SOFRIMENTO E DOR

Aquele carro deslizava sob a escuridão da cidade. Dentro do veículo seguia três “almas” perturbadas. No banco da frente estavam o pai e o irmão do jovem Nestor, que ocupava um lugar no banco traseiro.

Nestor estava ali, fisicamente quieto e em silêncio, mas a sua face revelava uma grande perturbação interior. Ele era internamente um universo de caos. Nem mesmo uma observação face a face revelaria o ser humano que ele havia sido antes. Nestor foi um estudante exemplar, gostava de praticar esportes, principalmente natação, era esperto e robusto. Porém, em três anos aquelas substâncias degradaram de forma medonha o jovem rapaz.

Naquela noite, mais uma vez, Nestor teve uma recaída. O desespero tomou conta de sua casa, a sua mãe de saúde frágil foi levada às pressas para o hospital, pois o jovem devia muito dinheiro ao submundo, não tinha condições de pagar e já havia sido ameaçado várias vezes.

O pai e o irmão empreendem uma busca pelos lugares podres, onde o perturbado jovem costumava ir. Eles peregrinam pela escuridão caótica. Já na madrugada o encontra próximo a um cubículo, onde havia várias outras “almas” transtornadas, maltrapilhas e que lentamente andavam de um lado para outro, perdidas como que se tentassem encontrar um caminho.

O pai ao avistá-lo grita:

-- NESTOR!!

O jovem, fora de si e perdido levanta os olhos, como que se olhasse para o infinito.

O pai se aproxima, o abraça e o leva para o carro, onde o irmão estava esperando. O veículo se afasta deixando para trás aquele lugar putrefato e sujo. Porém, um dos comerciantes da morte que vendia naquele ponto sente a falta de Nestor, que mais uma vez saíra sem pagar. Ele comunica o fato a um de seus comparsas, apressados, os dois homens vão à procura do rapaz, cujos meandros de seu paradeiro eles sabiam muito bem.

Dentro do carro, junto ao pai e ao irmão, Nestor tem uma forte crise. Loucamente, ele agarra o irmão que conduzia o veículo, o carro se desgoverna, sai da pista e colide em uma árvore. O pai e o irmão feridos permanecem ali, sem condições de saírem. Nestor tem poucos ferimentos que não o atrapalha a se locomover. Assim, maltrapilho e sujo de poeira, aquele degradado ser perambula pela escuridão.

Antes da chegada de qualquer tipo de socorro, os comerciantes da morte avistam o carro do pai de Nestor. Eles se aproximam, querem saber onde está o rapaz. De armas em punho e com semblantes que demonstravam raiva, ódio e maldade, eles gritam:

-- ONDE ESTÁ AQUELE VICIADO!!

O pai e o irmão atormentados e em desespero respondem aos gritos:

-- NÓS NÃO SABEMOS! POR FAVOR! NOS DEIXEM EM PAZ!

No entanto, sem paciência e sem nenhum pudor, os comerciantes da morte descarregam as suas modernas armas naquelas pobres “almas”. Entre os gritos de dor e desespero, os dois homens se desvanecem perdendo o brilho dos olhos e o fôlego de vida.

Antes do raiar do dia, ainda sob a penumbra, caminha cambaleante por uma rua deserta, um estranho ser, outrora conhecido pelo nome Nestor. Naquele momento ele era uma imagem assustadora e deplorável, com vestes salpicadas, sujas de poeira, suor, lágrimas e sangue. O seu cheiro causava repulsa.

De repente, um carro freia bruscamente, produzindo um som tenebroso, assustando o degradado jovem. Um medo horrível invade o seu corpo. Duas portas do veículo se abrem, descem dois homens, cada um com duas pistolas em punho. Nestor em vão tenta fugir, mas as suas cambaleantes pernas não o obedece. Tiros são disparados. Nestor é atingido várias vezes. O seu corpo sem vida cai sobre o asfalto frio. Um sangue ralo e de um vermelho desbotado e fraco escorre pela deserta rua. Os algozes entram no carro e em disparada e sem arrependimento desaparecem sob a neblina que emoldurava o triste dia que nascia. E assim, os três corpos em duas partes distintas da cidade, entraram para o contexto do caos e da violência social.

Vicente Mércio
Enviado por Vicente Mércio em 15/07/2013
Código do texto: T4387923
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