Claustrofobia
Abriu os olhos rapidamente ao ouvir a estrondosa batida da porta que se fechava. Tentou levar a mão ao rosto para esfregar seus olhos que ardiam, mas não conseguiu. Nenhum dedo. Nenhuma parte do seu corpo podia se mover. Mas por quê? Tudo que via era o filete de luz horizontal que estava em frente aos seus olhos. Nada além. Tentou gritar, mas logo descobriu que estava amordaçado com uma espécie de fita isolante.
Manter a calma. Era o que ele devia fazer. Mas como? Desde pequeno era claustrofóbico. Sempre fora bom com números, de imediato calculara que o cubículo onde se encontrava devia ter cerca de 2m de altura e no máximo 30cm de profundidade. Pela primeira vez na vida ficou satisfeito em ser tão magro. Seu porte físico, quase cadavérico, sempre fora-lhe um iminente infortúnio. Precisava pensar em algo.
Resolveu se aproximar da estreita fenda de no máximo 3cm de altura, por onde tentou reconhecer aquele local onde estava preso. Teria caído de costas, se assim fosse possível, ao perceber que estava sepultado de pé na parede de sua própria sala de estar. A mesa de centro que ganhara de sua tia quando se mudou para a nova casa, com seu baralho chileno espalhado sobre ela. As taças de cristal, que ganhara em um sorteio na festa de final de ano do seu antigo emprego, todas dispostas ordenadamente sobre a cristaleira.
Estava de frente para a TV de led com 55” desligada que havia comprado há poucos dias. Podia ver pelo reflexo, que a parede onde jazia tinha um tom diferente das demais. Fora recém pintada. Não entendia como fora parar ali, pois não se lembrava de nada que havia acontecido recentemente. Sua cabeça doía como se tivesse sido atingida com algo pesado. Novamente tentou, em vão, tocar o galo que acreditava existir em sua testa.
O suor começou a pingar entre seus dedos. Uma gota de suor deslizou sobre sua fronte e repousou em sua retina, que ardeu com mais intensidade. Tinha vontade de gritar, mas era impossível. Sua garganta seca implorava por um simples gole de água. Beberia sua própria urina se fosse possível. Ao pensar nisso, percebeu que havia se urinado por completo enquanto estivera preso. Não tinha a menor ideia de quanto tempo estava naquela prisão de concreto. Dois dias? Duas Semanas? Dois meses? Na verdade faziam três dias, mas ele jamais iria saber.
Pela luminosidade vinda da janela lateral, supunha que fossem quase três da tarde. Nesse momento se odiou ao lembrar-se do relógio de parede que havia quebrado durante uma discussão com sua ex-mulher. Já fazia tanto tempo. Ela já devia estar longe e feliz. Essa nova casa era a promessa de uma nova vida, calma e sossegada. Tempo de reconstrução. Mas que bobagem. Ali estava ele sob 40 centímetros de cimento e tijolos vendo o mundo por uma fresta.
O tilintar da campainha aguçou os seus sentidos. E agora, o que aconteceria? Alguém iria atender? Ao som da terceira tentativa veio a sua resposta. Usava um vestido branco de linho que pendia de seus ombros desnudos. Os longos cabelos levemente ondulados cor de mel. Aquele semblante diabólicamente angelical, que ele jamais esquecera. Ana, sua ex-mulher, viera do quarto para atender a porta.
— Olá, estava esperando por vocês.
Fechou a porta, cumprimentou o casal que acomodou-se no sofá e desferiu um lancinante sorriso malicioso em direção à parede, onde sabia que Pablo a tudo espreitava silenciosamente.
Ele não podia acreditar no espetáculo bizarro que seus olhos lhe proporcionavam. Estavam ali, em frente aos seus olhos Alexander e Julia. Seu melhor amigo de infância e sua única e verdadeira paixão, de mãos dadas em sua sala, em seu sofá.
— Viemos trazer o convite do nosso casamento para vocês.
Ana falava como se ainda estivessem casados e felizes. Pegou o convite das mãos de Julia e afirmou com certeza que eles compareceriam à cerimônia e à recepção. Curiosa, com seu olhar atento, que sempre fascinara Pablo, Julia perguntou onde ele estava. Ana prontamente respondeu que estava em uma viagem a negócios, mas que até a data do casamento estaria de volta.
Seu corpo todo tremia em um furor espasmódico. Ódio era tudo o que sentia. Queria poder se libertar de seu sepulcro e destruir todos aqueles traidores. Como podia Alexander ousar desposar aquela à quem ele sempre amou, mas que por obra do destino fora obrigado a deixar. Como podia? Qualquer um, menos ele. Como Ana conseguira a chave de sua casa? Por que tudo isso estava acontecendo? Perguntas que não saíam de sua cabeça. Por que com ele? Que sempre julgara-se um sujeito correto, trabalhador, marido fiel, temente a Deus. Por que?
Do lado de fora, o trio bebia uma dose do seu Jack Daniel’s em comemoração. Suas gargalhadas soavam como uma orgia infernal. Estavam os três rindo dele. De sua desgraça. De sua derrota. Uma lágrima rolou por sua face e morreu em seus lábios. Sabia de sua condição de impotência. Sabia que nada poderia fazer para evitar aquela dor. Então resolveu aceitá-la e digeri-la com o salgado sabor daquele pranto.
Enfim foram embora. A porta bateu. Ana preencheu seu copo de Whiskey novamente e acendeu um cigarro. A mesma marca que fumava enquanto eram casados. O mesmo cheiro que tantas vezes foi motivo de discussões entre os dois. Passou a mão pelos cabelos e caminhou em direção à parede onde Pablo estava sepultado, ou repousando, como ela preferia dizer.
— Viu só como ela não te amava? Mas não se preocupe, agora nós ficaremos para sempre juntos.
Um anel de fumaça pairou no ar. Abraçada à parede a bela mulher permaneceu. Do outro lado, o par de olhos assustados permaneceu imóvel, pois não havia outra alternativa. Sua morte era certa e seu sofrimento inevitável.