O juramento
Foi uma paixão avassaladora que assaltou seu coração naquele dia em que conheceu a filha de seu amigo Osório. Ela não passava de uma menina com seus dezesseis anos incompletos, mas também se engraçou com aquele homem de traços e braços fortes, rude por seu ofício e doce por natureza. Ele, que já com quarenta e dois anos de idade ainda não havia procurado casamento, viu-se então assanhado por essas vontades que costumam açoitar a alma dos moços, e meses depois estavam diante do altar, trocando alianças e juras de amor eterno, o que muito agradou aos olhos do amigo que, agora, era sogro.
Pouco tempo depois veio o filho, e não houve dúvidas de que o avô Osório seria o padrinho de batismo, o que selou definitivamente aquela amizade tão forte e tão reciprocamente sincera.
Mas a moça acabou entediando-se com a vida de mãe e dona de casa. A pouca idade e a formosura sempre despertara suspiros dos desconhecidos, e foi por um desses que seu coração a fez desvirtuar-se. E passados pouco mais de cinco anos de um casamento que a enfastiava cada vez mais, resolveu entregar-se a um ardente e adúltero caso amoroso e, para desgosto de seu pai, abandonou a família para viver com o amante.
O marido, que jamais suspeitara da traição, logo descobriu o paradeiro dos pérfidos, e foi até lá com a intenção única de pôr fim àquela sem-vergonhice. Mas o alarme de um vizinho foi a tábua de salvação do casal, que fugiu pelos fundos da casa e sumiu da cidade naquele mesmo dia.
Frustrado e com a alma despedaçada, ele voltou para a casa que fez na intenção de criar seu filho e viver para sempre com sua amada, sentou-se na varanda e, copiosamente, chorou. Quando seu compadre chegou, aflito pela notícia da tentativa de homicídio que corria pela cidade, ele simplesmente levantou os olhos e proferiu:
_Sinto ter que dizer isso para o senhor, compadre, mas o que ela me fez não se perdoa nem em mil vidas. E se ainda nesta eu tiver oportunidade, na primeira eu juro que lavo a minha honra com o sangue dessa bandida.
O sogro nada disse, sentou-se ao lado do amigo e ali ficou, até o cair da noite.
Meses depois o Osório recebeu uma carta da filha, onde ela relatava sua nova vida numa cidade muito distante. Pedia perdão pelo que tinha feito, mas não podia mais reprimir o amor verdadeiro que pulsava dentro de si. Pedia também ao pai que olhasse por seu filho, e que um dia voltaria, depois que as coisas se acalmassem. Após muito refletir, ele respondeu com um simples bilhete onde escreveu: “Não se preocupe com seu filho, pois ele ainda tem um pai. E não volte, se quiser viver para o amor que dizes sentir”.
Os anos se passaram, vez ou outra recebia uma correspondência dela, mas isso ele jamais comentou com o seu compadre, de quem continuou amigo. Este, por sua vez, nunca perguntou dela, nem fez qualquer menção que lembrasse seu nome, e com o tempo pareceu sepultar o seu rancor. No entanto, as marcas ficaram, fazendo com ele jamais pensasse em casamento outra vez.
Vinte anos depois, a saúde de Seo Osório ficou seriamente abalada por conta de uma pneumonia, e ele acabou não resistindo. No velório, o neto chorou, junto com sua família, a perda repentina do avô querido. E o amigo, o compadre, permaneceu irredutivelmente ao lado do caixão durante toda a vigília.
De madrugada, só ficou ele e o filho a velar o falecido, além de um vigia que cochilava num banco do lado de fora do salão. Num determinado momento o filho, cansado, recolheu-se num aposento contíguo à sala de velório, e somente ele permaneceu ali. Foi então que, como num passe de mágica, ela adentrou-se ao recinto. Vinha com os olhos cheios de lágrimas. Acabava de chegar na cidade, depois de uma exaustiva viagem de muitas horas que principiou-se logo que recebeu a notícia fatídica, lá de onde vivia desde que fugira do aço do marido traído que agora reencontrava ao lado do caixão de seu pai.
Ele a viu despencar-se desesperada sobre o féretro. Deixou que chorasse toda a sua dor. Quando ela se recompôs e deitou-lhe seus olhos vermelhos, os mesmos olhos pelos quais perdidamente se apaixonara, levantou-se da cadeira onde estava, aproximou-se e, sem esboçar nenhum sinal de raiva ou compaixão, de angústia ou desprezo, de júbilo ou tristeza, sacou um punhal da cintura, e antes que ela pudesse ter qualquer reação, cravou-lhe entre os seios num golpe mortal. Esperou que o pavor da morte se dissipasse em seu rosto, e quando ela desfaleceu, retirou a lâmina suja de sangue de seu peito. Então olhou para o amigo morto e disse:
_Desculpe o momento inoportuno, compadre, mas era preciso cumprir o juramento que fiz.
E assim que o vigia alcançou a porta, acordado pelo barulho do corpo que caiu, ele viu aquele homem voltar contra si mesmo um punhal já sujo de sangue, e num ímpeto enfia-lo na própria garganta.