De Quando Resolvemos Nos Corromper...

Selecionou um bom pedaço, limpou o das larvas e liquens, deitou-o sobre os lombos e rumou satisfeito para os ermos onde costumava a esconder sua serena existência!

Refeito do cansaço, cheio de idéias pôs-se a se esmerar sobre o modesto toco de madeira, até que libertou a criança em seus pedaços.

Uniu-os engenhosamente, e curou a imobilidade do corpo com discretos pontos de articulações; mas o delicado ser jazia ali, sem hálito ou espasmo, circundado de ferramentas, polidores e vernizes, na pouca extensão do tabuleiro!

Era cena tocante, o velho velando seu “Magno Opus”, em um típico caso de pigmalionismo, esperando que um sopro errante animasse, e fizesse saltar para seus braços aquela criança construída...

O pranto sentido o encaminhou até o leve e atribulado sono, o qual o impulso travesso da criança o despertou com sobressalto.

E eis que a figurinha experimentava suas extensões, a voz, e todo conjunto de sua relativa nova “humanidade”!

Deu-se por satisfeito, e logo se acomodara aos pés do pai para prestar-lhe esclarecimentos:

-De onde veio tua alma, criança?

-Não importa, basta saber que assim como tu, era habitante de ermos!

-O que sabes desta vida?

-Tanto o quanto meus poucos minutos... Mas aprenderei contigo, meu pai!

-Podes sentir o frio do ambiente?

-Pouco; mas sinto toda a amargura de tua alma!

-Te chamarei Pinóquio!

-E assim serei chamado!

E o abraço macio do velho encontrou a resistência da madeira, e ainda assim houve ternura!

-Não te posso mostrar como uma criança aos meus concidadãos!

-Mostre-me então como um pequeno ídolo!

-E disseste que nada sabia dessa vida!

-Estava sendo modesto!As lendas dizem que narizes crescem quando a boca diz pequenas mentiras... Espero que não seja o caso!-Sorriu o garotinho de madeira, e fez gargalhar ao que o acompanhava!

Mostrou-o então à um vizinho, e este fez algumas discretas estripulias, sem, contudo dar à entender que era vivo.

Logo havia uma multidão, e a peça agora dançante se dizia um pequeno deus; seus crédulos já adquiriam todas as terras ao derredor, para lhe erguer uma cidade santa, e traçar um lucrativo itinerário religioso!

Pai e filho estavam satisfeitíssimos com sua recente sacralização, e com os gordos rendimentos advindos de seu culto!

De início comercializavam simpatia, pequenos milagres, profecias, bênçãos, livros, camisetas; e seus consumidores se diziam satisfeitos, mas a relação de produto e consumo foi se expandindo, e aos poucos a criança se autoproclamava “Vox Dei”, sendo seu pai o profeta de sua pequena, nova e disfarçada ditadura!

Das transformações que se seguiram houve muitas mortes, acusações de enriquecimento ilícito, imoralidade, dolo; às quais seus fiéis consumidores insistiam em desmentir; e foi numa destas sombras que encontrei a criatura, que agora fora feita criadora de seu criador, a lho oferecer os braços polidos cordialmente:

-Me deste a vida, e eu hoje te ofereço uma outra vida, meu pai!

-E de onde meu veio este teu espírito, meu querido Pinóquio?

-Agora já me podes chamar Mamon!-O olhar do menino irradiava no privado toda a maldade contida.

-Eu sempre soube meu filho!

E ambos gargalharam seu contentamento!

Anderson Dias Cardoso.

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