* DAMIEN DARKHOLME: SOMBRIA OBSESSÃO ¹
Avançando, sem rumo, com obstinação, podia ver aquela criatura ganhar uma silhueta definida em meio à escuridão e névoa daquela noite, viera em meu encalço, talvez rastreando meu cheiro, há dias podia sentir a presença dele, por vezes, aquele olhar, mas nunca estivera próximo a ponto de sentir ameaçado, mas agora, era uma outra conversa, um novo momento, aquele demônio possuía olhos reluzentes, um olhar frio e sombrio, que poderia aterrorizar uma criatura normal, mas a mim, apenas causara sobressalto em saber que não sabia com quem estava lidando, era rápido, mas podia ver a troca de passos, o movimento dos braços, como estivesse abrindo caminho entre a névoa daquela noite de outono, sentia aquele ar gélido, mas a presença dele provocara minha ânsia, podia sentir o cheiro dele trazido pela brisa, estava à espera, assim como aquela criatura havia aguardado por aquele encontro.
A cada passo, podia vislumbrar seu rosto, aquela feição soturna, apenas fazia compreender que não havia escolha, era apenas lutar, o avanço fez com que seu primeiro golpe fosse previsível, contra golpeando, em uma ação evasiva, fiz com que passasse por mim, e ao voltar sua atenção em minha direção, disse:
- Que formidável, a lenda ainda sobrevive.
- Porque insiste em manter de pé, Darkholme?
- Tudo foi tirado de você, inclusive a vida.
- A vida sim, mas aquilo que resiste em mim é vingança.
- Vingança?
- Sim, vingança! É por vingança que ainda estou em pé.
Sorriu sarcasticamente, como pudesse saber e compreender que aquilo que mantinha de pé, não era apenas vingança, era minha intenção de não ser abatido facilmente, de resistir às adversidades, e com um movimento rápido, aproximou suficiente para arranhar meu rosto, e gargalhar, dizendo:
- Sua raiva enfraquece você.
- Seu medo enfraquece você.
E havia alguma verdade nas palavras dele, uma verdade inegável e inquestionável, havia sido transmutado, sido abraçado pelas sombras e escuridão, mas as trevas ainda não exerciam poder sobre mim, sempre resisti, sempre. Não queria perder a consciência do que havia sido, qual era minha origem, minha verdadeira identidade, mas sabia que minha resistência, minha força de vontade, poderia ser sobrepujada pelo poder sombrio da escuridão, um poder originado do caos que existe em toda criatura.
Aquela afirmação, incontestável fez pensar em tudo que havia ocorrido em minha vida, e sobreviver não era viver, viver ultrapassava todo entendimento limitado da humanidade, e agora compreendia essa equação, onde somos apenas agentes, passíveis da intercorrências do destino, e caso não fosse pelo destino, havia um poder irônico e sarcástico que manipulava a vida, de um jeito misterioso e soturno.
Avançou sobre mim, pareceu confiar demais em suas habilidades, em estar próximo, de uma criatura que havia resistido à influência das trevas, e ao poder da morte. Havia sobrevivido as minhas escolhas, e retornar dos mortos, era o caminho que iria percorrer, e pelo qual iria lutar, não era apenas pela sobrevivência, era para manter minha sanidade, atravessar os portões do inferno, enviado direto do paraíso, foi uma experiência única, e havia lembranças, de uma outra vida, de um outro momento, não pelo qual lutar, mas que deveria evitar, alguns caminhos não tem saída, algumas lendas são apenas imaginadas criadas para ludibriar ou aterrorizar, mas quanto a mim, direto do inferno de volta, descobri não estar sozinho, havia tantos outros que assim como eu, sobrevivendo, agora procurando por respostas, por vingança, por destruição. Tantos outros que haviam perdido a fé, desacreditado, tido suas vidas arruinadas, tendo seus sonhos destruídos, e renascidos, havia sido abduzidos pelas forças sombrias, como agentes do caos, da destruição, e a chave para o caos, havia descoberto que era o medo.
Era assim, que algumas criaturas ainda sobreviviam, motivadas por vingança, por profetizar o retorno das trevas, agora intencionada a reinar entre os vivos, escravizar todos aqueles que porventura pudesse representar uma ameaça aos seus intentos e pretensões.
