Para Onde Foram Todos?


Despertei sentindo-me estranho esta manhã. Senti-a me leve, forte, bem-disposto, com uma energia que trazia de volta os bons tempos de minha juventude. A escuridão do quarto, propositalmente forçada pela densidade de nossas negras cortinas, mascarava, como sempre, a real cor do dia.

Sabia que era dia, tal o meu estado de disposição. No entanto, por que o meu cachorro não me acordou ao latir, com sempre faz, mesmo que seja domingo?

- Querida, querida. Tentei acordar minha esposa ao lado na cama, mas somente toquei em seus travesseiros e lençóis. Despertara sem me chamar? E as crianças, e a escola? O despertador falhara? Olhei para a tela do aparelho, sobre a cabeceira de minha cama, e o visor estava apagado.

- Queda de energia. Que novidade! Mas os ruídos da casa, a correria das crianças antes de sair para a escola? O barulho dos talheres no café-da-manhã. Teriam resolvido poupar-me e deixar a dormir? Urgia que se me apressasse para correr ao trabalho. Fui ao interruptor acender a luz. Sem energia. Fiquei irritado com meu esquecimento. Procurei as cortinas e abri-as. O dia amanhecera estranhamente nublado, com uma luz difusa denunciando as primeiras horas da manhã. Abri a janela do sobrado. Silêncio total. Nem o ruído dos carros, as vozes distantes das pessoas, o canto dos pássaros, o silvo do vento, o latir do Toby.

- Toby. Toby. Chamei-o à janela, o que sempre respondia correndo e pulando. Onde estará o Toby?

Calcei os chinelos. Vesti o roupão. Saí pela casa. Fui ao quarto das crianças. Vazio. Camas desarrumadas.

- Como a Kely permitiu que saíssem sem arrumar as camas? Estariam tão atrasadas assim? Voltei ao meu quarto e na gaveta do armário busquei meu relógio. Ele apontava três horas e quinze minutos. Os ponteiros parados.

- Eu não acredito. Um relógio caro e da melhor marca parara no meio da madrugada? Teria comprado gato por lebre? Não, eu sabia reconhecer uma boa marca adquirida em uma das melhores lojas da cidade. Desci ao térreo e me dirigi para o relógio da cozinha. Parado. Os ponteiros marcavam três e quinze.

- O que está acontecendo? Abri a porta da cozinha. Toby! Toby! Nenhuma resposta. Onde estará Kely? Levou as crianças para a escola. Teria voltado e saiu para caminhar com Toby. Isso. Estou me afligindo sem motivo aparente.

Voltei ao quarto e procurei o celular. Não ligava. Impossível a bateria estava com a carga completa. Tenho certeza disso. Pequei o telefone fixo. Sem sinal de linha. Tentei de novo. Apertei nervosamente a tecla de repouso. Nada. Nada. Nada. A Tv era impossível, visto que a energia ainda não voltara. Vesti qualquer roupa e saí para a porta. O carro de Kely na garagem. Apoiei minhas mãos sobre o capô. O motor estava frio. Ela não saíra. Mas e as crianças? Pelas grades do portão percebi que não havia ninguém nas ruas. Nenhum pedestre ou carro. Nenhum som vindo das janelas dos prédios em volta. Os outros sobrados estavam mudos, silenciosos. O rádio do carro! Corri e peguei as chaves. Entrei no veículo. A bateria não dava qualquer sinal. Liguei o rádio. Estática. Estática. Estática.

Abri o capô. Todos os cabos conectados. A bateria parecia boa. Tentei nova partida e nada. Corri para pegar a chave do carro da Kely. Aconteceu o mesmo. Bati nervosamente minhas mãos sobre o volante. Parei para pensar.

Voltei e tentei novamente com o celular, com o telefone. Nada. Somente então percebi que o celular de Kely estava em casa e sua bolsa com os documentos. Ela não saíra. Desci para o quintal. A coleira de Toby no mesmo lugar. Ela não levara o cachorro ao passeio. Saí para a rua. Ninguém. Não havia viva alma. Nenhum trânsito.

Desci correndo para a Alameda principal. Ali sempre havia alguém. Seria impossível se não houvesse nada. Mas não havia. Uma estranha bruma cobria o sol, às vezes permitindo que um tímido raio quisesse se manifestar. O canal da alameda deserto. Ninguém fazendo caminhada, o que seria normal. Todo o comércio fechado. As ruas sem pessoas ou veículos.

Sentei em um banco próximo. Belisquei-me. Eu devo estar dormindo. É um pesadelo, um enorme pesadelo. Levantei-me e gritei por alguém. O som da minha voz ecoou por todos os cantos. Girei e olhei em volta. O silêncio petrificava-me. Foi a primeira vez que senti um medo real. Caminhei por longas horas. Vencido e desanimado. Percebi que não sentia fome, ou sede ou frio. Estaria vivo? Teria todo o mundo morrido ou apenas eu? Em busca de respostas levantei-me e continuei a caminhar pela alameda extensa em busca de outra alma, de outra voz, de outra vida...