AD AETERNUM - PARTE VI

E foi assim que ele se descobriu imortal. Até aquele momento, como aliás já dissemos, não houvera nada em sua vida que indicasse qualquer anormalidade; não possuía nenhum talento marcante, nenhuma habilidade ou característica extraordinária. Pelo contrário: solteirão, vivendo na casa da mãe, servidor público lotado numa repartição desimportante qualquer de uma desimportante cidade perdida no interior de um país latino-americano, até ali, sua vida transcorrera de forma bastante medíocre, sem nenhum acontecimento digno de nota. Agora, porém, ele descobrira -e com ele o mundo- que era o (detalhe importante) único (ao menos, até onde se sabia) portador daquela bastante peculiar condição almejada por tantos faraós, imperadores, poetas, músicos, magos, apaixonados, candidatos a santos e cientistas ao longo da extensa caminhada humana sobre a Terra. Ele antecipava, assim, os mais surpreendentes avanços da ciência e medicina moderna; adiantando-se aos estudos com ácidos desoxirribonucleicos, células-tronco, câmaras criogênicas, transplantes totais de face e de órgãos, próteses e clonagens que atualmente já prolongam ao máximo a existência e adiam o derradeiro adormecer, ele era, por uma condição natural, imune à morte. Condição que alcançou (aleatoriamente ou por uma determinação cósmica?) sem realizar qualquer tipo de esforço pessoal. Sem mérito. Sem valor. Raios; sem nem ao menos fé! E, pelo menos até este momento, sem medir exatamente o alcance desta assombrosa condição. Para o bem ou para o mal...

Sim, ele era imortal.

Quer dizer: ao menos, era isso que as atuais circunstâncias indicavam...

Em poucas horas a aldeia estava tomada de gente. Curiosos assomaram das aldeias circunvizinhas; repórteres das grandes redes de comunicação da Grã-Bretanha chegaram em seus helicópteros e furgões equipados com toda a parafernália de equipamentos comuns a este ramo de atividade. O imortal havia sido levado pelo prefeito à sede da administração, onde aguardariam que o pessoal da imprensa fizesse todos os arranjos necessários para uma entrevista coletiva na qual ele contaria ao mundo como se sentia tendo sobrevivido à página em branco, se ele sabia desde pequeno que era imortal, se ele era casado et cetera. Atordoado com a súbita atenção de todos, atropelado pelos acontecimentos, ele refletia, ou tentava refletir sobre tudo aquilo e sobre os rumos que sua vida poderia tomar a partir de agora et cetera. O prefeito, vislumbrando a notoriedade que ele traria, pediu-lhe que viesse morar na aldeia, ofereceu-lhe um emprego público (que coincidência!), um belo chalé et cetera. A coletiva de imprensa transcorreu como era de se esperar: muita confusão, muitas perguntas sobre imortalidade para as quais ele nem imaginava a resposta, perguntas sobre sua origem, sobre seus planos como imortal, sobre sua vida amorosa et cetera... Encerradas todas as formalidades de estilo para ocasiões como estas, ofereceram ao nosso imortal um farto banquete, com tudo o que de melhor a culinária escocesa tem a apresentar; um tanto cansado deste dia insólito, e após atender -e marcar para os próximos dias- quantas entrevistas lhe foram solicitadas, decidiu recolher-se. Queria meditar sobre os rumos que sua vida poderia tomar a partir daquela descoberta, queria telefonar para casa, falar com a mãe, contar-lhe a interessante novidade (naqueles rincões argentinos, as notícias ainda custavam a chegar), aconselhar-se com ela. Comunicou ao alcaide sua intenção. Foi quando este o puxou pelo braço, levando-o através do salão até um canto onde um repórter de uma das maiores redes de telecomunicações do mundo o aguardava meio escondido. Todos os outros repórteres haviam se retirado. Enquanto o conduzia, o prefeito ia explicando a situação: aquele repórter estava autorizado pela sua emissora a oferecer uma absurda soma de dinheiro para garantir a exclusividade da matéria. O prefeito, é claro, ficaria com uma pequena comissão -dez por cento, quase nada- por intermediar o negócio. Aparentemente, certas condutas atravessam oceanos e séculos incólumes... O imortal objetou que já havia se comprometido com as outras redes, ao que o repórter respondeu que aquilo era assim mesmo, nesse meio todos estão acostumados a marcar e desmarcar entrevistas et cetera. O prefeito lembrou-lhe que aquela quantia seria (mais que) suficiente para proporcionar à sua querida mamãezinha no Paraguai (agora todos já sabiam que ele morava com a mãe na Argentina, mas o prefeito fizera confusão -perfeitamente compreensível- com os países) uma vida digna e sem preocupações et cetera. Após refletir um pouco, o imortal observou que, se era verdade que aquela quantia era realmente considerável, por outro lado, a história do primeiro imortal de que se tinha notícia poderia valer muito mais para as outras emissoras et cetera. O repórter sorriu, o prefeito ficou apreensivo, o imortal aguardava, o repórter se dirigiu ao telefone, discou o número de seus patrões, conversou por um breve instante, desligou, dobrou a oferta para felicidade geral, dele, repórter, do imortal argentino e do prefeito, e foi assim que o imortal descobriu que a tal imortalidade poderia lhe ser bastante útil, afinal de contas.

E esta não seria a única descoberta que ele faria, naquela mesma noite, sobre as delícias que a sua especial condição lhe proporcionaria...

paulo marreco
Enviado por paulo marreco em 06/07/2013
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