O ÚLTIMO JUDAS...
Ben-Hur...
Nasceu com nome de gente famosa...
No embalo da cabecinha oca de Maria, sua mãe, cresceu pensando ser o “máximo”, o “cara”. Muito embora, segundo suas próprias palavras, tivesse tido a infelicidade de haver nascido em uma família humilde, cujo único patrimônio era uma casinha da COHAB no Tarumã...
Por causa da precária situação financeira de seus pais e do sarro que seus colegas e professores tiravam de seu nome, sentia-se humilhado. Não se enturmava. Não fazia amigos. Não jogava bola. Preferia andar sozinho. Não gostava muito de jogar conversa fora...
Aos 16 anos, começou a perceber que era possuidor de certo charme. Cabeludo. Cheio de pulseiras e colares. Calça jeans colada ao corpo. Camisa vermelha. Aquele nome de gladiador soava meio estranho e ultrapassado, mas ajudava bastante. As meninas corriam atrás dele. Ficavam pegando em seu pé. Mandando bilhetinhos. As mulheres mais velhas, algumas já casadas, viviam lhe atirando olhares lânguidos, beijinhos, piscadelas, todas insinuando promessas de muitas aventuras...
Aos 18, alistou-se no Exército. Coitado. Passou a maior parte do seu tempo de soldado, atrás das grades. Por desacato, bebedeira, quebra-quebra em bordéis. Na realidade, o que ele mais desejava era aproveitar seu tempo de caserna para juntar uns trocados. No entanto, em vez de tirar proveito do lado bom da situação, Ben-Hur, depois de ter servido um ano, ao dar baixa, saíra com uma mão na frente e outra atrás. Muito mais revoltado ainda e cada vez mais indignado com a vida que levava. Queria se vingar do mundo. Como todo covarde, sem caráter, miolo de galinha, escolheu o sexo frágil para ajustar as contas. Vingança besta, que nem ele mesmo sabia explicar qual o motivo...
Não conseguia emprego e, mesmo que conseguisse, recusava-se a trabalhar a troco de quirera. Por muito tempo viveu à custa das ingênuas colegiais que se emaranhavam prisioneiras das falsas teias de seus encantos. Certo dia, quase meia-noite, depois de ter assistido a um jogo de futebol no Morenão, pela primeira vez e por puro acaso, pegou o “Corujão”. Apelido do último ônibus noturno que sai do centro de Campo Grande para os bairros mais distantes da periferia. Descobriu, maldosamente, que naquele horário e naquele coletivo, lotado de cansados trabalhadores (estudantes, enfermeiras, soldados, homens e mulheres) poderia valer-se de seus “encantos” e de suas certeiras “cantadas”, para descolar algum, ganhar alguma grana fácil. Em último caso, até mesmo, arrastar alguma incauta para uma rápida aventura e poder satisfazer seus mais miseráveis e baixos desejos...
Com o passar dos dias, acostumou-se a esperar o “Corujão”. Depois de algum tempo, já eram muitas as suas vítimas. Já não lhe bastava tomar o mirrado dinheiro das infelizes. Entrava, discretamente escolhia sua preferida. Depois, ficava se esfregando nela. A coitada que ousava resistir ao seu assédio era ameaçada de morte. Tinha roubado de um camelô, um punhal de agudíssima ponta. Sob a pressão desta arma, a jovem seqüestrada era obrigada a descer do ônibus. Acabava sendo estuprada. Sem dó nem piedade. Nenhuma das ofendidas, com justo receio das ameaças que lhes eram feitas pelo maníaco, teve coragem para procurar a polícia e denunciá-lo...
Tudo dava certo para o bandido. Até que, por força do destino, chegou aquela abençoada Semana Santa...
