SAMANTA
São Paulo, 16 de Outubro de 1998
É com grande saudade que escrevo isto, minha irmã. Naquela noite se eu soubesse não teria deixado você ir, teria dito tudo a mamãe.
Mamãe nunca deixou irmos dormir tarde, mas Samanta, nunca ia dormir antes da tradução da noite. Sempre com o ouvido colado no rádio e com caneta e papel a mão, esperava ansiosamente a tradução de suas músicas de amor. Ficava fascinada com a voz do locutor.
Samanta era 5 anos mais velha que eu, na adolescência, me falava sempre de suas paqueras e como ainda iria casar com o professor de Geografia. Não adiantava eu dizer a ela que ele já era casado.
Sinto-me ainda culpado por aquela noite, quando Samanta toda contente me contou baixinho que estava grávida de Sérgio, o professor.
Me contou dos planos, da alegria de ir correndo dizer a ele, de já pensar em conseguir umas malas para levar suas coisas para casa dele, e como ainda iria ajudar no processo do divórcio dele. Me contou tudo, mas antes de eu jurar por minha própria vida de não contar nada para a mamãe.
Samanta saiu naquela noite do dia 15 de fevereiro de 1995. Nunca mais voltou.
Mamãe me pressionou muito, perguntando onde estava Samanta, eu deveria saber, pois, sempre conversávamos de tudo. Sempre menti dizendo não saber.
Mamãe acabou adoecendo, caiu em depressão. Eu faltava em todas as aulas de Geografia, não conseguia.
Um choro de nenê ficava cada vez mais forte, até eu escutar:
-Olha Pedrinho, seu titio Pedro. Disse aquela voz, que sabia que era de Samanta.
Pulei da cama assustado, a vi ali ao pé da cama dando de mamar a uma criança.
Samanta? é você? Samanta onde você estava? A mamãe está tão mal, vou lá chamar ela. Quando fui sair do quarto, ela segurou a minha mão e disse:
-Não vá Pedro, infelizmente, você é a única pessoa que pode me ver. Eu estou morta Pedro, mas estou bem. Quem me matou foi a mulher do professor, ele não sabe de nada. Fui uma ridícula indo lá, mas estou bem, estou bem mesmo onde estou.
Não acreditava naquilo, por um breve momento o bebe desapareceu, Samanta me abraçou forte e disse:
-Pedro quero que faça um favor, para que eu possa descansar em paz.
-Claro que favor, diga Samanta. Disse apreensivo.
-Na escola, no meu antigo armário, tem um envelope. Pegue-o e entregue a mamãe, faça isso Pedro. Adeus meu irmão, não chore mais estou bem. disse isso e desapareceu.
Não consegui dormir mais aquela noite, só pensava em ir a escola. Demorou muito para amanhecer, fui o primeiro aluno a entrar na escola e fui correndo para o armário. Peguei o envelope.
Com mãos trêmulas e muitas lágrimas nos olhos, mamãe desmaiou três vezes papai também não aguentou.
Soube superficialmente o que havia escrito na carta. O corpo de Samanta estava enterrado nos fundos da casa do professor e o relato que foi a mulher dele que a matou.
A mulher do professor foi presa e o professor mudou de cidade com seus outros filhos, não quis continuar naquela escola. Mamãe se recuperou com o apoio meu e de papai.
Passaram-se três anos desde a morte de Samanta, mamãe estava grávida de uma menina, foi um sonho realizado por ela. Todo começo de mês, mamãe ia ao cemitério enfeitar de flores o túmulo de Samanta.
Em sonhos, sempre brincava com Pedrinho, já estava tão grande. Faz um ano que não sonho mais com eles, mas sei que, onde eles estiverem estão felizes.
Continuo ainda traduzindo as cartas de amor, lembro de você em cada tradução, de como sonhava acordada com aquelas lindas letras. Hoje, foi a tradução da sua musica predileta, Let It Be dos Beatles.
Um abraço de seu irmão querido, Samanta.