os seus cinquenta e tantos anos bem vividos e mal disfarçados por óbvias e inúmeras intervenções cirúrgicas, nem todas bem sucedidas. Estava vestida com roupas notavelmente caras e repleta de joias, num exagero visual que, a despeito dos altos valores investidos, a deixava completamente kitsch. Tímido, e portanto pouquíssimo afeito aos trâmites naturais das relações entre homens e mulheres, especialmente no que diz respeito àquele plano misterioso dominado por Eros, o imortal estacou na porta, em algum lugar situado entre o surpreso, assustado e confuso (mais assustado e confuso do que surpreso, diga-se). A mulher, entretanto, parecia saber exatamente o que desejava naquele quarto, bem como a maneira como iria conseguir o que fora buscar. Com o sorriso inexpressivo de quem há tempos adquiriu o hábito de aplicar deliberada e reiteradamente toxinas paralisantes no próprio rosto e alisando a cama ao lado do seu corpo num gesto suave e pretensamente sensual, ela o convidou a achegar-se. O que a senhora deseja, perguntou ele. Para que tanta formalidade, meu jovem; pode me chamar de você, respondeu a insinuante senhora. O que a sen... o que você deseja, tornou a perguntar o imortal, agora um tanto gaguejante. Ora, meu caro, no Brasil (a mulher, como o prefeito, também ignorava as diferenças entre os países sul americanos) os jovens são todos assim, tímidos? Ou você está apenas se fazendo de difícil? O que foi? Não gosta de mim, insistiu a senhora. Não é isso, senho... não é isso; mas é que eu... eu...

Uma vez que o imortal permanecia imóvel, a mulher se levantou, lânguida, e caminhou lenta, insinuante, em sua direção. Você sabe o que eu quero, docinho, não se faça de rogado, não, não sei, senhora, juro que não sei, não sabe mesmo, tolinho, quer que eu lhe diga o que eu desejo de você nesta noite?, por favor, senhora, por fa-vor, eu quero... o que, senhora, o que?, eu quero a sua... o que?, a sua... imortalidade!

Ao dizer isso, a mulher agarrou o apavorado e sexualmente inexperiente imortal pelo colarinho e o arrastou através do quarto, atirando-o sobre a cama e, perpetuum mobile, atirando-se sobre ele. Durante toda aquela noite (que durou pouco mais do que um piscar de olhos para o argentino), a mulher, percebendo a inexperiência do parceiro (o que a deixava ainda mais excitada e louca e vibrante) buscou, com toda a voracidade, com toda a volúpia, com todo o afã, sugar de sua vítima indefesa o tão desejado fluido transmissor da imortalidade. Com fúria e técnica e método e um vasto e elaborado arsenal, beijou, lambeu, mordeu, beijou de novo, agarrou, arranhou, beliscou, apertou, soltou, agarrou e beijou e tudo de novo e novamente até que oh, yes, please, oh, yes, oh, God, yes, yes, yeeessssss, inúmeras, deliciosas vezes e com aquele curioso sotaque escocês... Cada centímetro da intimidade imortal foi completa e profundamente visitado (devassado) pela ansiosa e insaciável dama. O argentino, absolutamente perplexo, extasiado, em transe, farto, deixou-se exaurir de todas as formas e em todas as posições (e como havia muitas, oh, sim, muitíssimas!), possíveis em razão do largo conhecimento que sua (agora) senhora, aquela sua louca, sua deliciosa senhora, possuía das artimanhas pertinentes ao intrincado jogo do amor. Ou, talvez mais apropriado ao caso, da fulgurante arte do sexo.