Na maior de todas as sextas feiras, na Santa, naquele dia, sagrado, de luto para os cristãos, Ben-Hur, preparava-se para sair para mais uma de suas “caçadas”. Maria, sua mãe, pressentindo sabe-se lá o quê, ousou lhe implorar: “Não saia hoje meu filho. É um dia sagrado. Fique em casa. Jesus está morto. O diabo está solto. Não vá ficar andando por aí sem destino. É perigoso. Eu não sossego enquanto você não volta. Não consigo dormir. Estou com medo!”. O rapaz, nem deu bola. Saiu dando risadas...
Ficou perambulando pelas ruas de Campo Grande até tarde da noite. Por causa do feriado, não havia nenhum movimento. Estava louco por um copo de cachaça, mas, os bares estavam fechados. Poucas pessoas caminhavam pelas ruas quando o “Corujão” chegou à Maracajú. Ben-Hur embarcou..
Assim que o veículo passou na Rodoviária e o ônibus ficou lotado, o galã aproveitou o ”empurra-empurra” para se dar bem. Ficou roçando nas meninas. Bolinou as mais distraídas. Em pouco tempo já procurava sua próxima vítima. Poucas mulheres. Nenhuma interessante. Aos poucos, elas foram descendo. O coletivo, quase vazio. Felizmente, no último banco, uma solitária passageira. Vestida toda de branco. “Ainda bem!”, pensou o desaforado conquistador. Só podia ser uma enfermeira, ou auxiliar de um hospital qualquer. Sem lhe dar a mínima atenção, a bela mulher, na maior desenvoltura, tricotava uma peça de lã. Suas agulhas eram de aço. Pretas. Agudas. Iam e vinham numa velocidade incrível...
Ben-Hur sentou-se ao lado da simpática, mas séria, mulher. Tentou puxar conversa. Em vão. Nem um olhar. Nem uma contestação. Raivoso, rosnou: “Azar dela! Vai ser ela mesma! Quem mandou ser metida a besta!”. Fingindo dormir, esperou o momento certo para atacar...
Enquanto isto, o “Corujão”, pipocando pelas esburacadas ruas dos bairros da periferia de Campo Grande, se aproximava de seu ponto final. Passou pelo Tijuca, Batistão, São Jorge da Lagoa. Entrou na Copavila II. Invadiu o Tarumã...
Quando aquele coletivo adentrou a rodovia de Sidrolandia, perto do Hospital do Pênfigo, a bela e sedutora enfermeira levantou-se. Sem olhar para os lados, passou a catraca. Deu o sinal. Desceu antes do Cinco de Maio. No ponto da Enersul. Lugar escuro onde havia um grande terreno deserto. Abandonado. Há muitos anos atrás, pelas raras cruzes ainda existentes espalhadas pelo local, sede de um antigo cemitério. Ponto perigoso. O jovem tarado, fogoso, desceu atrás. Seu plano, por enquanto, estava dando certo...
Amanheceu. Dia seguinte ensolarado...
Sábado. Antigamente de Aleluia. Dia de malhar o Judas...
Maria, nervosa, aguardava inquieta. Seu filho? Não chegava. Onde estaria? Apesar de seus defeitos, Ben-Hur sempre avisava quando não voltaria para casa. Aflita, a assustada mulher já telefonara para tudo quanto é lugar onde ele pudesse ter dormido. Ninguém sabia. Nenhuma notícia. Nada Só lhe restavam duas alternativas: esperar e orar...
Ao meio-dia, buzinam no portão. Maria, ansiosa, corre para atender...
Lá fora, um carro preto. Parado. No seu interior, dois homens...
É a polícia...
Noticias de Ben-Hur? Sim. O rapaz, infelizmente, fora encontrado...
E mais. A pessoa que o encontrara, na hora tinha pensado que era um boneco de Judas. Estava jogado dentro do Anhanduizinho. Córrego que passa a 100 metros do ponto de ônibus em que ele havia descido para atacar sua derradeira vítima...
Duas agulhas de tricô – pretas - como testemunhas...
Uma - atravessada em sua garganta...
Outra - fincada em seu coração...
O “terror do Corujão” nunca mais atacaria...
