LEMBRANÇAS

Lentamente, penetrou na casa às escuras. Um cheiro forte de coisas velha invadiu o ar, teve medo.Aos poucos seus olhos começaram a distinguir formas.Aproximou-se de uma velha cômoda, o assoalho gemeu sob seus pés, sentiu um calafrio.Do alto da parede a figura austera do avô, a observava. Voltou a ser criança e não conseguiu abrir a gaveta. Tremula buscou o antigo quarto, que a acolheu friamente, mesmo assim se sentiu mais segura. Deixou que às lembranças, chegasse, até ela.

Tinha quatro anos quando a mãe deixou o pai. Foi uma cena triste, agarrada, a irmã mais nova, viu o caminhão do pai se afastando. A mãe precisou trabalhar e numa tarde chuvosa, levou, ela e a irmã, pra casa dos avós. Foi ali, entre estas paredes, manchadas de mofo, que passou toda infância. Alegria, tinha apenas, quando a vó, mulher de aparência frágil, a levava pra brincar, na Quinta da Boavista. Isto só acontecia, quando o avô viajava. No seu aniversário a mãe vinha visitá-la e lhe dava um novo vestido, nunca um brinquedo ou uma boneca. Mas o que ela queria mesmo, sempre foi negado, um gesto de afeto...Tinha um gato, o Mimi, magro e sem graça como ela, mas foi sua única companhia, além da irmã.

Mulher feita agora, por insistência da analista, resolvera voltar aquela casa e exorcizar seus temores e angustias, mas estava assustada...Tentou abrir a janela, pois perdera a noção da hora, e não queria dormir ali, mas a tranca estava emperrada. Sentiu-se cansada e recostou-se na antiga cama, pequena demais para um adulto. Ficou ali, os olhos fitando, o nada...E como num pesadelo, ele surgiu outra vez se esgueirando pela parede. Ficou paralisada pelo medo, instintivamente, buscou a irmã, ela não estava...será que ele a levara. Tentou se agarrar há um lampejo de consciência, é tudo um sonho pensou, mas o terror foi mais forte, gritou pela vó, que não veio, estava só...A irmã não estava ali, para se sentir mais tranqüila.Elas tinham feito um acordo, em criança, o de se revezarem, enquanto uma dormia a outra tomava conta, para não serem engolidas, pelo monstro.Tremia e olhava horrorizada ele se aproximando, gritou mais forte e se encolheu sobre a cama.

A luz do quarto se acende e um homem a toma nos braços.- Ele está aqui, vai me pegar, ela grita. O homem sorri - Não tem ninguém aqui, você demorou e eu vim buscá-la. Abra os olhos, Lígia, veja por você mesma. Chorando ainda, ela concorda – Mas ele estava aqui agora, teima. Abre os olhos não tem ninguém, a não ser o marido que se encaminha até a luz e a apaga. Veja, o seu monstro é apenas, a sombra da goiabeira.

Jacy Ferino

12/04/07