Tiros
Esta noite eu não dormi.
Fiquei só imaginando os tiros que vem das favelas. Os olhinhos apertados das crianças nos colchões espalhados pela pequena sala, são olhinhos assustados...
Fiquei sem saber como seriam os idosos que moram por lá. As rugas de cada um e a história que não é contada por ninguém.
Levantei-me. Fui até a cozinha. Bebi leite gelado e...ao saborear este leite fiquei, também, imaginado quantos mendigos estão neste instante com vontade de beber leite...O leite desceu em minha garganta mais azedo...
Nada mais me fez dormir, nem o leite , nem o ar frio que vinha da linda janela de meu apartamento. Apartamento , este, comprado com recursos do Fundo de Garantia.
O fato de morar só me dá alguns privilégios, posso sair a hora que desejar. Nesta noite de insônia resolvi perambular.
Ao descer as escadas deparei com um mascarado...Olhou-me com olhos esbugalhados, jogou-me no chão e deu-me um tiro.
Neste instante, só ouvi alguém gritar...tem ladrão no prédio.
Não estava desacordado. Ainda pensei. Será que vou morrer?
Ninguém pode imaginar o que se passa na cabeça de alguém que está no chão baleado...
Ouvi vozes. Um vulto se aproximou de mim e perguntou.
_O senhor está ferido?
_Não sei. Minha voz saiu rouca.
_Consegue se levantar? Não tenha medo. Eu sou policial.
_Posso tentar. Não sinto nada.Obrigado
Levantei-me e ao apertar a mão do policial olhei para seus olhos ...eram os mesmos olhos esbugalhados que havia encontrado na escada...Eu o reconheci.