Graça de Perses e seu Grande Coelho Branco
A avenida vazia da madrugada é um lugar icônico, ela se transforma. Transforma-se em outra dimensão independente – dimensão nojenta – onde os ratos velhos e sujos habitam; acompanhantes do escárnio das dentaduras amareladas que sorriem de longe dentro de seus apartamentos tão vazios quanto suas almas. O cheiro do temor, da indiferença e da falta de pudor governa com braços languidos a cidade sem causa. A cidade da madrugada chuvosa – cidade dos odiados. Os políticos tão ou mais asquerosos que os mendigos que devoram seu próprio corpo e dissolvem-se no álcool. Cabeças e mais cabeças mergulhadas no álcool e na má consciência. Dormem eles, eventualmente, pela sua própria vergonha.
Os pingos da chuva ricocheteiam no capô do carro azul escuro. A rua era iluminada pelos postes altos, e o farol do Caprice Impala 69. A iluminação não conseguia adentrar o suficiente no carro, iluminando somente uma parte do corpo do motorista. Nele se refletia todo o repúdio, toda a sujeira. O sujeito para o carro em frente ao condomínio silencioso - inspeciona o banco de trás, e recolhe seu evangelizador. Passa por seu braço, cuidadosamente, a alça de sua submetralhadora F1. Em sua outra mão, segurava com toda pujança um taco de baseball comum - veste uma mascara branca de coelho que cobria toda sua cabeça. “Eis que lhes apresento, minha bíblia e meu Deus. Amalgamar-vos-ei, Perses.”
O subir das escadas era longo, pois decidira começar do ultimo apartamento. Começar no topo, e assim ir descendo de volta ao seu carro. Seus passos ecoavam pelo cego do som que se interrompia pelas leves pancadas do taco nos degraus. A cada grito que cessava ou a cada splash de sangue que lhe agradavam o ouvido, o local se tornava mais puro. Puritano deus da criação que cunhava a mais perfeita forma da vida - a podridão derramava. Sujava sua máscara, sujava sua camiseta branca.
Deus carregara uma prostituta coberta de sangue, hematomas e pecado pelo corredor da ultima residência – encarava-a esperando seu despertar - os pecados banhavam o taco, e pingavam por todo o chão.
- Você nunca esteve mais bonita – Disse com tamanha sinceridade, que as lágrimas de emoção ou dor se evidenciavam no rosto da moça – E essa é a poesia do começo do mundo.