Éramos anjos caídos, demônios com sede por sangue, vingança, dor e sofrimento, éramos inúmeras criaturas vagando entre mortais, com os quais a convivência era restrita ao alimento natural, éramos apenas predadores, com sede e fome. Fome e sede por vida.
Pareceu perceber minha intenção de continuar com o confronto e murmurou dizendo:
- Porque não faz seu melhor, Darkholme?
- Assim irá valorizar minha vitória.
Gargalhou sarcasticamente, confiança irrestrita em sua capacidade, era uma qualidade vantajosa, mas fazer um julgamento precipitado de uma situação adversa como aquele confronto, tornara aquela criatura pretensiosa, e poderia ser utilizada como um trunfo, utilizar a vaidade dele em meu favor, seria uma forma de manter sob controle aquele confronto, no erro dele, poderia subjugar as intenções dele. Avançou agora mais rápido, parecia uma contra dança, no ritmo dele, apenas desvencilhava dos golpes sucessivos, mantendo longe do golpe principal dele, possuía habilidade em combate, mas subestimara minha capacidade de confronto, analisar e estudar cada gesto, poderia ser uma preciosa aliada contra aquele oponente, avançou mais rápido, e perdeu equilíbrio ao não alcançar seu objetivo, foi quando disse:
- Desse jeito não seria capaz de vencer um inimigo menor.
- Como imaginar poder confrontar a mim?
- Como imagina poder alcançar suas intenções?
Pude notar sua fúria, seu descontrole fez com que com um golpe do punho, fizesse um buraco no assoalho de pedra, e sorrindo murmurou:
- Não irá rir por muito tempo.
- Irei arrancar seus dentes, Darkholme.
Era rápido, mas agilidade, não possuía suficiente para ter alguma vantagem em relação a mim, era um oponente impressionante, forte e rápido, astuto e sarcástico, mas iria ser mais um, naquela noite, iria ser o último confronto dele, foi quando indaguei:
- Porque não fala sobre você...
- Assim posso escolher seu epitáfio.
- E quem sabe, ir atrás de quem enviou você atrás de mim.
E antes que pudesse começar a falar, recordei do que havia acontecido comigo, do meu destino, selado pelas trevas, por um encontro, que fez com que compreendesse que o limite entre a vida e a morte, é uma linha tênue, denominada escolha.
Não sou apenas um monstro, sou a fera mais aperfeiçoada da natureza, gerada a milênios em uma noite sombria, tempestuosa, onde o dia mais claro, foi envolvido pela noite mais densa e soturna. Um caçador voraz e sombrio, sou uma fera, que vaga pela noite, em passos lentos, um caminhar sorrateiro pela escuridão, procurando por minhas vitimas, aquelas que serão para mim, fonte de um prazer inigualável, para saciar essa fome insaciável. E nas madrugadas frias, envolto nos segredos e mistérios da noite, meu olhar procura, em uma busca incessante, por minha próxima vitima, aquela que meu olhar ira desnudar a pele, e será envolvida em meu abraço eterno, um abraço que faça com que seja vulnerável, e sob meus encantos, aqueles sombrios e soturnos, todos os segredos profanos sejam revelados. E perante minha força, herdada daquele por quem fui criado, sussurros serão ouvidos, não haveria resistência, apenas um consentimento licencioso, para que essa ânsia por ser encontrada fosse possível, e sigo em seu encalço, porque não preciso de descanso, para continuar seguindo minha vitima em meio a penumbra. Sim, sou um fera, de instintos apurados, de sentidos aguçados, que permeia a penumbra, seguindo pela noite densa e escura, onde gritos não podem ser ouvidos, onde tudo começa e termina, em um ciclo perpetuo. Sou um caçador, voraz e impiedoso, que caminha nas sombras, que atormenta seus pensamentos, alimentando seus medos e temores, concebido no ápice da noite, renascido de uma morte cruel e sanguinária, sou uma criatura notívaga, noturna e voraz, que nas sombras espreita pelo seu sono mais profundo para adentrar seus sonhos, e tornar seus pesadelos reais, eu sou uma lenda, mas algumas lendas são verdadeiras.
Fui desperto pelo rangido de dentes da criatura, que ansiosamente, retomara o ataque, mas iria descobrir, assim como tantos outros, que para vencer uma batalha, é preciso mais do que força e vontade, coragem e determinação, é necessário, querer permanecer de pé, é preciso querer sobreviver e viver, mesmo que todas as forças do universo conspire contra você.
• Damien Darkholme