****
Ben-Hur...
Nasceu com nome de gente famosa...
No embalo da cabecinha oca de Maria, sua mãe, cresceu pensando ser o “máximo”, o “cara”. Muito embora, segundo suas próprias palavras, tivesse tido a infelicidade de haver nascido em uma família humilde, cujo único patrimônio era uma casinha da COHAB no Tarumã...
Por causa da precária situação financeira de seus pais e do sarro que seus colegas e professores tiravam de seu nome, sentia-se humilhado. Não se enturmava. Não fazia amigos. Não jogava bola. Preferia andar sozinho. Não gostava muito de jogar conversa fora...
Aos 16 anos, começou a perceber que era possuidor de certo charme. Cabeludo. Cheio de pulseiras e colares. Calça jeans colada ao corpo. Camisa vermelha. Aquele nome de gladiador soava meio estranho e ultrapassado, mas ajudava bastante. As meninas corriam atrás dele. Ficavam pegando em seu pé. Mandando bilhetinhos. As mulheres mais velhas, algumas já casadas, viviam lhe atirando olhares lânguidos, beijinhos, piscadelas, todas insinuando promessas de muitas aventuras...
Aos 18, alistou-se no Exército. Coitado. Passou a maior parte do seu tempo de soldado, atrás das grades. Por desacato, bebedeira, quebra-quebra em bordéis. Na realidade, o que ele mais desejava era aproveitar seu tempo de caserna para juntar uns trocados. No entanto, em vez de tirar proveito do lado bom da situação, Ben-Hur, depois de ter servido um ano, ao dar baixa, saíra com uma mão na frente e outra atrás. Muito mais revoltado ainda e cada vez mais indignado com a vida que levava. Queria se vingar do mundo. Como todo covarde, sem caráter, miolo de galinha, escolheu o sexo frágil para ajustar as contas. Vingança besta, que nem ele mesmo sabia explicar qual o motivo...
Não conseguia emprego e, mesmo que conseguisse, recusava-se a trabalhar a troco de quirera. Por muito tempo viveu à custa das ingênuas colegiais que se emaranhavam prisioneiras das falsas teias de seus encantos. Certo dia, quase meia-noite, depois de ter assistido a um jogo de futebol no Morenão, pela primeira vez e por puro acaso, pegou o “Corujão”. Apelido do último ônibus noturno que sai do centro de Campo Grande para os bairros mais distantes da periferia. Descobriu, maldosamente, que naquele horário e naquele coletivo, lotado de cansados trabalhadores (estudantes, enfermeiras, soldados, homens e mulheres) poderia valer-se de seus “encantos” e de suas certeiras “cantadas”, para descolar algum, ganhar alguma grana fácil. Em último caso, até mesmo, arrastar alguma incauta para uma rápida aventura e poder satisfazer seus mais miseráveis e baixos desejos...
Com o passar dos dias, acostumou-se a esperar o “Corujão”. Depois de algum tempo, já eram muitas as suas vítimas. Já não lhe bastava tomar o mirrado dinheiro das infelizes. Entrava, discretamente escolhia sua preferida. Depois, ficava se esfregando nela. A coitada que ousava resistir ao seu assédio era ameaçada de morte. Tinha roubado de um camelô, um punhal de agudíssima ponta. Sob a pressão desta arma, a jovem seqüestrada era obrigada a descer do ônibus. Acabava sendo estuprada. Sem dó nem piedade. Nenhuma das ofendidas, com justo receio das ameaças que lhes eram feitas pelo maníaco, teve coragem para procurar a polícia e denunciá-lo...
Tudo dava certo para o bandido. Até que, por força do destino, chegou aquela abençoada Semana Santa...
