(Continuação)
(Continua)
PARTE III
Algo em mim sinalizou que havia qualquer coisa de errado naquele insistente pedido, que à minha resistência, tornou-se imperativo, ameaçador e inquestionável. Com dez anos me senti encurralada e só tinha uma alternativa: obedecer. Ele, que em hipótese alguma levantava a voz, ficou escutando o que minha mãe disfarçadamente lhe falava, eu via e sentia que algo estranho estava acontecendo, mas, o quê? Fui dormir.
Acordei e uma onda de emoções me comprimia a garganta, a mente. Ódio, decepção, desespero se apoderaram de mim. Aquela menina sempre tão receptiva, amorosa e frágil fugira naquele momento, e surgia ali um ser que mais parecia uma fera acuada, num misto de dor e angústia se recolhia, e de olhos arregalados ia escapando, como em câmara lenta, daquela mão que a incomodava, era como um açoite em sua alma – aquela mão parecia espinhos entre suas pernas.
Não eram materialmente violentas, eram carícias. Entretanto, seriam preferíveis ferros em brasas a arrancar-lhe os olhos. A dor seria incomparavelmente menor. Meu pai! Deus, por quê?
Eu não tirava os olhos dele enquanto ia saindo do quarto, ele, sem esboçar nenhuma reação, nenhuma palavra ecoava. Seu olhar era para mim indecifrável. Consciente de que se ele tentasse me tocar - o mataria, não sabia como, mas tinha certeza que o faria; meus olhos lhe diziam isto, e ele quedou-se ali, talvez tivesse pronunciado algo como – Não saia, é perigoso. Eu abri a porta, atravessei o jardim; a rua estava deserta, não sabia precisar a hora, mas sabia que era madrugada. Recostei-me a parede, trêmula, e andei. Sabia que tinha de encontrar minha mãe, ela me abraçaria preocupada e me protegeria. Não pensei na repercussão que isso iria causar à família. Os vizinhos, os amigos, a vergonha. Era um turbilhão de pensamentos. Talvez tivesse a graça de encontrar algum malfazejo pelo caminho, quem sabe assim encontraria paz para meu espírito, ele acabaria com o que restava de mim. Pensei em atirar-me embaixo do único carro que vinha ao longe. Andava pela Avenida e olhava para aquele carro que se aproximava, tinha pouco tempo para decidir, sabia que se fosse para a estrada o carro se desviaria. Não conseguia calcular o momento exato de ficar à sua frente, e o carro passou, era preto e lustroso.
Cheguei à clínica e logo chamei a atenção dos que ali estavam; eu, uma menininha linda, branquinha de cabelos lisos e negros, chorando. Cada pessoa que se aproximava curiosa perguntava o que acontecera, se estava perdida ou procurando alguém; eu chorava ainda mais, mal conseguia balbuciar entre soluços – minha mãe, eu quero minha mãe. Um soldado já havia sido chamado, quando falei – Doutora Angélica.
Aproximou-se uma amiga da minha mãe que, me reconhecendo, abraçou-me preocupada e nos dirigimos à sala de descanso dos médicos. Eu a olhei, chorando quis atirar-me em seus braços, porém fui impedida por suas mãos que seguraram os meus mantendo distância, como se aquele ato fosse uma fraqueza jamais permitida; indagou: que está fazendo aqui menina?
Acordei e uma onda de emoções me comprimia a garganta, a mente. Ódio, decepção, desespero se apoderaram de mim. Aquela menina sempre tão receptiva, amorosa e frágil fugira naquele momento, e surgia ali um ser que mais parecia uma fera acuada, num misto de dor e angústia se recolhia, e de olhos arregalados ia escapando, como em câmara lenta, daquela mão que a incomodava, era como um açoite em sua alma – aquela mão parecia espinhos entre suas pernas.
Não eram materialmente violentas, eram carícias. Entretanto, seriam preferíveis ferros em brasas a arrancar-lhe os olhos. A dor seria incomparavelmente menor. Meu pai! Deus, por quê?
Eu não tirava os olhos dele enquanto ia saindo do quarto, ele, sem esboçar nenhuma reação, nenhuma palavra ecoava. Seu olhar era para mim indecifrável. Consciente de que se ele tentasse me tocar - o mataria, não sabia como, mas tinha certeza que o faria; meus olhos lhe diziam isto, e ele quedou-se ali, talvez tivesse pronunciado algo como – Não saia, é perigoso. Eu abri a porta, atravessei o jardim; a rua estava deserta, não sabia precisar a hora, mas sabia que era madrugada. Recostei-me a parede, trêmula, e andei. Sabia que tinha de encontrar minha mãe, ela me abraçaria preocupada e me protegeria. Não pensei na repercussão que isso iria causar à família. Os vizinhos, os amigos, a vergonha. Era um turbilhão de pensamentos. Talvez tivesse a graça de encontrar algum malfazejo pelo caminho, quem sabe assim encontraria paz para meu espírito, ele acabaria com o que restava de mim. Pensei em atirar-me embaixo do único carro que vinha ao longe. Andava pela Avenida e olhava para aquele carro que se aproximava, tinha pouco tempo para decidir, sabia que se fosse para a estrada o carro se desviaria. Não conseguia calcular o momento exato de ficar à sua frente, e o carro passou, era preto e lustroso.
Cheguei à clínica e logo chamei a atenção dos que ali estavam; eu, uma menininha linda, branquinha de cabelos lisos e negros, chorando. Cada pessoa que se aproximava curiosa perguntava o que acontecera, se estava perdida ou procurando alguém; eu chorava ainda mais, mal conseguia balbuciar entre soluços – minha mãe, eu quero minha mãe. Um soldado já havia sido chamado, quando falei – Doutora Angélica.
Aproximou-se uma amiga da minha mãe que, me reconhecendo, abraçou-me preocupada e nos dirigimos à sala de descanso dos médicos. Eu a olhei, chorando quis atirar-me em seus braços, porém fui impedida por suas mãos que seguraram os meus mantendo distância, como se aquele ato fosse uma fraqueza jamais permitida; indagou: que está fazendo aqui menina?
(Continua)