O imortal, completamente exausto, só foi acordar por volta do meio dia; e só se levantou porque alguém batia insistentemente à porta. A misteriosa dama já havia desaparecido. Teria conseguido o que viera buscar, o que almejava tão ardentemente? Voltaria? Desejava ardentemente que sim. Diante das incômodas pancadas na porta, levantou-se a contragosto, murmurou, já vou, como se alguém pudesse ouvir suas palavras pronunciadas naquele tom e daquela distância, levantou-se lentamente, espreguiçou-se, vestiu um robe que encontrou à mão e atendeu a porta. Era o prefeito. Tinha nas mãos um maço de dinheiro. Um maço de dinheiro bastante volumoso. E um largo sorriso nos lábios. O que é isso, perguntou o imortal, supondo que já se tratasse do montante combinado com a rede de telecomunicações. O seu pagamento pela noite de ontem, respondeu o prefeito, e o sorriso se ampliou em seu rosto e assumiu ares de cumplicidade sarcástica. Mas eu ainda nem dei nenhuma entrevista, retrucou o imortal. O prefeito replicou, este pagamento não é pelas entrevistas. Quer dizer, não pelas entrevistas jornalísticas; mas por aquela entrevista, digamos, romântica, concedida a uma certa dama...

O imortal corou. Jamais imaginaria que aquela noite, tão especial para ele, pudesse ser simplesmente o pérfido resultado de um arranjo financeiro. O nobre(?) prefeito, indiferente aos pruridos éticos que borbulhavam em sua alma de amante despeitado e abandonado, estendeu para ele a mão cheia de dinheiro. Conforme combinado... como? Eu não havia mencionado com o senhor este pequeno arranjo? Veja o senhor! Que distração, que cabeça, a minha! Bem, como eu ia dizendo: conforme o combinado, a Senhora Baronesa deixou o... pagamento aos meus cuidados. Obviamente, já descontei a minha pequena comissão, no montante de dez por cento. E, se o senhor me permite a observação, a Baronesa se mostrou bastante satisfeita com o... com a... bem, com o resultado do, por assim dizer, negócio...

Então, ela era uma Baronesa, pensou. E havia ficado bastante satisfeita, pensou novamente, muito orgulhoso de si mesmo; nada mau para um iniciante. Então ela ficou satisfeita, perguntou. Sim, oh, sim, very much, very much, indeed! Muito satisfeita, com certeza. Parecia até mais jovem quando foi embora! Até me disse... o que foi mesmo que ela disse? O que, o que foi que ela disse? Ela disse... disse... ah, sim: disse que já se sentia, ela também, imortal!

O prefeito depositou o maço de notas na mão do imortal, deu-lhe uns tapinhas no ombro -aqueles tapinhas típicos de políticos que desejam pedir o seu voto-, disse-lhe que pretendia conseguir muitos outros arranjos como aquele e saiu apressado, dizendo que tinha uma cidade inteira para administrar, e muitos contatos a fazer. O imortal permaneceu ali, olhando o dinheiro em sua mão e lembrando da noite extraordinária que tivera, a melhor noite que tivera em toda a sua vida. Enquanto durava a sua aventura erótica, ele se imaginava apaixonado pela sua (agora sabia) Baronesa; mas (agora sabia) que aquilo era simplesmente sexo, o maravilhoso sexo, que (agora sabia) ele poderia, na condição de imortal, conseguir em qualquer lugar, a qualquer tempo (agora), com (definitivamente, sabia) qualquer uma. Dinheiro e sexo: duas coisas das quais ele sempre conhecera a escassez, de repente lhe eram franqueadas abundantemente, por conta da sua imortalidade. O que mais o futuro (o futuro eterno?) lhe reservaria?

Ao cair da tarde, o prefeito bateu novamente à porta; já havia agendado encontros amorosos para todo o restante daquela semana. Por um belo preço e mediante uma pequena comissão, obviamente. Depois de insistir por algum tempo sem obter resposta, recorreu à chave reserva. Observou, decepcionado, que o quarto estava vazio.

O imortal havia ido embora da aldeia.

paulo marreco
Enviado por paulo marreco em 17/10/2013
Código do texto: T4529514
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