Na maior de todas as sextas feiras, na Santa, naquele dia, sagrado, de luto para os cristãos, Ben-Hur, preparava-se para sair para mais uma de suas “caçadas”. Maria, sua mãe, pressentindo sabe-se lá o quê, ousou lhe implorar: “Não saia hoje meu filho. É um dia sagrado. Fique em casa. Jesus está morto. O diabo está solto. Não vá ficar andando por aí sem destino. É perigoso. Eu não sossego enquanto você não volta. Não consigo dormir. Estou com medo!”. O rapaz, nem deu bola. Saiu dando risadas...
Ficou perambulando pelas ruas de Campo Grande até tarde da noite. Por causa do feriado, não havia nenhum movimento. Estava louco por um copo de cachaça, mas, os bares estavam fechados. Poucas pessoas caminhavam pelas ruas quando o “Corujão” chegou à Maracajú. Ben-Hur embarcou..
Assim que o veículo passou na Rodoviária e o ônibus ficou lotado, o galã aproveitou o ”empurra-empurra” para se dar bem. Ficou roçando nas meninas. Bolinou as mais distraídas. Em pouco tempo já procurava sua próxima vítima. Poucas mulheres. Nenhuma interessante. Aos poucos, elas foram descendo. O coletivo, quase vazio. Felizmente, no último banco, uma solitária passageira. Vestida toda de branco. “Ainda bem!”, pensou o desaforado conquistador. Só podia ser uma enfermeira, ou auxiliar de um hospital qualquer. Sem lhe dar a mínima atenção, a bela mulher, na maior desenvoltura, tricotava uma peça de lã. Suas agulhas eram de aço. Pretas. Agudas. Iam e vinham numa velocidade incrível...
Ben-Hur sentou-se ao lado da simpática, mas séria, mulher. Tentou puxar conversa. Em vão. Nem um olhar. Nem uma contestação. Raivoso, rosnou: “Azar dela! Vai ser ela mesma! Quem mandou ser metida a besta!”. Fingindo dormir, esperou o momento certo para atacar...
Enquanto isto, o “Corujão”, pipocando pelas esburacadas ruas dos bairros da periferia de Campo Grande, se aproximava de seu ponto final. Passou pelo Tijuca, Batistão, São Jorge da Lagoa. Entrou na Copavila II. Invadiu o Tarumã...
Quando aquele coletivo adentrou a rodovia de Sidrolandia, perto do Hospital do Pênfigo, a bela e sedutora enfermeira levantou-se. Sem olhar para os lados, passou a catraca. Deu o sinal. Desceu antes do Cinco de Maio. No ponto da Enersul. Lugar escuro onde havia um grande terreno deserto. Abandonado. Há muitos anos atrás, pelas raras cruzes ainda existentes espalhadas pelo local, sede de um antigo cemitério. Ponto perigoso. O jovem tarado, fogoso, desceu atrás. Seu plano, por enquanto, estava dando certo...
Amanheceu. Dia seguinte ensolarado...
Sábado. Antigamente de Aleluia. Dia de malhar o Judas...
Maria, nervosa, aguardava inquieta. Seu filho? Não chegava. Onde estaria? Apesar de seus defeitos, Ben-Hur sempre avisava quando não voltaria para casa. Aflita, a assustada mulher já telefonara para tudo quanto é lugar onde ele pudesse ter dormido. Ninguém sabia. Nenhuma notícia. Nada Só lhe restavam duas alternativas: esperar e orar...
Ao meio-dia, buzinam no portão. Maria, ansiosa, corre para atender...
Lá fora, um carro preto. Parado. No seu interior, dois homens...
É a polícia...
Noticias de Ben-Hur? Sim. O rapaz, infelizmente, fora encontrado...
E mais. A pessoa que o encontrara, na hora tinha pensado que era um boneco de Judas. Estava jogado dentro do Anhanduizinho. Córrego que passa a 100 metros do ponto de ônibus em que ele havia descido para atacar sua derradeira vítima...
Duas agulhas de tricô – pretas - como testemunhas...
Uma - atravessada em sua garganta...
Outra - fincada em seu coração...
O “terror do Corujão” nunca mais atacaria...
****