ELE ESTÁ DE SACO CHEIO

15 de abril 11:30 PM

Rômulo sente-se cansado, está dirigindo dez horas seguidas, apenas duas paradas para descarregar a bexiga e tomar um café, olha no relógio 11:30 PM, a cabeça cheia, mil problemas a atormentá-lo, se bem, sabe no seu íntimo que noventa por cento deles é imaginário, mas entre em saber e deixar de pensar neles vai um grande passo que ele não sabe dar, pensando bem até daria, mas não dá por quê? Ele não sabe, mas sabe que a questão de cincos anos, de um homem bem sucedido profissionalmente e financeiramente, aos poucos começou a ser um derrotista, um fracassado, seria falta de ter atingido seu objetivo, se for, qual era esse objetivo? Ele não sabia, era só minhoca ruim na cabeça, procurara ajuda de um psiquiatra, diagnostico: suicida potencial, ele um suicida! Imagine! Nem pensar, tem consciência plena que nunca pensou em se matar, em consequência do diagnostico ganhou de brinde uma receita com uma carrada de remédios tarja preta, e aí? Era um suicida ou não era? Ele acha que não, lembra-se de um grande feito de seu grupo empresarial há mais de dez anos comprara uma grande tecelagem de uma pequena cidade no interior de Minas Gerais com mais de 1500 operários, fechara a tecelagem e jogou na rua todos os operários, fora um lance de mestre de sua perspicácia empresarial, eliminara do mercado um forte concorrente, e daí que alguns operários cometeram suicídio por medo ao desemprego que enfrentariam, que se fodam, não era problema dele, seguira a lei do Mercado e, essa operação foi taxada de capitalismo selvagem, e ele riu pra valer. “(Que filho da puta!)” Que está esquisito isso está, mas esquisitice não é loucura, rasgara a receita, jamais tomaria aquelas drogas, só faltava essa na sua vida, viver drogado. Passeia o olhar pelo interior do seu carro, cada detalhe é luxuoso, também pudera, só podia ser luxuoso, custara à bagatela de R$1.800.000,00, mas era apenas um carro, nada mais que isso. Percebe seu estômago roncar, é não tem jeito, ele vai ter que parar no próximo posto para se alimentar e beber algo. A estrada está deserta, sua preocupação agora está focada no surgimento de alguma placa informando um posto de serviço.

A 500 METROS POSTO DE SERVIÇO.

E logo a frente outra: AUTO POSTO TÔ DE SACO CHEIO A 100 METROS.

Dá um simulacro de sorriso, realmente ele está de saco cheio, cheio do que ele não sabe, mas que tá cheio tá.

Diminuí mais a velocidade, logo á frente aparece à entrada do posto, dá seta à direita adentra ao pátio e estaciona. Sai lentamente do carro, estica os braços para cima, dá uma leve agachada para destravar as pernas e, enquanto faz os movimentos para desenferrujar as juntas do seu corpo, observa o ambiente.

Olhou os detalhes da fachada do posto, lembrava um daqueles postos de beira de estrada de filmes americanos da década de 1930 com a típica porta dupla vai e vem, ao lado esquerdo uma torre de mais ou menos dez metros de altura com uma caixa d’água no topo e na frente da caixa um letreiro em neon azul onde se lia TÔ DE SACO CHEIO, o letreiro parecia estar com curto circuito, não chegava apagar por completo, à medida que a luminosidade diminuía lentamente, produzia o som de uma fritura e, depois de quase apagar acendia lentamente por completo para logo em seguida começar o som de fritura e o ciclo se repetia. Ficou um tempo apreciando a agonia do letreiro, como o posto lhe lembrava dum cenário antigo programou mentalmente uma entrada triunfal batendo com violências ambas as mãos nas portas e entrou, atrás dele as portas por três vezes ficaram a balançar.

Dentro do posto um amplo salão com apenas uma mesa no centro e duas cadeiras e na parede do fundo um gigantesco relógio. Uma das cadeiras estava ocupada por um homem todo vestido de preto com óculos escuros, vasta cabeleira negra, que com um sorriso acenou para Romulo e através de gestos convidou-o a sentar-se à mesa.

Romulo ficou intrigado, meio confuso e pensou em dar o fora dali, mas se viu caminhado até a mesa não por vontade própria, e sim movido por uma força externa, que se sobrepunha à sua vontade e sentou-se.

O homem de preto com um sorriso.

-Quem diria senhor Rômulo! Um homem do seu gabarito aqui sentado comigo, como está a sua vida?

Rômulo tentou responder, mas sua voz falhou.

-Não se preocupe em responder, aqui você só escuta, sua vida está chata não está? Chegou ao ponto que seu rico dinheiro nada mais pode fazer por você, não há no mundo um bem de consumo que possa preencher esse vazio não é? Para você um carro de 1.800.000,00 é apenas um carro, nada mais que isso, o que um homem como você pode ainda almejar da vida? Conseguiste matar sua ambição o que não é fácil para um ser humano tal façanha, parabéns! Em toda sua vida você só pensou em ganhar dinheiro e gastá-lo à vontade para realizar seus sonhos de consumo e poder, até que a porca torceu o rabo, não é? Pode acreditar tenho pena de você, mas quem está realmente de saco cheio é eu e não você, porque compraste aquela porra de revolver no final do ano passado? Há meses estou esperando sua decisão de acabar com a sua merda de vida, mas tu relutas, não tem o que pensar, eu por mim cansei de esperar o desfecho que insistes em protelar, se ao menos existisse em seu coração um resquício de amor, eu não estaria aqui agora conversando com você, cara tu és desprovido de empatia, és uma pessoa fria e egoísta, quer saber de uma coisa? Não mereces viver, o correto e enfiares uma bala na cabeça e acabar com tudo, já faz um bom tempo que as portas do Inferno estão abertas te aguardando.

O homem retirou lentamente de dentro do bolso interno do paletó um revolver 38, depositou sobre a mesa e suavemente o empurrou para Romulo. –Para a sua roleta russa. Está vendo aquele relógio no fundo a sua frente? Ele estará marcando as ultimas horas de sua vida a partir das 01:00 PM, e falta uma hora e cinco minutos para primeira hora cheia da sua agonia. Pode haver uma chance para você dependendo de onde a bala parar no tambor após o único giro inicial, este revólver é de seis tiros e tem apenas uma bala e, a partir de agora enquanto a noite durar, nas horas cheias você fará com ele a famosa roleta russa, se você nasceu com o cú virado para a lua, e conseguir chegar vivo após o acionamento do gatilho às 04h00, a decisão de cometer o suicídio voltará a ser sua, mas acho improvável, se você não estourar os miolos já no primeiro acionamento do gatilho, o disparo poderá ocorrer no segundo ou no terceiro, quem sabe, quem sabe...

O homem levantou-se e bateu levemente a mão no ombro direito de Rômulo.

-A partir de agora é você, à noite, o revólver e o relógio, até que eu gostaria de ficar aqui para apreciar o desfecho, mas tenho outro compromisso com um filho da puta igual a você que também pensa estar de saco cheio.

Ao terminar de proferir essas palavras o homem desapareceu como por encanto da frente de Rômulo.

Rômulo olhou para o relógio que anunciava através de suas badaladas a hora cheia das 12:00 PM, os minutos indiferentes a angustia de Romulo continuam sua marcha até a próxima hora cheia 01h00 PM, ao som da única badalada, sua mão direita apanha o revólver e após o ritual do giro do tambor leva o cano para a têmpora direta de sua cabeça e, inicia a pressão com seu dedo no gatilho. Ele está com medo, uma náusea horrível toma conta de seu estomago, grossas gotas de suor escorrem de sua fonte que ao atingir seus olhos eles ardem em seguida um ruído seco: clique. Sobrevivera a primeira hora cheia.

16 de abril 06:00 AM

O encarregado do turno da noite no luxuoso hotel cinco estrelas² “(É cinco estrelas ao quadrado mesmo!)”, sentiu-se aliviado com a presença do gerente do hotel entrando no saguão e foi ao seu encontro.

- Marcondes pelo seu jeito há novidades.

-Não tenho certeza senhor Mateus, mas acho que ouvi um disparo de arma às 04h00.

-E daí? A coisa mais comum nesta cidade é sons de tiros na madrugada.

-É sobre o senhor Rômulo, como de costume ele pediu para despertá-lo pelo telefone as 05h30, mas ele não atente, de cinco em cinco minutos estou ligando, mas ele não atende...

Roberto Afhonso
Enviado por Roberto Afhonso em 31/07/2013
Reeditado em 19/05/2016
Código do texto: T4412950
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